quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O Camaleão Namanriya, paradigma da interculturalidade e interreligiosidade

Camaleão Namanriya
Paradigma da interculturalidade
e interreligiosidade

No campo intercultural antropológico o xirima educa os seus jovens com o modelo de comportamento elaborado observando atentamente o Camaleão Namariya. Este réptil sáurio não tem o sentido ocidental de camuflagem, de instabilidade pessoal, para o xirima é um paradigma excepcional para alteridade, para encontros de diversas culturas e línguas, para o encontro com o outro.
A etimologia do nome Namanriya é muito significativa porque ajuda a compreender todas as conotações que a biosofia e biosfera xirima vê neste animal. Namariya é um substantivo da primeira classe, a classe de Deus, do mutthu e dos animais ou coisas de relevância, é um derivativo do verbo oriya que significa descobrir o que está escondido/desconhecido. O nome significa o descobridor, o revelador, quer dizer, o camaleão assumindo a cor do ambiente que pisa, revela e indica propriedades lá guardadas.


1. Tempo
Em primeiro lugar, o camaleão sai do seu habitat procedendo lenta e cautelosamente: não quer errar, isto é, ofender o mundo estrangeiro que está para visitar. Primeira conclusão ou teorema: a descoberta e conhecimento pleno do outro requer tempo! A precipitação é sinal de exagerada autoconsciência e auto-suficiência: dar/falar logo em lugar de receber/ouvir. O turismo superficial e jornalístico pensa em conhecer tudo num dia e em eternizar o seu conhecimento do outro nos seus aparelhos ultra-modernos.

Literatura

Namanriya onnètta vakhani vakhani ni wittittimiha, wiyeviha, wisumaliha, n’opixa mrima; khanruma muxwaxwa, onattittimiha etthaya ya Muluku, onètta ntoko apwiya erowa omatta.
O camaleão procede lentamente, com respeito de si mesmo e do outro, com humildade, modestia e bondade, respeita o terreno de Deus que pisa, por isso no seu proceder não faz barulho, parece o avô quando vai a machamba.

Ontthuna wàwehexexa an’awe /sopattuxwa sothene, onòva /onasempa ottheka /opwexa ekahi y’anene, khantthuna milattu, nto èraka siso, ontthuna tho wona vatapannaya
O camaleão quer observar cuidadosamente os seus filhos / todo o gerado, receia de pecar, quer evitar errar, partir a panela do outro, não quer criar problemas, mas mesmo assim quer conhecer as dificuldades do outro.


2- Espaço
Por isso além de proceder lentamente, o camaleão expõe os glóbulos dos seus olhos e os faz rodar em todas as direcções: à frente, atrás, por cima e para baixo. Ele quer conhecer plenamente as novidades do mundo que está explorando.
Segunda conclusão/teorema: a descoberta e conhecimento do outro requere espaço, a análise e percepção de todas as dimensões existenciais: geografia, história, cultura, arte, religiosidade, teologia. O critério eurístico clássico da biosofia e biosfera xirima é passar lá onde as coisas se encontram, onde o seu mundo cultural fala, actua e se realiza.

Literatura
Osuwela ovira varaya’vo
Conhecer é passar lá onde as coisas estão.

So Namatxentxa onnètta awehexexaka vothevene, tani? Namanriya.
O desfarçador caminha olhando para todas as direções, quem é? O camaleão.

So Mulopwana tani èttaka maithoru annawerya oweha oholo, mukhwipi ni ottuli nari owo ahirukununwe? Namanriya.
Quem é aquele indivíduo que caminhando sem virar-se atrás consegue ver à frente, aos lados e atrás? O camaleão.

Vowehexexa impari sothene sa olumwenku,
namanriya ti musoma mwanene,
okhala wera onvira awehexexaka varaya’vo itthu sothene mothene ni vothevene.
Observando em todas as dimensões do mundo,
o camaleão é o aluno/sábio por excelência,
pois observa tudo em toda a parte.

Namanriya Mulukú:
khanawehera itthu okhopolomoha.
O camaleão é como Deus:
não observa as coisas de uma só parte.


3- Mudança da cor

Em terceiro lugar, o camaleão, passado um breve lapso de tempo, assume a cor do ambiente que o rodeia. Muda de cor, adapta-se, imita, sem porém sacrificar a sua personalidade, que guarda bem defendida no circúlo fechado do seu rabo.
Terceira conclusão/teorema: a descoberta e conhecimento do outro requer não só tempo e espaço, mas também imitação, adaptação (língua, vestir, comer, usos e costumes...) sem abdicar da própria identidade!
Deste teorema deriva o corolário: o camaleão possue uma extraordinária flexibilidade ou versatilidade que se torna universal: adapta-se a tudo, assume em sí a pluralidade do outro, torna-se paradigma da pluralidade criadora de Deus, da multiplicidade da história e da diversificação do coração humano. Não se trata de instabilidade e de inconsistência de convicções, mas de capacidade inesgotável de adaptar-se e assumir a divesidade do outro.


Literatura

Namanriya witxentxa kahiyene wattana ikuwo.
O camaleão não muda de cor
por possuir muita roupa.

Namanriya khanrera nlepa nimosá, ti mpuhí: khivo ekuwo ohinawaraiye, akuxaka makhalelo a sopattuxiwa sothene, ohikhanle nthalu ni nrima.
O camaleão não é de uma só cor, mas é tão rico que pode vestir qualquer vestido, assumindo o específico de cada criatura sem discriminação e inveja.

Witxentxa wa namanriya khommala, ori ntoko otxentxeya wa ehuhu, ntoko murima wa mutthu, ntoko itthu sa Muluku.
A metamorfose do camaleão é inesgotável, é como o mudar do tempo, o coração do mutthu, as coisas de Deus.

Namanriya onnakuxa ikhalelo sovirikana,
mene onakhala namanriya.
O camaleão mesmo assumindo diferentes cores,
fica ele mesmo.


4- O rabo estendido
Outra característica do camaleão vem do seu rabo. Como a abelha e como o escorpião, não morde com a boca mas com o seu rabo, a sua força ofensiva e defensiva está guardada na parte posterior do seu corpo, no seu rabo, é aí que esconde a sua identidade misteriosa.
O seu rabo é um indicador particular. Se um viajante o encontra a atravessar o caminho com o rabo bem esticado, é um aviso para ele regressar. O xirima comenta assim: o camaleão está a dizer-te: nas tuas andanças para frente cuidado, hás-de apanhar o que está atrás, pois ir à frente não é avançar, mas é regressar: o futuro é regressar ao passado.
Quarta conclusão/teorema: a conquista do outro é sempre uma recuperação mais completa do próprio passado: a descoberta e conhecimento do outro é sempre uma redescoberta da própria identidade e história, é explicitar evolutiva e elipticamente o implícito no próprio DNA, no código e na espiral genética!

Literatura

Namanriya khanluma ni mmwano, koma ni mwila.
O camaleão não morde com a boca mas com o rabo.

Mwila wa namanriya khonòkoleleya, yòkhala onavithaiye. òkonlene mwila awe atuphaka ephiro, ti malavi, txonde, wíwe miruku sawe otthikele ottuli
Normalmente o camaleão não estica o seu rabo, guarda aí os seus segredos. Se o esticar atravessando o caminho, é um aviso premonitor, por favor, escuta o seu conselho, regressa.

Namanriya ènre: muroweke oholo, muttotte sottuli: ohola kahiyene ophiya, otthikelá ottuli.
O camaleão disse: enfrenta o futuro,
hás-de recolher o passado,
pois ir à frente não é chegar, mas regressar.


5- Boca e fel
Outro ponto de reflexão e aplicação ética a biosofia e biosfera o encontra observando a boca e o fel do camaleão. Se o camaleão se encontrar com uma cobra, luta com ela até paraliza-la, afasta-se dela por um momento e depois regressa para lhe injectar o veneno/a vacina que lhe dá a vida.
Quinta conclusão/teorema: a descoberta e conhecimento do outro requer cuidado e atenção, é sempre um encontro significativo mas também uma confrontação antagónica e alternativa, às vezes implica até luta que deve levar porém não à morte do outro mas à sua vacinação preventiva e defensiva que é sinónimo de enxertadura de novo vigor antropológico que o leva a um grau maior de maturidade, substituindo a cultura da guerra com a cultura de paz, convivência pacífica.

Literatura

Namanriya namuku ni khulukano a inowa sothene, niwoko onalamiha inowa sothene, ti nikholo na inowa sothene.
O camaleão é o curandeiro de todas as cobras, pois as cura a todas, é o antepassado delas.

Namanriya namalaka ni nakharari a nowa sothene, onamukumiha wamwe niwoko khanatthuna wera inowa siwaneke ni sìvaneke.
O camaleão é o conselheiro cheio de compaixão para com todas as cobras, injecta-lhes o seu fel, porque não quer que lutem e se matem entre elas.


6- Nikhakatawu
Outro ensinamento para alteridade o xirima o deduz olhando o comportamento de uma espécie de camaleão, chamada nikhakatawu. Prestes ao parto, trepa uma árvore e de lá se lança espatifando-se e assim fazendo, suicidando-se, gera.
A mestre da iniciação logo comenta: foi isto que sucedeu quando Deus matriarca quis gerar o mundo; é isto que sucede quando uma mulher dá à luz; é isto que acontece quando o xirima vai ao estrangeiro ou quando o estrangeiro vem visitá-lo. Na interculturalidade é sempre necessário um prévio processo oblativo de morte, o futuro inculturado exige suicídio, renúncia da parte de alguém, exige a oblação de um profeta seminal em favor do seu povo, da sua utopia, do seu sonho.
Sexta conclusão/teorema: a descoberta e conhecimento do outro requer também morte, suicídio oblativo em favor de um futuro!

Literatura

Nikhakatawu narupala nakhuvelaka oyara nnawela musulu wa mwiri nnaihiya nimorelaka vathi. Naphiya vathi vale nnophweya nìsivaka, nnàyara anamwane awe enakhuma akumi. Nikhakatawu ekum aya orupala ni okhwa.
A Nikhakatawu próxima ao parto, trepa uma árvore e de lá se lança espatifando-se e assim fazendo, suicidando-se, gera filhos que saem vivos. A vida da Nikhakatawu é conceber e morrer.

Nikhakatawu mayé: khanòva okhwa.
A Nikhakatawu é uma mãe:
não tem medo de morrer.


7- Camaleão paradigma de Deus, de Jesus e de Maria
Do tipo ao protótipo

Por fim, o camaleão é para biosofia e biosfera xirima não só um animal que leva a aplicações metafóricas e éticas agora mencionadas. Na verdade os teoremas mencionados descrevem um crescendo sinfónico orquestrado em inúmeras variações, de maneira que o camaleão se torna progressivamente um paradigma sempre mais grávido de valências até tornar-se un paradigma de realidades e de conteúdos religiosos e teológicos. O camaleão biológico é paradigma do camaleão transcendental, isto é, de Deus.
Assim chega-se ao sétimo e último teorema da alteridade: a alteridade, a interculturalidade encontra o seu princípio genético e fondante na teologia, na fé em Deus, na religiosidade. É só neste contexto que a interculturalidade de atitude optativa antropológica torna-se um imperativo categórico teológico.

a) Em primeiro lugar, uma imitatio Dei. Todo o comportamento do camaleão é aos olhos da biosofia e biosfera xirima uma imagem concreta de Deus, uma teofania de Deus e uma teologia acerca de Deus. O camaleão torna-se um atributo, um adjectivo qualificativo de Deus. Para a biosofia e biosfera xirima pode-se falar positivamente de Deus camaleôntico.

Literatura
Namanriya onèttela ikhalelo sa Muluku.
O camaleão segue a essência/comportamento de Deus.

Muluku namanriyá:
khankhulumuwa ni wetta ni wittittimiha.
Deus é como o camaleão:
nunca se cansa de proceder com senhorilidade.

Muluku nanamriyá: khanawehera okhopolomoha.
Deus é imparcial /universal/plural como o cameleão.

Muluku namanriyá:
yorera yothene ni yonanara yothene onokuxa
mwerutthuni mwawe.
Deus é como o camaleão:
assume todo o belo e o feio no seu corpo.

Muluku nikhakatawu:
khanòtxela ohùramela vathi /omoriwa ikharari.
Deus é a nikhakatawu:
não deixa de se inclinar abaixo /de ter piedade.

b- Em segundo lugar, uma imitatio Christi. A biosofia e biosfera, uma vez em contacto com o fermento cristão, vê no comportamento do camaleão uma outra imitação, uma imagem de Jesus, uma cristofania, uma riverberação cristológica, de maneira que é espontâneo falar de Jesus Cristo camaleôntico com toda a fluidade que a sua cultura e a sua fé lhe proporciona.


Literatura
Yesu ni namanriya ari muloko mmosa.
Jesus e o camaleão são da mesma raça/natureza.

Namanriya ti mwanene evanjelhu
ya makholo ni ya Yesu Kristu: ohikhalano nthalu
O camaleão é mesmo o evangelista
dos antepassados e de Jesus Cristo:
ambos sem preferências
(imparciais, universais, globais).

Yesu namanriyá:
onakuxa malepa othene a itthu siri elapo ya vathi,
onatthara ekhalelo ya miloko sothene, kharino nthalu.
Jesus é como o camaleão:
assume todas as cores de todas as coisas desta terra, segue a cultura de cada povo sem discriminação.

Yesu nikhakatawú: ìvaherenre omwakoni mokhwani
niwoko nowòpola othene,
anòniheraka mwemmo murima wa Muluku
Jesus é como a Nikhakatawu:
ofereceu-se no monte até à morte
para nos salvar a todos,
mostrando-nos assim o coração de Deus.

Namanriya vowàvaha asikhw'awe wamwe
ti Yesu àvahalaiye òhuser’awe erutthu awe.
O camaleão dá o fel aos seus amigos:
é imagem de Jesus
quando deu o seu corpo aos seus discípulos.

Namanriya ori ethonyero ya Yesu Kristu
niwoko khanatthuna owanawana ni atthu.
O camaleão é ícone de Jesus Cristo,
na verdade não quer que haja guerra entre os homens.

Yesu apankiye votxani vomalihera mirirya
apankaka okaristya:
ti sawasawa witxentxa wa namanriya.
Na Última Ceia Jesus fez algo de extraordinário
instituindo a Eucaristia:
isto é como as metamorfoses do camaleão.


c- Por fim, imitatio Mariae: para a biosofia e biosfera xirIma, uma vez permeada pelo fermento cristão, o camaleão é também paradigma da mãe de Jesus, de Maria, torna-se um arquétipo também mariológico. Talvez isto soe aos ouvidos um bocado forçado, mas não aos ouvidos do cristão xirima. Como o nome Namanriya, assim o nome de Maria soa aos ouvidos dos xirima como um nome derivante do mesmo verbo oriya, daí portanto a espontânea aplicação do tipo ao protótipo.
Mas além disso, o camaleão, sobretudo a Nikhakatawu é imagem paradigmática de Maria perante toda a humanidade, sobretudo perante todas as mulheres como matriarca universal e mater dolorosa. A biosofia e biosfera xirima entende bem os textos mariológicos de Lucas e de João.

Literatura

Amaye Mariya nikhakatawú: nnahawa nayaraka.
A mãe Maria é a Nikhakatawu: sofre dando à luz.

Amaye Maria nikhakatawú:
ari apwiyamwnene àthiyana othene.
A mãe Maria é a Nikhakatawu:
é a matriarca de todas as mulheres.

Sawasawa nikhakatawu, sawasawa asimaye othene, ohawa wawe wothene Mariya onawèrela an'awe.
Como para a Nikhakatawu, como para todas as mães,
assim para a mãe Maria todo o seu sofrimento foi para os seus filhos.

Conclusão:
O processo da alteridade, da interculturalidade verdadeira e autêntica não pode ser só uma operação e opção a nível filantrópico e antropológico, a nível categorial e horizontal, mas em última análise é uma metamorfose, um metabolismo camaleôntico inspirado e motivado por conteúdos teológicos.