sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A vida luta contra a vingança

Muhìnlele ikuhu,
ekumi ennawana ekhotto ni ikuhu.
Não te vingues,
a vida luta contra a vingança.


Introdução

Depois de vários anos de luta armada, Moçambique atingiu a independência no dia 25 de Junho de 1975 A.D. Nem passou um mês daquele fatídico dia, é já a paz celebrada estava de novo em perigo. Efectivamente iniciou logo a acção da oposição em primeiro lugar com a informação através da Radio Kusupa e em seguida com as armas. Era o início da segunda guerra, uma longa guerra civil que se alastrou em todo o país, semeando dores, vítimas, vinganças e destruições em toda a parte. Só depois de 17 anos de lutas intestinas, no dia 4 de Outubro de 1992, a guerra civil acabou com os acordos de paz assinados em Roma.
A preocupação principal da opinião pública nacional e internacional, sobretudo das organizações humanitárias, era como fazer a passagem do clima da guerra, de vinganças ao novo clima de paz, de reconciliação e de perdão. Imaginava-se uma transição difícil e acompanhada de actos de vinganças privadas. Graças a Deus, contrariamente à expectativa geral, no Niassa pelo menos, não foram noticiados casos de vinganças, mas a povoação entrou no clima nacional de paz fluidamente e com vontade firme de manter a paz. Emblemático o seguinte caso. No primeiro conselho paroquial depois dos acordos de paz apresentaram-se todos os animadores das comunidades das duas zonas bélicas. Dentre as comunidades de zona Renamo veio também um animador que tinha participado a um dos últimos ataques à vila de Maúa, durante o qual foram assassinadas várias mulheres com as crianças de colo. Reconhecido pelos animadores da vila, em privado foi chamado e em tom de paz e de respeito foi aconselhado a deixar a reunião paroquial até ao próximo conselho.
Todos, sobretudo nós estrangeiros, nos admiramos em constatar a serenidade e fluidade do processo à normalização. Por esta razão quis indagar bem o que pensa a biosofia e biosfera acerca da vingança e do perdão, descobrir as razões do fundo que motivaram e guiaram o povo xirima ao regresso pacífico e incruento à vida da paz. Qual terá sido o movente principal? A tradição só, a presença da fé cristã sobretudo? Ou as duas juntas?
Já nas primeiras semanas de paz tive a oportunidade de descobrir uma razão básica. Chegando nas bases da Renamo reparei que os comandantes macua não eram equipados como os outros que provinham das províncias do Sul. Um destes últimos deu-me a seguinte explicação: “Padre, os Macua não amam a guerra nem sabem combater na guerra, são alérgicos aos conflitos violentos e cruentos, preferem sentar-se no alpendre das autoridades tradicionais e lá discutirem, dialogarem até atingir o alvo da paz”. Isto fez-me lembrar um comício do Presidente Samora Machel em Cuamba, nos primeiros anos da independência, onde expressou o mesmo juízo do comandante da Renamo para com o povo macua, afirmando que só nas zonas macua a Frelimo não tinha obtido um apoio incondicionado na guerra de libertação.
Era já uma boa pista que porém merecia ser bem analisada. Foi o que fiz, dando aos pesquisadores do Centro o tema: winlela ikuhu/ikukuttua em conformidade com a biosofia e biosfera xirima. Apresento aqui os tópicos principais.


1- A lei do talhão
A lei do talhão é bem conhecida e até lapidarmente formulada no seguintes textos e em parte também psicologicamente analisada: o vingador procura de apagar, satisfazer o seu coração, libertar-se do peso da ofensa que lhe rói o coração. Até a biosofia e biosfera xirima reconhece que às vezes a vingança é fruto de premeditação e programação bem consciente, enquanto que outras vezes é uma explosão instintiva, impulsiva e incontrolada.

Winlela ikuhu mpuwa mwa makholo ahu
ti ottikixa matxipu:
oruwaniwa olelo onattikiwa mweri womalo.
omaniwa olelo onahokoloxera esimana ya omalo.
Wotheriwa olelo onahokoloxera omalo.
Vingar-se para os nossos antepassados é devolver a ofensa recebida:
a pessoa insultada hoje, devolverá o mesmo no próximo mês;
se batida hoje, devolverá o mesmo na próxima semana;
se acusada hoje, devolverá o mesmo amanhã.

Mukhw’á apwexá nitho ná,
ompwexeke nitho nawe.
Se o teu parente te partir um olho,
tu por tua vez parte-lhe o seu.

Winlela ikuhu maino:
nakhuleya nimosa, nnomelela tho nikina.
ti ottikixa isikula/matxipo.
ti wemexa malaxi owatteya òviriwaka.
ti ephatxe enottikixeraniwa.
Vingar-se é como os dentes:
basta cair um que surge logo um outro,
é reverter/inverter a inclinação do capim,
é interpor capim impedindo a passagem,
é como a peneirinha:
devolve-se alternativamente.

Olelo kòhopahulani, omalo ti nyuwo.
Hoje fui eu que te ofendi, amanhã será você.

Ikuhu ori otxipiha mphito khuluwi,
ti omaliha murima khuluwi.
A vingança é fazer desaparecer o trilho de vez,
é apagar o coração completamente.

Winlela ikuku ti opaka itthu sonanara mwayini.
Vingar-se é fazer coisas más de propósito.

Ikuhu khasinarumaniwa,
khasinalaihaniwa nihiku,
Ikuhu sinapakiwa motutuxa.
As vinganças não são mandadas/programadas,
nem se combina o seu dia, realizam-se de repente.


2- Nakuhu -- O vingador
A biosofia e biosfera xirima não conhece só a lei do talhão, conhece também a pessoa vingadora, as suas acções maléficas, o seu comportamento psicológico. Tratando-se de uma atitude perigosa na vida social da aldeia, os textos demoram bastante na descrição dos aspectos negativos e das consequências nefastas. Em síntese, a conotação do vingativo é aos olhos da biosofia e biosfera xirima é clara e categórica: ele é um feiticeiro, a personificação e incarnação do feiticeiro.

Makholo annèra:
nakuhu wuma murima,
mukhwiri onnèra hiho,
khanamòva Muluku.
Nakuhu kharino ikharari,
khanamòna ikwasuni,
ori nanrima/nahatxe,
khanathelaneya, onosempwa,
khanahaya w’anene,
t`owittottopa, t`owisunnuwiha,
ti nemwanomwano,
t`owùluma mekhá,
t’òkhuveya nlumi,
khanatxa ni akhw’awe,
ohinìwa yoleliwa,
onakhwa ni wereriwa,
khanóve etthu,
khanaphukeleya mulattu.
Os antepassados dizem:
o vingador é um perverso,
o feiticeiro faz assim,
pois não tem medo de Deus.
O vingador não tem pena,
não vê o órfão, é invejoso,
não se brinca com ele, evita-se,
não se hospeda na casa alheia,
orgulha-se, é nervoso, é monólogo,
é de língua curta,
não come com o seu próximo,
não ouve o que lhe é dito,
morre sendo tentado,
não tem medo de nada,
o milando dele é insolúvel.

Nakuhu khanattuwala nari khanlevelela,
onlikana ni ole onriha makatxapha a mphakura:
mutthu ole khanamutxa,
orotapanyiwa/orotanyiwa.
O vingador não esquece nem perdoa,
é como aquele que deita cascas de feijão jugo,
não as come, foi provocado.

Ìnlale ikuhu orimwilivela
amalihaka mwinlelo awe
nikhupanyo nawe nari ntokotoko .
Quem se vingou, quis pagar-se,
apagando o seu desejo de vingança,
a ofensa recebida era demais.

Atthu òwinlela ikuhu sakumanelá,
ikhotto khasinamala.
Se os vingativos se encontrarem,
não acabam as lutas entre eles.

Mukwaha wa nakuhu khonìwananeya,
winlela ikuhu onasuwela weyo mekhá.
A viagem do vingativo não se combina,
o plano de se vingar sabes só tu.

Naxariya khanakona mwinli mmosa ni nakuhu;
ephiro ya naxariya khanavira nakuhu,
nakuhu khanahakalala mphironi mwa naxariya.
O justo não dorme na mesma esteira do vingativo;
no caminho do justo não passa
nem se alegra o vingativo,


Efeitos negativos da vingança

Vari ikuhu, yottheka yèmenle’vo.
Onde há vinganças,
a culpa/reato parou aí.

Mpuwa wa makholo winlela ikuhu
khonavaha exariya:
onruha winaniha, munyakunyaku, winlaseya, otapana, orakaliha;
onamwara omusi, ntthoko, onthamwene, murettele velaponi.
Para os antepassados vingar-se não produz justiça,
traz inimizade, barulho, choro, desgraça, aleijamentos;
destrói o parentesco, a amizade, a paz na aldeia.

Winlela ikuhu kahiyene exariya ni murettele,
niwoko kula mutthu onèra: àkitepiha.
Vingar-se não é justiça nem paz,
porque cada um diz:
isto é demais para mim.

Vari ikuhu oyarana khuwavo,
othene ari movelavelani.
Onde há vingança, não há parentesco,
todos estão com sofrimento.

Winlela ikuhu ottharaka murima
t’oriheya atthu:
onawìnlela ikuhu, omwara itthoko.
Vingar-se, escutando o coração,
é perder as pessoas:
quem se vinga, destrói os lares.

Ikuhu wivá ni tho wivaná,
ikuhu murette aya wivaná.
A vingança mata e provoca outras mortes,
o remédio das vinganças produz matanças.

Winleliwe ikuhu yòkhala enakhuma,
siri itapha sa akhwiri,
Onde há vingança, há-de acontecer algo,
são as armadilhas dos feiticeiros.

Vanihukuni winlela ikuhu oxeriha maitho:
nakuhu ahakalalaka nowuma murima,
owinleliwa ikuhu ìkhupanyeraka.
Às vezes a vingança avermelha os olhos:
o vingador a rir sadicamente,
a vítima a lamentar-se.

Ekukuttula ovoreiha murima,
onanariha ekumi yothene ya mutthu.
A vingança faz sofrer o coração,
estraga toda a vida da pessoa.


Imagens da vingança

Ikukuttula ikhove:
ottuwaliha, nto sinòtxeleya.
A vingança é como o sono:
tenta fazer esquecer, mas não consegue.

Ikuhu nsala nnamalela itthu
sikina sùnttaka, sikina simelaka.
A vingança é como a lixeira: aí acabam as coisa;
umas a apodrecer e outras a germinar.

Ikuhu mwithe wa enowa:
wopiha, oluma ni wiva.
A vingança é como a toca da cobra:
é perigosa, morde e mata.

Ikuhu khasinòneya,
nto ovoreya mmurimani,
ntoko nikhala noluttuwa na moro.
As vinganças não se vêem, mas doem no coração
como a brasa ardente do fogo.


3- Vingança e a Justiça judiciária

A biosofia e biosfera não é idealista nem utópica, mas realista e sensata. Mesmo tendo condenado fortemente a pessoa vingativa e as suas acções, sabe muito bem que o coração do mutthu anda os seus próprios caminhos, reconhece as suas fraquezas, por isso do seu realismo matriarcal namúlico tira duas oportunidades para marginar as vinganças e para fazer justiça à vitima da vingança.
Em primeiro lugar, a biosofia e biosfera xirima oferece o caminho judiciário, a ida ao alpendre da autoridade para lá com o diálogo tratar o milando e por fim chegar a uma solução pacífica para o réu e para a vitima. Sobressai nisto a alergia idiosincrásica da biosofia e biosfera xirima para com a guerra, para com os conflitos cruentos, para as soluções individualistas e egoístas, em suma o aspecto fundamental da cultura xirima que sendo cardial, isto é, namúlica matriarcal, lunar e nocturna, opta sempre pela solução que garante a continuação da vida, mesmo depois de umas interrupções trágicas. O alpendre da matriarca e do chefe antes de ser um tribunal, é um lugar sagrado, é um mini-namuli que detêm autoridade e competência suficiente deste e do outro hemisfério para resolver todas as avenças do mutthu. O vingativo usurpa poderes e tarefas alheias sagradas.
Em segundo lugar, a biosofia e biosfera xirima aproveita do rito da iniciação para denunciar e condenar as vinganças, comunicando inúmeros conselhos a todos os iniciandos, castigando fortemente o iniciando já incline à vingança.

Mwene òloka khanìnlela ikuhu muloko awe,
t’onvaha miruku wera atthu ehìnlelaneke.
O rei sábio não se vinga no seu povo,
pelo contrário é ele que aconselha
a não exercer vingança.

Pwaro a mwene t`onamaliha ikuhu s’atthu.
O alpendre do rei é
que acaba as vinganças entre o povo.

Ikuhu mulattu: khonùntta,
nto onimùntta nihiku nle pahi
sinophukiwaya mmutthekoni mwa mwene.
As vinganças são contendas que não apodrecem,
apodrecem só no dia
em que são tratadas no alpendre do chefe.

Watthekeliwá, ohìnlele ikukuttula,
sothesene sinùlummwa w`amwene,
wàseke exariya mmutthekoni pahi.
Se ofendido, não te vingues,
pois tudo se resolve no chefe,
procura a justiça só no tribunal.

Winla ikuhu okhotta wuluma mulattu,
ori wittana exariya,
ikuhu simaleleke khuluwi
mmutthekoni wa mwene.
Vingar-se é negar tratar o milando,
é inimizar-se com a justiça,
as vinganças devem acabar de vez
no tribunal do rei.

Nakuhu onnùpuwela mmurimani mwawe
omaliha mulattu ìnlelaka ikuku,
nto Ikuhu sinnùnnuwiha mulattu,
ti mmutthekoni mwa pwiyamwene ni mwene
sintxipihiwaya’mo sotthekeliwa sothene.
No seu coração o vingador pensa
em acabar o milando com a vingança,
mas a vingança piora o milando,
é no alpendre da matriarca e do rei
que acabam todas as ofensas.

Naxariya khanìnleliwa ikuhu,
nto onnatthara ephiro yowùluma mulattu.
O justo não se vinga
mas segue o caminho de resolver o milando.

Vanìnlelaniwaya ikuhu,
mulattu wòkhala wothe,
nakuhu mulattu awe opisa omala.
Onde há vingança, há também milando,
o milando do vingador demora a acabar.


ikano
Anamwane òwinlela ikuhu annahawa omwalini.
As crianças vingativas sofrem na iniciação.

Winlela ikuhu wikuxa,
ovirikanyiha ikano,
ti ohùluma mulattu mmutthekoni
Vingar-se é orgulho,
é contradizer as normas,
é não tratar o reato no tribunal.

Makholo ahu yànàlela an’aya:
muhiwìnleleni ikuhu yawo anottharattharani.
Os nossos antepassados educavam os seus filhos dizendo:
não deveis vingar-vos naqueles
que vos perseguem.

Makholo yànèra:
muhiwinlele ikuhu amay`inyu
nipele na amay’á ninnamaliha ikuhu.
Os antepassados diziam:
não te vingues na tua mãe,
a mama dela faz acabar a vingança.

Khalai xapi khàpexiwa maitho,
khawakhanle winlela ikuhu, nto olevelelana,
makholo yàri òvilela ni òlevelela.
No passado ao pássaro do mel
não se lhe partiam os olhos:
não havia vingança, mas perdão,
os antepassados suportavam e perdoavam.

Makholo annéra:
olevelelana ni winlela ikuhu
fatari olevelelana kwekwe
Os antepassados afirmam:
entre o perdão e a vingança,
é preferível sempre o perdão recíproco.

Atthu a khalai yànasuwela sa muholo:
ohinlele ikuhu, olevele,
olelo ti miyo kotthekelani, omale ti nyuwo.
Os antepassados sabiam do futuro:
não te vingues, mas perdoa,
pois hoje fui eu que te ofendi,
amanhã serás tu.

Muhìnlele ikuhu,
ekumi ennawana ekhotto ni ikuhu.
Não te vingues,
a vida luta contra a vingança.

Mwatthunaka wunnuwa omutthu womalela,
ikuhu muhiyeke ottai mwekumini mwanyu.
Se quiser crescer até à maturidade,
deixa a vingança longe da sua vida.

Asitith`inyu khanìnleliwa ikuhu,
ari mukhoyi onawerya wotthukani,
nsu naya ninnòpola ni ninnìva wothe.
Os teus pais não devem ser objecto de vingança,
são cordas que conseguem amarrar-te,
a palavra deles pode salvar e também matar.

Muretta khaninleliwa ikuhu,
Mutthu ohitoko omòna, khanìnleliwa ikuhu,
niwoko nlelo khonasuwela murim’awe;
aletto khanìnleliwa ikuhu
niwoko ari anamavira;
naxikhola khonaphwanela omwinlela ikuhu, niwoko orwenle ohusera.
O doente nunca deve ser objecto de vingança.
A pessoa que nunca viste,
não é objecto de vingança,
pois ainda não conheces o seu coração;
não te vingues dos hóspedes, pois são passageiros,
não se deve fazer vinganças no aluno,
porque veio para aprender.

Vatthokoni asitithi ehiwìnlele ikuhu anamwane niwoko khasuwenle etthu.
No lar os pais não se devem vingar nos filhos,
pois não sabem nada.

Ntheli khannalipa ni ikuhu,
niwoko wothelani onàsiwa omusi munyowani.
O casamento não fica sólido com as vinganças, porque no casamento
procura-se nova geração.

Òhitheliwa khanìnleliwa ikuhu,
siso tho mwara a mwanene.
A não casada não é objecto de vingança,
assim também a esposa alheia.

Mwakhalá a ephiro emosa wotothani
muhiwìnleleke ikuhu asikhw’inyu: otapaniha.
Se estiveres na mesma viagem na caça,
não te vingues nos colegas, causa azares.

Wahokoloxeriwá ikuhu,
ohinyonyiwe niwoko waropatxera,
kula etthu eri ni ikuhu saya.
Quando és vitima de uma vingança
não te enerves, porque foste tu a começar:
cada coisa tem a sua vingança.

Otthekeliwe ti mwanene
winlela ikuhu nari olevelelana,
O ofendido é o dono
da vingança como do perdão.

Yohovela kheninleliwa ikuhu,
Ikuhu kheninliwa ohitthekeliwe.
A dúvida não é objecto de vingança,
não se faz vingança sem culpa.

Ikuhu khasinatakihaniwa
niwoko novoreya.
Não se imitam as vinganças,
pois causam sofrimento.


4- Ekuhu ni Muluku/Minepa
Vingança tarefa exclusiva de Deus vingador

A biosofia e biosfera além das duas oportunidades apenas acenadas para marginalizar a chaga das vinganças, apela sobretudo à sua religiosidade e teologia oferecendo assim ao vingativo uma terceira oportunidade e motivação para não se vingar. Julgar segundo justiça e de maneira definitiva e exaustiva é só uma tarefa de Deus, só ele sabe e conhece o coração do mutthu, só ele é víndice absoluto e justo.
Além disso, Deus Namuli, matriarca e genearca da vida, bondoso e generoso, apoia e prefere sempre o caminho do perdão e do diálogo judiciário que os seus intermediários do além e do aquém procuram desenvolver. O vingativo portanto, além de ser fora da lei, arrisca também de ser inimigo de Deus, em outras palavras é um ímpio por contradizer frontalmente o creio e o optimismo básico da teologia matriarcal namúlica, por invadir o tempo e o espaço do futuro que é exclusivamente tempo e espaço de Deus namúlico.

Winlela ikuhu ti ottuwala
wi Muluku ti mphuki mmosaru,
mwanene ettuniya.
Vingar-se é esquecer
que Deus é o único juiz/vingador,
dono do mundo.

Winlela ikuhu ti otthuna owana ekhotto
ni ikhaikhai sa wirimu,
ti omukopela Muluku.
Vingar-se é querer lutar
com as verdades do Céu.
é endividar-se com Deus.

Muluku nakuhú óloka:
khanattuwala etthu,
onnòna sothene sinèreya
ni onathoriha ehuhu yaphiyá.
Deus é víndice justo:
não esquece nada,
vê tudo o que acontece
e julga na altura própria.

Ikuhu sa Muluku khavo onasuwela,
khavo onawerya wemexa nari osempa,
ikukuttula sawe khasintthaweya.
As vinganças de Deus ninguém sabe,
ninguém consegue travá-las nem evitá-las,
sim, das vinganças de Deus não se foge.

Muluku onnasuwela ikuhu sa kula mutthu,
onnawìnlela àttharuxaka mamwene,
ahinalamula phama sene.
Deus conhece as vinganças de cada pessoa,
vinga-se nos reis que não governam bem.

Ale ahinàpankela yorera akhw’aya,
esuweleke wi Muluku onowinlela ikuhu,
àntxereraka mpuh’aya.
Aqueles que não fazem o bem aos colegas,
devem saber que Deus há-de vingá-los
aumentando o gozo deles.

Muluku nakuhu òrera murima ni òloka,
khanamwìnlela ikuhu mutthu òhittheka.
Deus é vingador bondoso e justo,
não se vinga na pessoa inocente.

Òwinleliwa ikuhu pixa murima,
t’onètta ni eparakha ya Muluku,
t’onakhaviheriwa ni minepa,
t’onètta ni atthu.
A vítima de vingança é o bondoso:
anda com a sorte de Deus,
é ajudado pelos espíritos,
por fim anda com a gente.

Ohìnlele ikukuttula,
valaponi watta sorera,
omuroromeleke Muluku Namuli,
makholo arorwana o Namuli:
pixa murima àhòna murima wa enenele.
Não te vingues,
no mundo há muitas coisas boas,
sejas de confiança/fé em Deus Namuli,
os antepassados vieram com ele do Namuli,
o bondoso viu até o coração da formiga.

Winlela ikuhu minepa,
onamwasa nokhw`awe,
minepa khanawananiwa,
mwatthunaka otapana muveheke minepa,
siri miluku sa Muluku Namuli.
Vingar-se dos espíritos
é procurar a própria morte,
contra eles não se luta;
se quiseres ter má sorte, despreza os espíritos,
que são os deusinhos de Deus Namuli.

Minepa khaisininleliwa ikukuttula,
mutholo khonìnleliwa ikuhu,
niwoko ti empa ya minepa.
Os espíritos não são objecto de vingança,
também o Mutholo, porque é a casa dos espíritos.

Munepa onnawerya owínlela ikuhu akumi.
O espírito consegue vingar-se nos vivos.


5- Ekuhu ni Ekristu
Vingança e a Fé cristã
O fenómeno das vinganças, visto em horizonte cristão, recebe condenação definitiva, devido a todo o comportamento de Jesus que sempre perdoou e sempre condenou a vingança: comportamento e ensino que se tornou para os seus discípulos e para a Igreja norma normata normans.
Por um lado Jesus perdoou e exige do seu discípulos o perdão, por outro no fim dos tempos ele será vingador final da história humana e cósmica. A vingança final transcendental não será só teológica mas também cristológica.


Yesu

Yesu khawìnlenle ikukuttula mutthu mmosaru,
nto àhàvekelela àlevelelaka yamukhomenle.
Jesus não se vingou em ninguém,
mas rezou perdoando aos que o crucificaram.

Yesu àhìnleliwa ikukuttuna ni Ayuda
niwoko na evanjelyu awe.
Jesus foi vítima de vingança dos Judeus
por causa do seu evangelho.

Yesu àmwìnlela ikuhu Satana omwako Sinayi:
Satana alokolelaka sawawe,
Yesu àkhulaka sawawe tho.
Jesus vingou-se no Satanás no monte Sinai:
Satanás a falar das suas
e Jesus a contradizer com as suas.

Winlela ikuhu nihittharaka murim’ahu,
nto nihusiho na Yesu,
ti ovarana nyono:
khweli Yesu ànèra:
mwàvekeleleke yawo anopahulani.
Vingar-se não seguindo o nosso coração
mas o ensino de Jesus é abraçar-se/dar-se a mão.
Na verdade Jesus dizia:
perdoai aos que vos afligem.

Yesu t’awòmonle alipa a maronda
mutempuluni mo Yerusalemu,
ìnlelaka ikikuttula ovuwa wa empa ya Muluku.
Jesu expulsou os comerciantes
do templo de Jerusalém,
vingando assim a glória da casa de Deus.

Yesu Kristu nakuhu a exariya
àtthu yènre sorera nari sonanara:
onorowa nihiku nomalihera
owìnlela ikuhu ni wáthorihela
atthu yakhontte malamulo awe,
yawèrenle sonanara asikhw’aya
Jesus Cristo é víndice justo
dos que praticaram o bem e o mal:
há-de vir no último dia a vingar e a julgar
os que negaram os seus mandamentos,
que fizeram mal ao seu próximo.


Ekristu ni Ekereja

Ikukuttyka/ikuhu/ikhunya mpuwa mwekristu
ti etthu yohirera, ti yottheka etokwene,
ti ohirino osivelana/onthamwene/nlevelelo:
mkristu nakuhu khantthara Evanjelyu.
A vigança dentro do cristianismo
é uma coisa feia, é um grave pecado,
é falta de amor/amizade/perdão:
o cristão vingativo não segue o Evangelho.

Wapatisiwá ottuwaleke ikuhu khuluwi,
siriki mwettelo wa satana,
sinavirikana ni mukhalelo wa ekristu..
Se fores baptizado, esquece de vez a vingança,
sendo uma atitude satânica
que contradiz a fé cristã.

Ohìnlela ikuhu, eyo tiyo, olevelelana,
kahiyene wova,
mkristu t’òleva, òwìyeviha ni òvilela:
onimùnnuwihiwa momweneni mwa wirimu.
Não se vingar, isto é, perdoar, não é ter medo,
pois o cristão perdoa, é humilde e paciente:
será exaltado no reino do Céu.

Mukereja khophwanenle winleja ikuhu,
niwoko ti maye/pwiyamwene a ikano sorera:
hatá satana khanawerya
wìnlela ikuhu ekereja,
ti empa ni erutthu ya Yesu.
Na igreja nunca se deve realizar vinganças,
pois é a matriarca de bons conselhos.
Mesmo Satanás não consegue
vingar-se na Igreja,
pois é a casa e o corpo de Jesus.

Olapa nsakramenti nla nnamaliha
ikuhu sothene atthu yùpuwenlaya.
O sacramento da confissão ajuda a acabar
todas as vinganças nas quais se pensou.

Nakuhu Herode mwene owuma murima:
àwínlela ikuhu anamwane o Bethelehemu.
Vingativo foi o cruel rei Herodes:
vingou-se nas crianças de Belém.







quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Deus não é um macaco solitário

Muluku arí namwelupa
sano elapo emanlene.
Se Deus fosse macaco solitário
o mundo já teria acabado.

Muluku kahiyene namwelupa
niwoko onnètta ni atthu kwekwe.
Deus não é um macaco solitário
porque anda continuamente com as pessoas.

Deus único, mas solidário


Introdução

Durante a guerra civil surgiu em Nipepe um catequistado para dar ao animador de cada comunidade a possibilidade de conhecer e usar com competência os novos livros que a Diocese tinha posto à disposição. Tratava-se da nova edição do missal dominical (Masu a Muluku), do livro das orações e cantos (Mavekelo ni itxipo) e por fim o NT e os Salmos. Embora com a guerra e insegurança daquela altura, 52 animadores deixaram a própria aldeia e comunidade junto com as esposas e filhos e quiseram passar um ano inteiro em redor da paróquia de Nipepe para melhorar a própria formação bíblica, catequética, litúrgica e sacramental e assim regressarem às suas comunidades melhor equipados.
Tudo ia à frente bem, mas depois da férias do Natal, Nipepe foi assaltada, uns catequistas conseguiram fugir, muitos foram deportados e só um punhado deles foi deixado. Nunca se rezou tão intensamente como naqueles dias e a oração dos restantes do catequistado obteve a graça de assistir após um mês ao regresso de todos os deportados. Lembro ainda as primeiras palavras que os regressados pronunciavam ao colocar os pés no catequistado. Eram palavras de fé e de agradecimento a Deus como os dois seguintes axiomas ligados à figura do elupa/namwelupa:

Muluku arí namwelupa
sano elapo emanlene.
Se Deus fosse macaco solitário
o mundo já teria acabado.

Muluku kahiyene namwelupa
niwoko onnètta ni atthu kwekwe.
Deus não é macaco solitário
porque anda continuamente com as pessoas.

Naquela altura ainda não conhecia o sentido da palavra elupa e o derivativo personalizado namwelupa. Na devida altura pensei em pedir aos pesquisadores do Centro que me fizessem uma composição aqui sinteticamente apresentada.

1- Descrição biólogica

Elupa é um substantivo da quinta classe, a classe das coisas e dos animais. Provavelmente elupa/namwelupa são derivativos do verbo olupa que significa não só acertar no alvo, mas também tencionar, desejar. Em concreto, o binómio elupa/namwelupa significa o animal que acerta no alvo, que procura no nosso caso sobretudo a comida, porque sendo velho ou doente, marginalizado e até expulso pelo seu grupo, tem que desesperadamente procurar meios de subsistência. È o caso do macaco velho ou de outro animal velho que normalmente se abeira às machambas e às aldeias para encontrar comida, tornando-se perigoso.
Os textos salientam a solidão do elupa/namwelupa, as suas andanças à procura de comida exclusivamente para ele e os danos que provocam nas machambas e nas povoações.

Elupa ti yele enètta mekhaya ni enatxa mekhaya
O animal solitário é aquele
que anda sozinho e come sozinho.

Namwelupa ohelenle otxa pahi, .
ti namwiya, onaruha ohawa w’atthu,
khanvinya vowakuveya mmattani, ovila omwikara’mo.
O macaco solitário só pensa em comer,
é ladrão que traz só sofrimento a gente,
não sai da machamba tão facilmente, custa afastá-lo.

Namwelupa namili, khantxa ni asikhw’awe,
awòná asikhw’awe onowìkara.
O macaco solitário é avarento,
não come com os seus colegas,
se vê os seus colegas, expulsa-os.

Namwelupa àmutthunaka sothene sari sawe.
O macaco solitário gostaria que tudo fosse dele.

Elupa ennakona mmirini mekhayaru,
wetta waya ti wowita ni opeherera.
O macaco solitário dorme nas árvores sozinho.
anda às escondidas nas madrugadas.

Elupa nikholo na akhole othene.
O macaco solitário é o velho de todos os macacos.

Elupa khenavolelana ni etxipani ekina
akhwá mwariye t’onihawulaiye anètta mekhaiye.
O solitário não se junta a um outro grupo:
morta a sua esposa, afasta-se e anda sozinho.

Namwelupa ntoko namwetta-mekha
onvalavela otexa muritti awe.
nari onnònelela oravo, nto onakhotta okawana.
O macaco velho é como o viajante solitário
que não consegue carregar a sua carga
ou que descobre o mel sem o querer partilhar.


2- Elupa ni namwelupa -
Aplicação e interpretação teológica da metáfora Elupa/Namwelupa

Também para o binómio elupa/namwelupa é possível tornar-se uma metáfora fecunda na biosofia e biosfera xirima. Sendo a solidão egoística e asocial, um comportamento deletério que contradiz aos princípios básicos da cultura xirima, não é de admirar se o animal solitário e egoístico encontre logo aplicações metafóricas quer no campo antropológico quer no teológico.
Os textos porém produzidos pelos pesquisadores oferecem sobretudo aplicações simbólicas a nível teológico. O xirima não se cansa em dizer e afirmar que a heresia das heresias, o paradoxo dos paradoxos seria afirmar que Deus assume minimamente o comportamento do animal solitário elupa/namwelupa. Estamos bem longe da concepção de um deus longiquus et absens dos filósofos, fora e longe da história humana e cósmica. Os textos reflectem uma teologia simples e robusta ao proclamar a sinergia, a simbiose de Deus com toda a sua extrinsecação no mundo e no mutthu. Deus namúlico matriarca e genearca vive e convive com o mundo e com o mutthu no início, no decurso e na projecção futura de toda a história.
Impressiona constatar que numa cultura rodeada de religiosidade islâmica, o forte monoteísmo exclusivo islâmico não conseguiu pôr em discussão nem minimamente reduzir a intensidade da teologia sinergética e solidária da biosofia e biosfera matriarcal xirima.
Contudo não podiam faltar uns textos que aplicam o paradigma do animal solitário não antitética e exclusivamente mas positivamente à teologia e à antropologia. São textos que não excluem as antíteses enunciadas mas completam-nas. Pois, se se chega a conceber um Deus elupa/namwetta mekhá, é porque Deus é único, é incomparável, é opaco à visibilidade categorial, é incomensurável, inesgotável, incircunscrivível na história, mas transcendental a toda ela. Portanto se a metáfora elupa/namwelupa é aplicada positivamente a Deus e à sua acção na história, é só para salientar a unicidade e incomparabilidade de Deus com as suas criaturas, sem porém algumas sombras de polémicas inspiradas pelo monoteísmo rígido, imóvel e exclusivo do Islão ou por uma teologia dialéctica que concebe Deus como o totalmente diferente, longe e afastado.
Não se põe por nada em questão a unicidade de Deus nem tão menos se quer aludir a um seu hipotético afastamento do mundo e do mutthu, mas salienta-se a unicidade intensa e fecunda das obras de Deus na vizinhança e proximidade dele na história. Deus é um e único, não porém no sentido de solitário e de afastado, mas no sentido de solidário, sinergético e partecipativo com a história cósmica e humana.
Em síntese, o monoteísmo matriarcal da biosofia e biosfera xirima recebe uma ulterior confirmação também à luz do paradigma em estudo. Muluku namúlico matriarcal põe a sua unicidade e incomparabilidade sempre ao serviço e em função genética e protectiva para com o mundo e sobretudo para com o mutthu, constantemente em simbiose e sinergia partecipativa com o mundo e sobretudo com o mutthu, excluindo categoricamente intenções de afastamento e desinteresse para com o mundo e sobretudo para com o mutthu.


Paradigma negativo

Muluku kahiyene namwelupa
niwoko ehuhu yothene ori ni hiyo,
onnètta ni atthu khwekwe, ti mahuwa atthu.
Deus não é um macaco solitário,
porque todo o momento está connosco,
anda com a gente sempre, é o seu criador.

Muluku kahiyene namwelupa
niwoko khanahiya sopatuxa sawe sihawaka,
khanthanlu nari khanùma murima.
Deus não é macaco solitário
porque não permite que sofram as suas criaturas,
nunca é parcial nem indiferente.

Elupa namwiya, Muluku nari vakhanene,
namwelupa onnìta, Muuku nari vakhanene
O macaco solitário é ladrão, Deus nunca,
o macaco solitário anda às escondidas, Deus nunca.

Elupa ti yele enetta mekhaya ni enatxa mekhaya
vahera Muluku onnètta ni an’awe ni onatxiha.
O macaco solitário é aquele
que anda sozinho e come sozinho,
enquanto Deus anda com os seus filhos e os alimenta.

Namwelupa namwelupa,
Muluku khanakhaleke elupa.
O macaco solitário será sempre tal,
nunca Deus será solitário.

Elupa khenawerya okhala enenero ya Muluku,
Muluku ni namwelupa khanawerya olikanana
elupa enlikana ni ikhalelo sa mutthu pahi.
Omuvaha nsina na elupa Muluku
ti etthu yottheka opwaha ikhomo.
O macaco solitário nunca pode ser
uma metáfora de Deus.
Deus e o macaco solitário não são comparáveis entre si,
o macaco solitário é só comparável com o mutthu:
dar o nome de macaco solitário a Deus
é uma ofensa imensa.

Muluku kahiyene namwelupa,
nto onalupa sawawe, vantxipalexa alipa òkhwa,
ntoko etxhetxi enalumpwa variyari mwila.
Deus não é macaco solitário,
anseia para as suas coisas, sobretudo os mortos,
como o rato caniço é tomado no alvo no meio do trilho.

Muluku kahiyene elupa,
mene ori maye Namuli
t’opatxenre oyara/opatttuxa sothesene.
Deus não é macaco solitário:
mas é a mãe/genearca Namuli
é ela que começou a gerar tudo.

Muluku kahiyene namwelupa
niwoko onaweha muloko awe wothene
yowo ahithanyaka.
Deus não é macaco solitário
porque controla todo o seu povo sem estranhar.

Muluku kahiyene namwelupa,
niwoko khanatthuna omwalana muloko awe,
t’apwiyamwen’ihu Namuli
onnikhuparela ntoko namukuttu..
Deus não é macaco solitário,
porque não quer separar-se do seu povo,
é a nossa matriarca namúlica
que nos choca como a galinha.

Muluku arí namwelupa,
itthu sothene sa elapo ya vathi ni sa wirimu
khasapattuxiwa.
Se Deus fosse macaco solitário,
as coisas da terra e do Céu
não teriam sido criadas.

Muluku arí namwelupa,
sano elapo emanlene.
Se Deus fosse um macaco solitário,
o mundo já teria acabado.

Muluku ari namwelupa
itthu sothene sakela wetta mekhaya,
sothesene iluparu.
Se Deus fosse macaco solitário,
todas as coisas iriam andar sozinhas,
tudo seria elupa só.

Muluku ari namwelupa, khanùnnuwa,
niwoko Muluku onnùnnuwa ni sopattuxiwa sawe
Deus se fosse macaco solitário, não iria crescer,
pois Deus cresce/vive com todas as suas criaturas.

Muluku kahiyene elupa/namwètta mekhá,
mene erimarima ni ephattuwelo ya itthu sothene.
empa/erukulu ya sothene sinakhala ni ikumi.
Deus não é elupa nem um errante sozinho,
pois é o núcleo central e a origem de tudo,
é a casa e o útero de todos os seres viventes.

Muluku kahiyene namulume a etthepo
enihawula enètta mekhaya.
Deus não é o grande elefante
que desviando anda sozinho.

Muluku kahiyene elupa
onnètta/minepa ni antxelo awe.
Deus não é elupa, anda com os espíritos

Namwelupa ori othene oyara khahelenle, ekhalelo yothene ya Muluku, pwiyamwene Namuli ti oyara ni watta oyara osilo olelo ni omalo mpaka ottai khalai.
A cada macaco solitário não importa gerar, pelo contrário todo o comportamento de Deus matriarca Namuli é gerar e gerar em abundância, ontem hoje e amanhã até ao futuro mais remoto.

Mamwene kahiyene elupa ya valaponi,
khanàsa wettaxa àhiyaka atthu awe ehawaxaka.
Tivanto Muluku ohinìtthaniwaiye namwelupa,
khanatthuna oramusa sopattuxa sawe.
Os chefes não são como o macaco solitário,
porque não andam de qualquer maneira
deixando o povo a sofrer.
Por isso Deus não é chamado namwelupa,
não quer desprezar as suas criaturas.


Paradigma positivo

Muluku namwelupa,
niwoko nohòneya nitho nnitho nari nohivara matata,
ikhalelo sawe khavo onasuwela.
khanàsa ophwanyasiwa akhalaru mutthu,
ori mwa epheyo, onnètta ohikhala ni inenero.
Deus é um solitário,
porque não se vê a olho nú
nem se pega nele com as mãos,
ninguém conhece o seu comportamento,
não procura ser encontrado por qualquer pessoa,
anda no vento,
porque não tem manchas, anda sem sinais.

Muluku ori namwelupa:
niwoko khanahima ni eyano,
mene ni mirirya ni inenero sawe.
sopanka sawe khavo onawerya.
Deus é um solitário:
porque não fala com a boca,
mas por meio das suas maravilhas ou sinais,
ninguém consegue fazer os seus actos.

Namwetta mekhá/elupa Mulukú pahi,
khavo mukina:
niwoko ti yowo pahi musukhuru a sothene.
Só Deus é único e nenhum outro,
porque só ele pode fazer pouco de tudo.

Muluku pahi ti elupa ni namwetta mekhá:
tani onlikanaiyeno?
Khanapankeliwa, onipanka mwanene,
khanòva etthu nari vakhanene,
khanaxutta, nto onaxuttiha sothesene.
Só Deus é único e uno,
na verdade quem lhe é parecido?
Ele não é feito, mas se faz a si mesmo,
não tem medo de nada,
não aprende nada, mas ensina tudo.

Vamutthuni khavo elupa/namwetta mekha
ahikhanle Muluku.
Khweli vamutthuni
wera okwanele omutthu awe
onakwaniheriwa ni mukhw’awe
asinama othene wothe annètta eli-eli.
Entre as pessoas não há ninguém
que seja único e uno,
a não ser exclusivamente Deus.
Na verdade para se completar a pessoa
precisa-se da complementariedade do seu próximo,
até todos os animais andam dois a dois.

Muluku onitthaniwa elupa
niwoko nikholo ntokwene n’atthu othene wa kula elapo
ni mwanene a itthu sothene.
Deus é chamado elupa
porque é o velho superlativo
de todas as pessoas de cada nação,
é o senhor de tudo.
Muluku ntoko mutokwene ori othene onakuxa ekhalelo ya elupa, niwoko nohòneyaxa vatthuni, mutokwene khanakilathiki vathi, onnòpehereriwa.
Deus é semelhante ao responsável que leva a forma de macaco solitário, por causa de não ser visto muitas vezes no meio das pessoas: o grande não se senta no chão, é visitado nas madrugadas.


3- Aplicação cristã

A metáfora elupa/namwelupa inserida no contexto cristão atinge o seu auge de intensidade metafórica. Os dois principais mistérios da fé cristã (unicidade e trindade de Deus, encarnação de Deus em Cristo Jesus), sem perder nada da sua misteriosidade e opacidade a uma compreensão racional, tornam-se porém mais credíveis e mais transparentes e simpatéticos, reduplicam a intensidade mística e emotiva que os dois mistérios provocam. Em lugar de afastar e provocar alergias, convidam o xirima a se inserir mais íntima e profundamente no mistério trinitário cristão.
O cristão xirima não parece compartilhar a indisposição, as reticências e os receios que o anunciador ocidental nutre quando se dispõe a anunciar e explicar o dogma da SS. Trindade. Os textos por ele produzidos testemunham abertamente isto, são por nada produtos de elocubrações filosóficas, mas metáforas convivenciais e paradigmas simbólicos que desvelam e ao mesmo tempo velam ainda mais o mistério, intensificando o desejo de maior contemplação e compreensão do mesmo.
A metáfora em estudo tanto na sua aplicação antitética e exclusiva como na sua aplicação inclusiva e superlativa, transposta no contexto da fé cristã, deixa a veste parabólica, torna-se evento, realidade de Deus uno e trino contemplado e visto no seu fluir expansivo. Se já na teologia da biosofia e biosfera xirima a metáfora elupa namwelupa, vista em relação a Deus namúlico, soava paradoxal e herética, a mesma enxertada no contexto cristão leva ao extremo a paradoxalidade, assurdidade, insensatez de tal comparação e aplicação metafórica, pois o Deus cristão é um Deus uno e ao mesmo tempo trinitário, incomparável e ao mesmo tempo comparável e partecipativo não só extrinsecamente mas também intrinsecamennte vivendo a sua unicidade na pluralidade e alteridade trinitária. Se Deus fosse o que a metáfora afirma candidamente, também cândida e consequentemente não se poderia falar minimamente do envio do seu Filho à história humana. Disso deriva por um lado a impossibilidade de desunião entre o Pai e o Filho na comunhão do Espírito Santo e por outro a compreensão do caminho histórico salvífico veterotestamentário (envio dos profetas) e neotestamentário (Jesus, João Baptista, Maria e a Igreja).

Nipuro nopatxera
Muluku ti namwelupa/namwetta mekha
niwoko ori Muluku mmosaru, khavo mukina,
Nto nipuro nanaveli,
Muluku kahiyene namwelupa,
niwoko ori Oraru Wottelaxa:
onnètta mwa asinene araru òttelaxa
Atithi ni Mwana ni Munepa Wottela.
Deus por um lado é elupa/namwetta mekha,
pois é uno e único, não há outro.
Por outro lado, Deus não é elupa/namwetta mekha,
pois é Trindade Santa,
convive com trés pessoas santas,
Pai, Filho e Espírito Santo.

Muluku arí namwelupa,
khanivaha Mwan’awe Yesu Kristu.
Se Deus fosse macaco solitário,
não nos dava o seu Filho Jesus Cristo.

Khuwavo wetta mekha/elupa/opili
wa Muluku ni Yesu,
niwoko otthuna wa Muluku ti otthuna wa mwaniye
ni otthuna wa mwana ti otthuna w’atith’awe
mwa murima mmosa wa Munepa Wottela.
Não há processo dividido/separado/solitário
entre Deus e Jesus,
pois a vontade de Deus é a vontade do seu Filho,
e a vontade do Filho é a vontade do seu Pai.

Muluku kahiyene namwelupa
niwoko mwan’awe Yesu Kristu àhima wera:
yowo onakèmerera miyo,
anawìwelele Atith’aka Muluku,
onrowa okhala ni miyo ni Atith’aka.
Deus não é macaco solitário,
porque o seu Filho Jesus Cristo afirmou:
aquele que acredita em mim,
acredita também em Deus, meu Pai,
viverá comigo e com o meu Pai.


Yesu

Namwelupa khantthuna wonana n’asikhw’awe.
Yesu Krisu khàthanya atthu,
annèttettaa ni ohuser’awe nihiku ti nihiku,
anàpenuxa aretta mwettani mwawe,
anatxa ni atthu othene, makamaka ni anamattheka.
O namwelupa não gosta de se avistar com os seus colegas,
Jesus Cristo pelo contrário não estranhava a ninguém,
ia com os seus discípulos cada dia,
curava os doentes nas suas andanças,
comia com todos, especialmente com os pecadores.

Yesu ti elupa/namwetta mekhá
niwoko na mirirya apankiyaiye.
Muluku khavo onlikanaiyeno,
ahikhanle Yesu Kristu pahi.
Jesus é elupa/namwetta mekha /único
pelas maravilhas que tinha feito.
Não há ninguém que se iguala com Deus
a não ser Jesus Cristo só.


Maria

Amaye Maria kahiyene namwelupa
niwoko annàkhavihera asimaye othene,
tivo asimaye othene anaroromelaxaya yawo.
A Mãe Maria não é animal solitário
porque ajuda todas as mães,
por isso todas elas confiam muito nela.


Os profetas

Muluku arí namwelupa,
khayàrumiha maprofeti
wera elalerye ikuru, owerya ni ovuwa wawe.
Se Deus fosse macaco solitário
não teria enviado os profetas
para anunciar as forças, a potência e o louvor Dele.


João Baptista
Mahiku òpatxera orwa wa mwana a mutthu
Yohani ari namwelupa,
niwoko ètta mekhaiye alaleyaka.
Nos primeiros dias da vinda do Filho do homem
João Baptista era macaco solitário
porque andava sozinho evangelizando.





Identidade e Carisma IMC

Identidade e Carisma IMC do missionário da Consolata
Reflexão /Provocação para o dia 05.07.2012 A.D.

Introdução

Este tempo é tempo de entrega de missões, de paróquias à Igreja Local. A entrega aos herdeiros legítimos é feita normalmente com satisfação mútua. No entanto, passado um tempinho, acontece de ouvir comentários como os seguintes: “Já não é a mesma coisa, já não é mesmo estilo e ritmo de evangelizar, de visitar as comunidades como éramos acostumados com os missionários e missionárias da Consolata”.

Nestes comentários, indirectamente ou não, anuncia-se e proclama-se a identidade e o carisma IMC: percebido e apreciado não teoricamente, mas na prática, como os Missionários e as Missionárias da Consolata o viveram e o transmitiram. Lembram-se os nomes deles e delas, a coragem e aventuras sofridas e, cosa digna de relevo, nestes momentos de memória retrospectiva nunca me aconteceu de ouvir falar dos limites dos IMC ou das MC. P. ex. quando cheguei no 1975 a Moçambique, ouvi falar do Pe Ferrero ou do Pe Filippi quase só ao negativo, enquanto que os cristãos só ao positivo, até se admiravam que as irmãs MC e os irmãos IMC sepultados em Mitúcue tivessem um sepulcro monumental, enquanto que o “nosso Superior jaz lá no chão esquecido”. O povo cristão olha menos aos defeitos individuais dos missionários e das missionárias da Consolata, percebe mais a aurea consolatina que os/as rodeia e transfigura: em outras palavras, percebe sobretudo a identidade e o carisma consolatino/allamaniano deles e delas.

Identidade

Acerca da Identidade, para a entender bem, parece-me emblemático o provérbio xirima que diz: khapa onnètta ni emp’awe, o cagado vai sempre com a própria casa, é si mesmo sempre, nunca se desliga da sua casa, do seu ser-assim. Se chover ou se rodeado duma queimada, encontra logo abrigo e defesa na sua casa. Em suma, a identidade consolatina deveria ser mais ou menos assim como a capa do cágado.

Carisma e suas atitudes constitutivas

Acerca do Carisma: o seu sentido etimológico é óbvio: deriva da palavra grega karis graça, portanto carisma significa um dom que vem de Deus, um dom vertical descendente e por nenhum motivo prestígio pessoal ascendente. Paulo nas suas cartas não se cansa de mencionar a graça, a sorte que lhe foi dada, que improvisa e insperadamente a Damasco o apanhou. Os Axirima afirmam o mesmo quando usam o passivo ovariwa: fui apanhado para o reino, para o sacerdócio, em suma para uma tarefa do alto, é como a fundação dos dois Istitutos para o B. J. Allamano: agarrado pela graça de Deus, pela doença, pela ordem do seu bispo, funda o IMC no 1901, dez anos mais tarde agarrado pela palavra do Papa Pio X, funda o MC.

O carisma mostra dois versantes, implica duas atitudes fondamentais: por um lado passividade receptiva e, por outro, dinamismo expansivo, carismático. Em primeiro lugar implica passividade receptiva, exige pôr-se em posição de escuta e de recepção do dom que improvisamente investe, inspira e, se bem recebido, transfigura: è o que experimentou cada um de nós ao brotar no seu coração a vocação missionária, mas praticamente é o que acontece ao levantarmo-nos cada dia, fieis no serviço e ardentes no louvor. O carisma é chamamento categórico, é sedução irresistível, diria o prof. Jeremias, nos torna discípulos de Jesus, nos faz religiosos.
Em segundo lugar o carisma implica e exige dinamismo expansivo, carismático: é o momento em que se assume conscientemente o duplo título de Missionário/Missionária da Consolata. Destes dois atributos primeiro a ser mencionado deveria sempre ser a Consolata, como em inglês se costuma dizer. Pois a Consolata é a mitente, é ela que envia enviados, missionários. Não só, mas a Consolata do verbo consolar/confortar indica a tarefa específica do enviado por Ela. Em síntese, é a Consolata que marca o ponto de partida, a pedra miliar da identidade e do carisma consolatino. Sem esquecer o Fundador evidentemente, mas também sem esquecer que ele junto o Camisassa quis desaparece atrás da Consolata, a mitente que nos consola e nos manda consolar com o kerigma do seu Filho Jesus.

De maneira que o missionário da Consolata, uma vez plenamente consolado, consola-se e consola de mão cheia, pôe-se a caminho e anuncia o kerigma, chegando em toda a parte como portador do virus da consolaçao de Deus.


Carisma e seus momentos sincrónicos concomitantes

È oportuno não esquecer dois factores históricos (as raízes) que caracterizam o início, a arke do carisma consolatino. Em primeiro lugar não devemps esquecer que o carisma consolatino tem historicamente como figuras paradigmáticas e arquétipas o B. J. Allamano por um lado e, por outro, o binómio o cônego Camisassa - Mons. F. Perlo: por um lado sobresae a espiritualidade constitutiva allamaniana e por outro o dinamismo expansivo carismático camisassiano/perliano: esta dualidade arquétipa inicial não devia ser esquecida hoje na vivência do carisma consolatino. A ven. Ir Irene Stefani como religiosa foi allamaniana 100%, mas como missionária foi perliana 100% e quantos IMC e MC poderíamos mencionar que olharam a estes modelos iniciais não como um dualismo exclusivo, como um dilema crónico inconciliável, mas como uma dualidade inclusiva e complementar, digna de ser imitada. Vi e ouvi IMC e MC que veneravam o Fundador e choravam a memória do Perlo.

Outro elemento histórico que não devemos esquecer, porque caracteriza o carisma consolatino desde o seu momento aural, é o facto que nascemos gémeos: somos missionários e missionárias da Consolata, somos uma dualidade doméstica/familiar com o mesmo denominador, com o mesmo espírito, com a mesma espiral e código genético, numa palavra filhos e filhas da mesma mãe e do mesmo pai, irmãos e irmãs da mesma família e do mesmo lar. Se a casuística desta dualidade revelou momentos cronológicos conflitivos antitéticos, isto porém nunca pús em questão o kairos consolatino, o carisma consolatino, na verdade os momentos de turbolência aprontaram momentos de exclarecimento e de crescimento recíproco, até chegarmos ao último capítolo do ano passado onde o IMC e MC coniam para o relacionamento das duas famílias consolatinas a palavra-chave Comunhão, palavra-chave que convida a ir além da sinergia operativa e da presença/contiguidade locativa.


O carisma hoje, hic et nunc

Como ser consolado e consolar hoje, hic et nunc? Como entender hoje o carisma consolatino? Como consolar activo, consolar-se reflexivo e ser consolado passivo neste tempo em que o último Capítolo nos convida a assumir a inversão de caminho dos dois discípulos de Emaus (regressar a Jerusalém), nos convida a deixar uma margem para passar à outra margem do mesmo lago? Como consolar, consolar-se e ser consolado neste tempo em que a Igreja universal convida ao diálogo todas as religiões (Assisi 2011), planifica Cortili dei Gentili/Pátios dos Gentios em toda a parte, em suma, nos convida a aceitar o desafio da continuidade na descontinuidade, a enfrentar a utopia fecunda da interculturalidade, a ir ao largo e navegar na alteridade teológica e cultural, na dualidade minúscula e maiúscula da história?


Uma parábola significativa

Nestes dias um dos pesquisadores do centro xirima entregou-me a seguinte parábola muito significativa para o nosso assunto: Um homem de nome Bila temia tanto a Deus que queria conhecer mais o Espírito Santo de Deus e fazê-lo conhecer ainda mais. Um dia indo a uma aldeia, parando à margem de um rio, encontrou lá uma carta que lhe dizia: “Bila, sou eu, Deus: se quiseres conhecer o meu Espírito Santo e fazê-lo conhecer mais, chega aqui amanhã, has-de ver a ele e a mim”. O dia seguinte, a tardinha, Bila encaminhou-se para o rio, mas no caminho encontrou um velho aleijado que o mandou parar, pedindo socorro para que o carregasse. Sem demora Bila desculpou-se dizendo que devia ir ao rio ver o Espírito Santo de Deus. Chegando ao rio, Bila lá ficou toda a tarde à espera mas foi em vão. Triste regressou a casa. Perto da porta encontrou outra carta que lhe notificava: “Bila, sou eu, Deus, tinha-te enviado o meu Espírito Santo, mas tu o despercebeste, pois tinhas pressa de chegar ao rio, assim não viste a ele nem a mim”.
Nesta parábola pode-se entrever onde e como hoje nós podemos consolar assim também onde e como podemos serem consolados e consolar-nos. O comportamento à la Bila entre nós missionários não é tão raro e desconhecido como podemos imaginar. Seguros do nosso mundo e mandato teológico, podemos condividir a certeza de que sabemos donde saímos e aonde vamos e assim corremos o risco de perder o comboio, de esquecer que o ponto de partida e de chegada de Deus, o Deus semper maior pode ser encontrado já no meio do caminho, antes ou além ou aquém dos esquemas e dogmas nossos: é parar e carregar Bila, todo o seu capital teológico.
Para não correr o risco de Bila, o nosso consolar deve ser ou tornar-se bipolar, bidimensional, bifronte, jánico: deve ser um dar e ao mesmo tempo um receber, deve ser um consolar activo que ao mesmo tempo implica um prévio ser consolato passivo, um consolar-se reflexivo. Em outras palavras, como evangelizadores ad Gentes, podemos e devemos semear o Kerigma, mas ao mesmo tempo ou previamente ceifar o pre-kerigma que encontramos já semeado e em estado de maturidade, assumir em cheio como ponto prévio de partida aquele caminho feito pela paciência de Deus e ao mesmo tempo pela ignorância antropológica, mas sempre caminho de Deus e portanto preparatio evangelica que acaba por nos evangelizar mais e nos consolar mais plenamente a nós mesmos.


Um exemplo concreto:
a proposta paradigmática do pátio gentílico macua xirima

Tomamos um exemplo concreto tirado da mundo-visão macua xirima, do pátio dos gentios macua xirima, com o qual o IMC e o MC começou a dialogar desde o 1926: toda a religiosidade e teologia macua xirima usa uma nomenclatura e semântica feminina, materna, matriarcal, lunar e nocturna. Se trata o teológico ao feminino, se reza a Deus num horizonte materno, não é devido a moda moderna e a agressividade e rivendicação do genro, mas a uma enucleação teológica e cultural amadurecida espontánea e linearmente na história deste pátio gentílico. Porque devia ser exclusivamente o paradigma bíblico, masculino, paterno, solar o único e o exaustivo para o teológico e o religioso? Com o tempo não terá esgotado todo o seu potencial inspirador e revelador, tornando-se teologia árida, pensamento filosófico agnóstico, débil, flúido, gregário? A crise religiosa e teológica que alastra a globalidade actual, não exigerá como pátio gentílico por antonomasia o assumir sério do outro paradigma antropológico complementar para uma recuperação ou um renovamento teológico, como o pátio gentílico macua xirima o sugere com extrema simplicidade e inocência disarmante e como a dualidade consolatina IMC e MC o pregoa?

Esta hipótese, este frontal interrogativo e desafio formulado pelo patio gentílico macua xirima já o mencionei uma vez na anterior Conf. Reg. e lembro ainda a forte e imediata reação emotiva e agressiva que provocou. Se hoje regresso a mencionar este assunto e repropô-lo, não é por ir contra, mas por ir alem. Convidado pelo Regional a fazer uma reflexão/provocação sobre a identidade e carisma IMC, nunca me apercebi tanto como nestes dias do seguinte: é a teologia cristã ao feminino do pátio gentílico xirima que me torna mais evidente e transparente a identidade e o carisma do missionário da Consolata. Na verdade, toda a nossa identidade consolatina, todo o nosso carisma consolatino o pai Fundador o formulou e o apresentou ao feminino, ao materno, à luz de Maria Consolata, é Ela a Fundadora e a mitente/mandante, é ela a sugerir a pedagogia e a metodologia da interculturalidade missionária. S. Lucas afirma por duas vezes que ela parcial e incoativamente entendia e não entendia o que lhe acontecia em redor, por isso fazia dançar /fermenar no seu coração toda a Alteridade maiúscola e minúscula que a rodeava até entendê-la e proclamá-la plenamente, resumindo tudo no poderoso e revolucionário Magnificat, onde ela consolada se consola a si mesma e consola todas as gerações que acabaram por proclamar a ela bem-adventurada.


Proposta aplicativa/resposta do pátio gentílico cristão
À luz deste nosso carisma consolatino ao feminino e materno que resposta deram os cristãos do pátio gentílico macua xirima? Que hospedagem ofereceram ao kerigma cristão apresentado pelos missionarios e missionárias da Consolata em horizonte consolatino mariano?
Aos cristãos xirima evangeizados pelos missionários e missionárias da Consolata è-lhes espontáneo rezar a Deus Consolata (Muluku òhakalala, Muluku ònihakalaliha, Muluku ohakalalihiwa wahu). Como avaliar esta profissão de fé, esta oração dos cristãos xirima? Será um fruto híbrido ou autêntico, será promiscuidade, sincretismo heterogéneo ou indício de uma síntese teológica mais madura onde o feminino/materno, o lunar /nocturno tem direito de citadania e de inspiração como o masculino/paterno, o solar/diurno? Não serão os cristãos xirima consolatinos como nós ou até mais do que nós? A fé deste pátio gentílico em Deus Consolata nos irrita ou nos consola? Contudo, em ambas as reacções, embora opostas, percebe-se que Consolata já não é só um título marginal mariano, um santuário geográfica e culturalmene localizado lá na Itália, lá no Piemone, lá na cidade de Turim: na expressão/oração gentílica Deus Consolata, o atributo Consolata muda dilatando o seu sentido, superando a sua significação regional. Mudando e dilatando o seu sentido, assume mais sentido, um novo sentido e de titúlo mariano local torna-se atributo teológico global que resume num único denominador toda a história da salvação vt e nt, anunciando-a como história de consolação de Deus Uno e Trino que consola activa, passiva e reflexivamente: por um lado, Deus consola o seu povo, por outro o povo é consolado, se consola e vai consolando. Este esboço, esta síntese histórico-salvífica que a evangelização dos missionários e missionárias da Consolata provocou no pátio gentílico dos macua xirima, parece-me digno de consideração. O carisma consolatino descorrega do nosso coração para assumir timbros e ritmos novos no coraçãos dos pátios gentílicos por nos evangelizados.
Se o pátio gentílico xirima à luz da evangelização consolatina, produziu esta extraordinaria síntese histórico salvífica até introduzir o título de Consolata no coração de Deus, se este patio deu hóspitalidade e continua dar maior hospitalidade ao carisma consolatino, agora por sua vez nós portadores do carisma cansolatino que hospitalidade oferecemos ao pátio gentílico macua xirima, ao seu mundo religioso, a sua teologia ao feminino e materno, ao lunar e nocturno? Continuaremos a oferecer uma hospitalidade difidente, reticente, condicionante? Continuaremos na nossa atitude dicotónica: mania em dar e alergia em receber, mania em falar e alergia em ouvir, mania em ensinar e alergia em aprender,?

O que é o carisma? Imangens significativas
Apesar de ser único e inconfundível e históricamente circumscrito, o carisma nunca é um espelho onde me autocontemplo narcisísticamente, nunca é entrar num vículo particularístico, num gueto sem saída e projecção. O carisma autêntico e vivido autenticamente é sempre uma alavanca de Aquímedes que consegue levantar o globo terrestre, é um raccordo anular aberto à todas as direcções, é subir uma altalena que incessantemente nos baloiça, lançando-nos do particular ao universal, do regional ao global, do teológico bem conhecido ao teológico ainda não bem conhecido, de Emaus rural a Jerusalém universal, da Consolata de Turim ao IMC e MC do mundo, da Maria Consolata matriarca a Deus Uno e Trino Consolata, matriarca e patriarca de consolação universal.
Amen aleluia!