segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A verdade e o coração da cegonha

Ekhaikhai ni murima wa Mutiki
ti ekhaikhai ni murima wa Muluku
A verdade e o coração da cegonha
é a verdade e o coração de Deus

Introdução
Sempre impressiona ouvir a ousadia deste aforismo da biosofia e biosfera xirima, bem balançado na composição e no seu conteúdo dogmático. Mas embora o axioma seja de compreensão transparente na tradução portuguesa, ao fim e ao cabo não se sabe o que o xirima pretende dizer falando da verdade e do coração da cegonha em comparação a Deus, sendo ambos os termos tão conhecidos e tão genéricos.
Durante a pesquisa por encontrar a chave explicativa mais exaustiva, lembrei-me de um pormenor numa das vezes em que participei numa iniciação masculina. O mestre tinha apanhado uma ave e mostrava-a com orgulho aos iniciandos e aos padrinhos gritando palavras naquela altura para mim incompreensíveis. Perguntei porém o nome daquela ave e disseram-me que se chamava Mutiki (variantes: natxiki, napipi, mphipi 3, naxekwa: cegonha parda). No fim da iniciação, quando se queima a palhota da iniciação, ouvi novamente pronunciar o nome de Mutiki. Era o mestre da iniciação junto com os iniciados do ano passado (amole) que ao queimar a palhota e ao se despedir dela, gritavam aos neoiniciados: Mutiki moro: Cegonha fogo, convidando-os a deixar aquela zona liminal sem hesitação e sem olhar para atrás por nenhum motivo. Ajudado por estes pormenores iniciais continuei a pesquisa acerca da cegonha Mutiki. Agora apresento uma breve síntese das composições que me entregaram os pesquisadores do Centro.

1- Descrição da Mutiki/Cegonha parda

1.1 Aspectos biológicos e habitat da cegonha

Para descobrir e entender a riqueza patente e latente do axioma em estudo é necessário conhecer primeiramente os aspectos biográficos da Mutiki. É uma ave da família das cegonhas pardas, com as típicas características das cegonhas: pescoço e pernas cumpridas e delgadas, um corpo leve e asas ricas de plumas compridas pardas. O seu habitat é a zona fluvial com lagoas. É uma ave silenciosa, tranquila, gosta da sua privacidade, humilde e pudica. Por isso é muito respeitada e normalmente não é caçada. È ave nocturna que passa nas aldeias em visita, enquanto que de dia passa horas e horas com cabeça reclinada sempre no mesmo lugar à espera de peixe, mas a biosofia e biosfera xirima interpretam que está a pensar e a reflectir imóbil e solene como um monte. Por ser ave nocturna pensa-se que se permuta às vezes em ave maléfica usada pelos feiticeiros para acções maléficas.

Mutiki mwapalame
orakama exiko ni metto siyenvene.
A cegonha é uma ave
de pescoço e de pernas compridas e finas.

Mutiki onnìttittimiha,
marankhu awe khanòneya,
ni khanòneya veli veli omokoni,
khanapanka itthu sawe vanlakani.
A cegonha respeita-se a si mesma,
os seus excrementos não são visíveis,
e não se vê muitas vezes nos arredores,
não realiza as suas coisas à vista.

Mutiki onnaviravira mmawani atthu ekonaka.
Othana onnètta mulusi àsaka ihopa.
A cegonha passa pelas aldeias
enquanto as pessoas estão a dormir,
de dia anda nos rios procurando peixe.

Murima ni ekhaikhai ya mutiki khavo onasuwela.
Ixiri sa mutiki khavo onasuwelaxa.
Makholo ahu ti yasuwenle miruku sa mutiki.
Murima ni ekhaikhai ya mutiki khenamala.
Ninguém conhece o coração e a verdade da cegonha.
Ninguém conhece completamente
os segredos/mistérios da cegonha,
os nossos antepassados os conheciam,
o coração e a verdade da cegonha não se esgotam.

Mutiki ti owiyeviha, owinanela, owisumaliha,
marankhu awe khanòneya vathi,
khanèttela miruku sa hukula (ohitthimakaxa),
khanatthimakiha murima.
A cegonha é humilde, abstinente/sóbria, pudica,
os seus excrementos não se vêem no chão,
não segue os conselhos do coelho (correr veloz),
não faz abanar o coração.

Mutiki mwapalame owùramiha muru awe,
niwoko na makeya orinaiye (olukhu).
A cegonha é uma ave que abaixa a sua cabeça
por causa da Makeya que tem (iniciação masculina).

Wamònaka mutiki,
onèra khanavara muteko (olukhu).
Ao observares a cegonha,
dizes que não trabalha (iniciação masculina).

Murima wa mutiki wophwaha mwako:
wupuwelaxa.
O coração da cegonha ultrapassa o monte:
pensa muito.

Mutiki t`otthuneyaxa niwoko na orera murima.
Mutiki kharino owali,
ti mwapalame onètta ni murettele
Mutiki khammaniwa ni asikhw`awe.
A cegonha é amável por ser bondosa,
não tem zanga, é pacífica,
nunca é batida pelas aves suas colegas.

Mutiki orikarika omwìva.
Custa matar a cegonha,

Vanihiku Mutiki mwapalame òkoha
onètta ohiyu musalani vamosá ni mukhwiri,
miteko sawe ti s’epiphi ni s’atthu òwuma murima .
Às vezes a cegonha é feiticeira
anda de noite nas lixeiras com o feiticeiro,
os seus trabalhos são de trevas e de gente má.



1.2 Mutiki ni yotxa awe
A comida da cegonha

Vários textos falam de como a cegonha toma a comida. Não recolhe qualquer comida, é ela mesmo que a procura e a escolhe exclusivamente no reino aquático, conforme Deus lha concede. Conforme a sua natureza calma, come sem pressa. Normalmente não se mata devido as componentes semânticas que lhe são próprias e que serão apresentadas nos próximos pontos.

Mutiki khanatxa yottotta,
khanàseriwa yotxa, koma onimwìsasera.
A cegonha não come coisas apanhadas,
não se lhe procura comida,
mas a procura ela mesma.

Mutiki khanamukhura rottomwa, ehopa ònaka.
A cegonha não come bicho malcheiroso,
vendo o peixe.

Mutiki onakhura itthu sa mmahini pahi.
A cegonha come só as coisas
que se encontram na água.

Mutiki khanakuviha otxa.
A cegonha não tem pressa em comer.

Yotxa ya mutiki ovahiwe ni Muluku (olukhu).
A comida da cegonha é-lhe dada por Deus
(na iniciação come-se o que se encontra no mato).

Mutiki khanìkhupanyera ntthiya nimosa,
avolowá mmahini onnòva nikhupa, ovekela onèra:
ananikhupa, muhikìntake mwetto,
kinàsa ottokwattiru.
A cegonha não se queixa numa única lagoa,
entrando na água tem medo do peixe-pente,
reza/implora assim dizendo:
peixe-pente, não me partes a perna,
procuro peixinhos só.

Womeserani wamphwanya mutiki,
wohimuveiha: oruha otapana.
Mutiki khanakhuriwa murima.
Na pesca se encontrares a cegonha,
não deves desprezá-la: traz azar.
O coração da cegonha não se come.
    1. Mutiki emp’awe
    2. Casa da cegonha
O que chama mais a atenção da biosofia e biosfera xirima quando fala da cegonha, é a sua casa. Os textos dos pesquisadores raramente falam de epuru/ninho, como é normal dizer quando se fala de aves, mas preferem falar mais frequentemente de empa, isto é, de casa: é um pormenor muito importante que atraiçoa a semântica metafórica que rodeia esta ave.
Em primeiro lugar afirma-se que a Mutiki pede ajuda para ter casa. Na verdade é ajudada por todas as aves. Elas sabem que a cegonha gosta de viver em zona fluvial e lagonal, é mesmo aí que a Mutiki recebe a sua casa, o seu ninho, pois toda a sua existência é aquática. Normalmente é-lhe construída a casa numa árvore suficientemente acima do nível da água do rio e isolada.
Agora o interessante da casa é que é construída na estação da seca, num só dia e precisamente numa só noite, ou seja, no tempo de Deus Namuli e dos seus intermediários, no tempo dos segredos e dos mistérios da vida. Nenhuma pessoa ousa afirmar ter acompanhado de dia a construção da casa da cegonha. Passando de dia, o xirima encontra-a sempre já bem concluída. È portanto uma casa nocturna, sagrada e namúlica.
Outro pormenor importante vem do facto de a biosofia e biosfera xirima afirmarem que são as aves, colegas da cegonha, que se prontificam a construir-lhe a casa com pauzinhos, com capim, rebocando-a como se fosse uma habitação da pessoa ou o alpendre do rei ou a campa dos grandes. Resulta uma casa forte e suficientemente robusta para ser defendida da ventania forte e com a porta a olhar o nascer do sol, resulta por fim uma casa semelhante ao cone da makeya ou à casa tradicional redonda (thokola: mini-namuli doméstico). A cegonha não a suja com os seus excrementos nem dentro nem no chão, cuida maternalmente da cria, ficando sempre perto dela, procurando farrapos da gente, de esteiras velhas ou do cemitério, de maneira que o seu habitat é ainda mais respeitado como lugar misterioso e sagrado, não só pelas aves que consideram a cegonha a matriarca delas, mas também por outros animais. A águia e as cobras evitam de passar por lá, não é o habitat do crocodilo, dos invejosos e dos malvados.

Mukikhavihere: èrale mutiki ahawelaka empa.
Ajudem-me: disse a cegonha precisando de casa.

Mutiki t`òwinanela otekeliwa wa emp`awe.
A cegonha é abstinente
para que lhe seja construída a casa.

Mutiki khanateka empa mekhaiye: onokhavihiwa.
A cegonha não constrói a casa sozinha: é ajudada.

Empa ya mutiki ennakhala mukhitte mulusi:
orirya murima (olukhu).
A casa da cegonha fica perto do rio
para arrefecer o coração (iniciação masculina).

Vavo enakhalaya’vo empa ya mutiki,
mahi khanaphiya’vo.
Ao nível onde está a casa da cegonha
a água não chega.

Empa ya mutiki khenatekiwa vorakamela moloko,
ennakhala mukhitte ntthiya,
ekumi awe ennètta ni mahi.
A casa da cegonha não se constrói distante do rio,
fica perto duma lagoa,
conduz uma existência aquática.

Emp’awe ennatekiwa
mmwirini mutokwene ohinaviraviriwa.
A casa da cegonha está numa árvore alta isolada.

Nipuro enapakiwaya empa ya mutiki
epheyo yowali khenavira.
Empa ya mutiki khenathamuliwa ni yupuru,
khenànyuliwa ni yupuru.
Onde se faz a casa da cegonha,
o vento forte não passa.
A casa da cegonha não é destruída
nem cortada pelo remoinho.

Epuru ya mutiki khenòneya entekiwaka (olukhu).
O ninho da cegonha não se vê quando se constrói.
(iniciaçãomasculina)

Mutiki khanapankeliwa empa eyita,
nto onapankeliwa elimwe.
À cegonha não se faz a casa no tempo chuvoso.
mas no verão (iniciação masculina).

Makholo annèra: mutiki khanateka empa mekhaiye, mene onotekeliwa
ohiyu, nihiku nimosa pahi, ni asipalame antxipale:
kula mwapalame onnaruha
mikuryo sokhapurini nari malalo nari nlaxi ni nlaxi
ophiyera omala empa ya mutiki,
ekulukutthaka/esirinkaka mpani tho wera ehirupe.
Os velhos afirmam:
a cegonha não constrói a casa sozinha,
mas é-lhe construída,
de noite, num só dia, por muitas aves,
cada ave traz pauzinhos recolhidos no cemitério
ou folhas ou pedaços de capim
até acabar de construir a casa
rebocando-a dentro também para que não pingue.

Empa ya mutiki khavo ophwanyale etekiwaka,
onapankiwa ohiyu ni exiri.
Asipalame antxipale annateka emp’ awe
wona wi mutiki ti pwiyamwen’aya.
Ninguém encontrou a cegonha a fazer casa,
constrói-se no segredo/mistério da noite.
Muitas aves constroem a sua casa
por ser a cegonha a matriarca delas.

Ipalame sothene sinamuweha mutiki
ntoko pwiyamwene ni mwen’aya.
Empa ya mutiki khenatekiwa
ipalame sihìwananne.
Wiwanana orwiye ni mutiki (olukhu).
Todas as aves reparam na cegonha
como matriarca e rainha delas.
A casa da cegonha não se constrói
sem o acordo entre as aves.
A concórdia veio com a cegonha.
(iniciação masculina)

Empa ya mutiki enattittimihiwa ntoko ya pwiyamwene.
A casa da cegonha respeita-se como a da matriarca.

Empa ya mutiki khenapankiwa othana
niwoko othana kheyawo exiri (olukhu).
A casa da cegonha não se constrói de dia
porque de dia não há segredos/mistérios.
(iniciação masculina)

Mwana a mutthu khanakona empa ya mutiki.
ti ntoko empa ya okhapurini: khenathelihiwa.
A criança da pessoa não dorme na casa da cegonha,
é como uma casa no cemitério, onde não se brinca.

Mutiki khanavavaxa ottai wa an’awe
khanatthuwala an’awe, onnàwehaweha an`awe.
khanakhulumuwa wàtxiha axan`awe,
Mutiki onnakuxa mattapwatta, ahòniwaka n’atthu,
Anamwane awe annakonela mattapwatta yale.
A cegonha não voa muito longe da sua cria,
não esquece os seus pintos, mas cuida deles,
não se cansa de os alimentar.
Sem ser vista, leva os farrapos das pessoas,
e os seus pintos usam-os para dormir.

Xaka khanalamula empa ya mutiki: onimòva.
A águia não manda na casa da cegonha: tem medo.

Nipuro etekiwaya empa ya mutiki
khenavira enowa: enimokhwa.
No lugar onde se constrói a casa da cegonha,
não passa a cobra: morre.

Mutiki khanavira ntthiya na ikonya,
khanémela ntthiya nowixa.
A cegonha não passa pela lagoa dos crocodilos,
não pára na lagoa funda.

Vari empa ya mutiki, khanaphiya ananrima.
Mutiki khanatthuna anamilili.
Onde está a casa da cegonha,
não chegam os invejosos.
A cegonha não quer os avarentos.

Empa ya mutiki khenaviriwa vakhiviru:
enottittimihiwa ntoko ekhapuri ya mamwene.~
Empa ya mutiki enasirikiwa
ntoko muttheko a mwene.
Da casa da cegonha não se passa perto:
respeita-se como as campas do rei.
A casa da cegonha é rebocada
como o alpendre do rei.

Empa ya mutiki enatthunyeliwa
ntoko yele ya mutthu.
A casa da cegonha cobre-se como a da pessoa.

Empa ya mutiki enatekiwa
mwa enenero ya makeya nari thokola,
niwoko na omwene orinaye
ti wa omuluku w’asipalame.
A casa da cegonha é construída
em sinal da makeya ou como a casa redonda,
pois o seu reino é sagrado para as aves.

Muluku erimarim’awe eri ntoko empa ya mutiki,
niwoko etthomela ya Muluku.
A essência de Deus é como a casa da cegonha,
porque é a fontanela de Deus.

Empa ya mutiki mulako
onaweha nnakhuma nsuwa (olukhu).
A porta da casa da cegonha olha
para onde sai o sol (iniciação masculina).


2- Semântica metafórica da cegonha

2.1 Mutiki pwiyamwene ni mwene
A cegonha metáfora da autoridade tradicional

O aforismo em questão fala da verdade e do coração da cegonha em relação a Deus. Mas isto pressupõe o prévio relacionamento da cegonha para com a biosofia e biosfera xirima na sua fenomenologia diária e cultural. Nos textos precedentes já se anteciparam alguns aspectos semânticos da cegonha. Ela é o ícone que patenteia a estrutura político-civil da vida xirima, é metáfora protótipa e típica da matriarca e do rei duma aldeia. Tudo o que se afirma acerca do coração e da verdade da cegonha, pode ser desvelado e aplicado à vida e ao comportamento da autoridade tradicional, em particular àquela da matriarca. É ela o coração e a verdade da aldeia, é a mãe que cuida e alimenta os seus habitantes, é a garante da harmonia e da paz entre o seu povo, por isso é-lhe construída a casa, é apoiada em tudo o que ela precisa pelo seu povo.

Ekhalelo ya mutiki
ti ya opwiyamwene ni ya omwene.
O comportamento da cegonha é o da matriarca e do rei.

Mutiki ori pwiyamwene a apalame othene
ni onnattittimiha yawo othene.
A cegonha é a matriarca de todas as aves
e ela respeita a todas.

Empa ya mutiki ennatekiwa ni apalame antxipale,
Empa ya pwiyamwene/mwene
ennatekiwa ni atthu antxipale.
A casa da cegonha é construída por muitas aves
A casa da matriarca e do rei
é construída com/por muitas pessoa.

Opwiyamwene wa mutiki ovahiwe ni Muluku.
Opwiyamwene wa mutiki wòphiya wirimu.
Opwiyamwene wa mutiki khonakhulaniwa.
O matriarcado da cegonha é um dom de Deus.
O matriarcado da cegonha chegou no Céu.
O matriarcado da cegonha não se discute.

Mutiki regulé: èttaka khanatthimaka ntoko hukula.
A cegonha é como o régule:
andando não corre como o coelho.


2.2 Mutiki moro olukhu
A cegonha metàfora da iniciação

Outro aspecto semântico importante da cegonha é algo que os pesquisadores esqueceram completamente. Questionados acerca da presença da Mutiki no começo da iniciação e na parte terminal, deram respostas evasivas e inconclusivas. Por isso não larguei a pista, sabendo instintivamente que de baixo estava a chocar/incubar algo de importante. Na verdade reflectindo intensamente sobre o que tinha visto na iniciação mencionada no começo, espontaneamente compreendi a motivação principal da presença da Mutiki na iniciação quer no momento inicial quer naquele final. Analisemos os vários momentos metafóricos da Mutiki durante a iniciação.

1- No momento inicial o mestre tendo nas mãos a Mutiki e mostrando-a aos iniciandos, comunica-lhes que estão entrando no reino fluvial e aquático da cegonha, ocupam o seu horizonte, praticamente eles se tornam por um lado a encarnação da Mutiki e por outro assumem a Mutiki como metáfora de todo o rito. De facto, também deste ponto de vista como se viu para com a autoridade tradicional, tudo o que se diz da Mutiki pode ser aplicado aos vários momentos da iniciação masculina. Esta, à diferença da feminina, inicia, desenvolve e acaba sempre em zona fluvial e aquática ou em zona húmida das baixas e charcos. Os iniciandos para renascer à maturidade, latente ou patentemente têm que regressar à água/líquido uterino, ao seio matriarcal da Mutiki, passar uns dias completamente despidos, sem tomar banho, pois estão no útero materno, deitado no chão a curar a ferida do prepúcio em posição semi-uterina. Além de regressar ao útero/lagoa materna, a água que flui e leva tudo para baixo até desaguar no mar é outra imagem metafórica para os iniciandos entregarem-se ao fluido da tradição que leva embora o passado, a infância e, ao mesmo tempo, dá energia para chegar à maturidade viril. Por isso, já a partir do momento inicial do rito da iniciação, eles tem que assumir o paradigma da Mutiki, ser tratados ou assumir o comportamento da Mutiki.
2- Como a cegonha, assim também os iniciandos recebem várias casas/cabanas que os padrinhos e os iniciados do ano passado (amole) lhes constroem. Todas estas cabanas como a da Mutiki, estão perto do rio, sempre na vertente alta e segura da corrente forte do rio e com a porta a olhar o nascer do sol. Como embriões no útero da Mutiki, os iniciandos não se distinguem no tratamento da matriarca Mutiki.

3- Tal como a cegonha recebe a casa no tempo da seca, assim os iniciandos entram no rito da iniciação no tempo da seca (Junho-Setembro) e não no tempo da chuva (Novembro- Março). No tempo da chuva o xirima deve pensar exclusivamente em produzir comida nas machambas, enquanto que durante o tempo da seca tem tempo para descansar dos trabalhos agrícolas, para rever o passado e reprogramá-lo, em suma, tal como a cegonha, tem tempo para reflectir e atingir o nível maduro da vida.

4- Tal como a cegonha é rodeada de segredos e mistérios nocturnos, também os iniciandos recebem os conselhos mais importantes e são-lhe comunicados os segredos e mistérios mais centrais na noite, no tempo de Deus Namuli e dos seus intermediários. Como a cegonha, de dia dedicam-se aos trabalhos artizanais, às ocupações antropológicas.

5- Tal como a cegonha passa o dia inteiro de cabeça reclinada com a makeya em cima da cabeça, assim toda a viagem da iniciação é caracterizada pela atitude dos iniciandos: todos constantemente de cabeça reclinada para baixo com a makeya na cabeça a ouvir e interiorizar os conselhos que lhes são administrados de noite e de dia. Parecem-se com a cegonha quando não está a fazer nada, a matar o tempo inutilmente, mas pelo contrário com o seu comportamento humilde, sóbrio, calmo como o da cegonha, firmes e sólidos como um monte, estão a semear toda a tradição no seus corações.

6- Tal como a cegonha come comida especial que lhe vem de Deus e dos espíritos, assim os iniciandos no mato comem e se alimentam do que o mato dá, isto é, Deus namúlico e os espíritos fornecem-lhes durante toda a viagem: pelo menos era assim que acontecia nas iniciações do tempo passado, quando os iniciandos passavam meses e meses no mato vivendo do que a caça/Deus lhes forneciam.

7- Tal como o lugar e o horizonte do habitat da cegonha é sagrado, é temido, é respeitado e não é frequentado por animais maus e por gente perversa, também o lugar da iniciação é considerado lugar sagrado, namúlico, temido e não pode ser frequentado ou perturbado por pessoas alheias.

Praticamente todo o rito da iniciação recalca todo o horizonte semântico da Mutiki. Merece por fim uma reflexão o momento final da iniciação onde o mestre com os iniciados do ano passado (amolle) gritam aos neo-iniciados:
Mutiki, moro!!!
Cegonha, fogo!!!!!

Quando questionados acerca deste grito, os pesquisadores mostraram-se completamente desprevenidos e não conseguiram responder. Mas tendo presentes as analogias até agora enumeradas entre o mundo da Mutiki e a iniciação masculina, o grito torna-se compreensível. Os iniciados deixam de vez a cabana da iniciação, o lugar da incubação uterina na zona fluvial e aquática da Mutiki. Já renasceram ou estão renascendo à maturidade viril, por isso devem deixar de vez o horizonte semântico uterino da Mutiki, por isso o mestre com os iniciados do ano passado queima a casa que foi o andaime provisório dos neoiniciados. Se no começo da iniciação convidava-os a olhar a Mutiki, a imitar e identificar-se com ela, agora pelo contrário convida-os a não mais voltar atrás olhando aquela casa mutíquica, mas ir em frente e assim enfrentar a maturidade a que foram promovidos onde a Mutiki verdadeira será a autoridade tradicional, isto é, em modo particular a matriarca da aldeia que junto com o rei guia a história e os acontecimentos do povo.
Em síntese, queimando o mestre por um lado a cabana da iniciação, da maternidade liminal e, por outro, confirmando com resposta firme os iniciados tal gesto, enquanto se afastam de lá sem saudade alguma, o mestre como os neo-iniciados despedem-se definitivamente do mundo da Mutiki metafórica para se reinserir no horizonte da matriarca, plena personificação da Mutiki na vida da aldeia.
Um texto aplica o horizonte semântico metafórico da Mutiki também ao Mirusi, rito terapêutico que celebra um renovado renascimento do doente na medida que regressa ao utero materno do jibóia e de lá sai revigorado e renovado.

Namuku ni amole annakhuwela vohisa nvera:
Mutiki moro. W. Ohohoh.
O mestre da iniciação com os iniciados do ano passado
gritam: cegonha, fogo!
Respondem os neo-iniciados: Sim, sim, sim!!

Empa ya mutiki enlikana ni yele ya Muluku:
khenaìseliwa moro.
Na casa da cegonha é como aquela de Deus:
não se lhe acende o fogo.

Empa ya mutiki khenahisiwa: ti mwikho.
Mutthu ahisá empa ya mutiki, ohisale impa sawe.
A casa da cegonha não se queima: é tabu.
Se alguém queimar a casa da cegonha,
queimou as suas próprias casas.

Mutiki ti pwiyamwene asipalame othene,
empa ya pwiyamwene khenapahiwa: oruha evasi.
A cegonha é a matriarca de todas as aves:
a casa da matriarca não se queima: traz cegueira.

Mutiki namuku onalaka ipalame sothene.
Namulu a onverani onnálaka alukhu othene.
A cegonha é a mestra que educa/inicia todas as aves.
O mestre da iniciação educa todos os iniciandos.

Mutiki khanavavaxa nari khanatthuna wattamana.
khanatthuwala, onnàwehaweha an`awe.
A cegonha não voa muito, não gosta de vizinhança,
não esquece os seus pintos, mas cuida deles.

Mutiki mwila wa mirusi: olipiha mukwaha.
A cegonha é o rabo do Mirusi:
fortifica a viagem/cura.

Mukwaha wa mutiki khonakuxiwa poso,
Para a viagem da cegonha (da iniciação masculina)
não se leva a ração.

Empa ya mutiki enòpiha,
mwanene athamiyene wothe.
A casa da cegonha mete medo
tendo-a a dona já abandonada.


2.3 mutiki ni Muluku
murima ni ekhaikhai ya Muluku
A cegonha coração e verdade de Deus.
Uma terceira dimensão da semântica metafórica da Mutiki é teológica. Com riqueza de textos e de conteúdo é sem dúvida a dimensão mais rica e mais pregnante de sentido. È simplesmente um enigma inexplicável a rica produção de textos que os pesquisadores apresentaram falando do relacionamento da cegonha para com Deus. Praticamente é como ter nas mãos um manual da teologia da biosofia e biosfera xirima.

Em primeiro lugar, é típico desta cultura privilegiar os pequenos (a pequenez) como modelos e paradigmas de inspiração. Os sábios xirima não são o leão, o elefante, o hipopótamo, o rinoceronte, o crocodilo, mas os três sábios xirima insuperáveis entre os animais são o coelho, o cágado e o camaleão. Não é de admirar que no estudo do aforismo em questão a cegonha resulte como um outro fecundo arquétipo teológico e antropológico. Também entre a família das aves a biosofia e biosfera xirima não escolheram aves de grande porte ou de exímia beleza, mas a cegonha que provoca muitas vezes o sorriso irónico dos informadores quando começam a falar dela mencionando as pernas e o pescoço comprido excessivamente delgados. A pequenez, a fraqueza, a impotência, a brutidão/fealdade é o horizonte preferencial do teológico que melhor expressa a alteridade incomensurável de Deus.

Em segundo lugar, a cegonha é uma ave nocturna, vive no tempo e silêncio nocturno, recebe e celebra os segredos e os mistérios nocturnos e lunares de Deus namúlico e dos seus intermediários, cresce e recebe alimentação de Deus e dos espíritos, portanto conhece e transmite em transparência o coração, a verdade, os dogmas nocturnos e lunares de Deus, tornando-se assim o depósito e ao mesmo tempo o espelho directo da essência transcendental.

Em terceiro lugar, a biosofia e biosfera assumindo a cegonha como metáfora teológica, aplica todo o âmbito semântico dela à sua religiosidade e teologia. O Deus namúlico matriarcal aceita em cheio a matriarcalidade da cegonha. Como a cegonha é reconhecida como matriarca por todas as aves, assim Deus é o centro matriarcal de vida e de atenção cósmica e antropológica. Como a cegonha não deixa o seu habitat por favorecer e alimentar a sua cria, assim Deus, matriarca namúlica, cuida de tudo e de todos. Assim Deus é solidal, sinergético, aceita ser ajudado, aceita a cooperação transcendental (espíritos, cosmos) e categorial (mutthu/pessoa), é fundamento de harmonia e de paz.

Em quarto lugar, viu-se que o matriarcado da cegonha se realiza em zona fluvial e aquática. Significativamente a chuva não tem só o termo próprio e específico de epula em xirima, mas dispõe de outros termos como Muluku mutthulo: Deus que cai. A teologia xirima entrando no horizonte fluvial e aquático da cegonha ganha portanto dois atributos, torna-se fluvial e aquática. Deus é por um lado água que garante a vida, a humidade, a serenidade, assim o horizonte de Deus é benéfico, positivo, agradável e de penumbra, de frescura nocturna e lunar e, por outro lado, Deus é rio que leva tudo purificando e amadurecendo a desaguar no mar da maturidade antropológica.

Viu-se também que, por ser o habitat da cegonha fluvial e aquático, é por isso metaforicamente zona liminal por excelência para as iniciações masculinas. Ao útero materno da cegonha os iniciandos regressam para renascer à maturidade viril. Assim também deste ponto de vista a cegonha é paradigma epifánico do Deus namúlico: matriarca e genearca que gera, educa e leva a maturidade tudo e todos.
Por fim, não podia ser diferente nem podia mancar, resulta também neste contexto que, como a cegonha é mater dolorosa, assim o comportamento de Deus na história cósmica e antropológica é opuheriwa, é ser gozado, é mater dolorosa universal, nunca numa posição de privilégio, mas sempre por um lado de escondimento, de humildade, de paucidade e, por outro, de serviço, de imolação.

Sothene onavaraiye mutiki
onolamuliwa ni Muluku ni tho ni minepa sawe.
Tudo o que faz a cegonha
é mandada por Deus e pelos seus espíritos.

Vamutikini, Muluku ohiya ekhaikhai awe,
ekumi yothene ya Muluku eri vamutikini.
Na cegonha Deus deixou a sua verdade,
toda a vida de Deus está nela.

Mutiki oyenve ikatha sawe,
nto ekhalelo awe ti ya Muluku.
A cegonha é delgada de pernas,
mas a sua constituição é de Deus.

Osuwela murima wa mutiki
ti osuwela ekhaikhai ya Muluku.
Conhecer o coração da cegonha
é saber a verdade de Deus.

Mutiki empa awe onateka nihiku nimosá:
Muluku onampattuxa mutthu nihiku nimosá
ni onamwìtthana tho nihiku nimosá.
A cegonha constrói a sua casa num só dia:
Deus cria a pessoa num só dia
e chama-lhe também num só dia.

Ekhaikhai ennarwela osulú pahi,
Ekhaikhai ya mutiki enolikana ni yele ya Muluku,
niwoko mutiki empa awe ennakhala osulú
khweli mutiki onnakilathi musuluru.
A verdade vem do alto só:
a verdade da cegonha é como a de Deus,
porque a sua casa está lá no alto,
sim, a cegonha reside só no alto,

Mutiki murima wa Muluku:
niwoko onalamuliwa ni Muluku mwa sothesene,
emp`awe khanateka mekhaiye ntoko Muluku,
empa awe ti ya ixiri /mikho ntoko ya Muluku.
khanalokotthiwa ntoko Muluku
khanapanka itthu sawe vanlakani ntoko Muluku.
A cegonha é o coração de Deus
pois é mandada por Deus em tudo,
não constrói a casa sozinha como Deus,
a sua casa é de segredos/tabus como a de Deus,
não se pode enganar como Deus
não faz nada à vista como Deus.

Makholo annèra: mutiki muhinvehe
niwoko ti ekhaikhai ya Muluku.
vakhwiye mutiki,
yòmora`vo ekhaikhai ya Muluku.
Os antepassados afirmam: não abuses da cegonha,
porque é a verdade de Deus.
onde ela morreu, lá caiu a verdade de Deus.

Wammaná mutiki, ommanne Muluku.
Se bates na cegonha, bates em Deus.

Sothene sinùlummwa sa mutiki, siri sa Muluku.
Mutiki ti mwapalame onùpuxera sa Muluku.
Tudo o que se diz da cegonha, é fala de Deus.
A cegonha é a ave que faz lembrar o teológico.

Mutiki nitho na Muluku:
vanwehaiye Muluku, mutiki ori vavo.
A cegonha é o olho de Deus:
onde repara Deus, lá está a cegonha.

Mutiki wisumaliha ntoko Muluku:
orovahiwa ni Muluku.
A cegonha é pudica como Deus:
é uma atitude recebida por Deus.

Muluku khanakhulumuwa onalamulaiye mutiki.
Winla wa mutiki Muluku wakuva wiwa.
Deus não se cansa por aquilo que manda a cegonha,
escuta logo o choro dela.

Namwi mutiki oroyevaru, Muluku onvaha omwene
niwoko na murim’awe worera.
Embora a cegonha seja delgada,
Deus lhe deu a chefia por ter um bom coração.

Mutiki Muluku:
khanakhulumuwa wàtxiha axan`awe.
A cegonha é como Deus:
não se cansa de alimentar os seus pintainhos.

Mutiki Muluku: khanàseriwa yotxa.
A cegonha é como Deus:
não se lhe procura comida.

Mutiki kaporo a Muluku,
niwoko àhàkhulela ohawa,
ti murumeyi a Muluku, ti nlaika na Muluku.
A cegonha é escrava de Deus,
porque aceitou de sofrer,
é a serva e a mensageira de Deus.

Mutiki onapuheriwa
ntoko onerihiwaiye Muluku.
A cegonha é gozada, como acontece com Deus.

Empa ya mutiki ni ya Muluku khenaìseliwa moro.
Não se acende fogo
na casa da cegonha e naquela de Deus.

Apwiya yàkilela wera:
mutiki ti erimarima ya Muluku:
Muluku erimarim’awe eri ntoko empa ya mutiki,
niwoko etthomela ya Muluku.
O avô disse- me que a cegonha é a essência de Deus,
que é como a casa da cegonha,
porque é a fontanela de Deus.

Mutiki onnavaha exariya yothene ya Muluku.
A cegonha dá toda a justiça de Deus.

Mutiki namalaka a ikano sa Muluku.
A cegonha é a educadora
que dá os conselhos de Deus.

Omuluku mutiki onophwanya nipuro norera.
Em Deus a cegonha há-de encontrar um bom lugar.

Murima wa mutiki onlikana ni yole wa Muluku: olevelela.
O coração da cegonha é como o de Deus: perdoa.

Mutiki Mulukú: kharino nthalu.
A cegonha é como o Deus: não tem preferências.

Mutiki onnùnnuwa ni malaika a Muluku.
A cegonha cresce com os anjos de Deus.


3 Mutiki ni ekristu
A cegonha e a fé cristã

Entrando no âmbito cristão, o axioma em estudo, encontra logo calorosa recepção. A semântica metafórica da cegonha assume espontaneamente vestes cristológicas, mariológicas e eclesiológicas.


3.1 Mutiki ni Yesu - A cegonha e Jesus
Em primeiro lugar, salienta-se a continuidade relacional entre a cegonha e Deus em Jesus. A polaridade do aforismo torna-se uma tríade inseparável constituindo uma única história em Jesus.

Mutiki, Muluku ni Yesu ari murima mmosa.
Mutiki, Muluku ni Yesu ti makholo a velaponi.
A cegonha, Deus e Jesus são do mesmo coração.
A cegonha, Deus e Jesus são os grandes do mundo.

Ekaikhai ya Yesu eri vamitikini ni vamulukuni.
Yesu onnatthariha sa Muluku ni sa mutiki.
A verdade de Jesus está na cegonha e em Deus,
Jesus segue a teologia da cegonha.

Mutiki t’owìsumaliha, òttittimiha, a mirirya,
ntoko Muluku ni Yesu.
A cegonha é pudica, respeitosa, milagrosa
como Deus e Jesus.

Mutiki onnakhaviheriwa sopanaka sawe ni ipalame
Muluku ànakhaviheriwa khalai ni minepa
nto vanano vava vantxiplalexa ni Mwan’awe Yesu,
nomalá Yesu onnakhaviheriwa ni ohuser’awe.
A cegonha é ajudada nos seus trabalhos pelas aves,
Deus era antigamente ajudado pelos espíritos,
mas agora é ajudado especialmente pelo seu Filho Jesus,
por fim, Jesus é ajudado pelos seus discípulos..


Em segundo lugar, os textos dos pesquisadores enfrentam a identidade entre a semântica da cegonha e a vida de Jesus. Como o reino da cegonha, assim o reino de Jesus não acaba; como a cegonha, assim Jesus sozinho no Jetzemani foi socorrido pelo Pai do céu; como a cegonha, também Jesus reza, implora com todo o respeito e humildade; como a cegonha, também Jesus é paciente e se imola. A identificação é tal que permite a alusão à Eucaristia. O cristão xirima chega por fim a fazê-lo tanto xirima, de maneira que é também Jesus que louva a Mutiki por seguir os seus mandamentos, por ser a sua apóstola.

Ekhaikhai ya mutiki enlikana ni yele ya Yesu,
Omwene wa mutiki onlikana ni ole wa Yesu,
niwoko khenamala.
A verdade da cegonha é como a de Jesus,
O reino da cegonha é como o de Jesus.
porque nunca acaba.

Mutiki khanatthuna wattamana
èttaka ni ikuru sa Muluku,
ntoko Yesu avariwaiye mekhaiye
èttihiwaka ni ikuru sa Muluku.
A cegonha não precisa da vizinhança,
andando com a força de Deus:
é como Jesus que foi pegue sozinho
mas guiado pela força de Deus.

Yesu Kristu ti mutiki: onnavolowa ni wova mmahini.
avekaka nlevelelo wa nikhupa.
Tthiri Yesu arene elapo ya vathi anavekela ntoko mutiki.
Jesus é como a cegonha,
entra na água com medo/respeito
pedindo perdão ao peixe-pente,
Jesus quando estava na terra orava como a cegonha.

Yesu Kristu okuxale enenero ya mutiki,
niwoko nopixa murima.
t’ovilela mahoxo ni orwenle murettele.
Jesus Cristo assumiu o paradigma da cegonha,
por ser ela bondosa. paciente: veio para paz.

Omukhura mutiki, wakhurale Apwiya Yesu.
Erutthu ya mutiki enlikana ni yele ya Yesu: khenùntta.
Ao comeres a cegonha, comeste o Senhor Jesus.
O corpo da cegonha é como o de Jesus: não apodrece.

Mukwaha wa mutiki khonakuxiwa poso,
onlikana ni yole wa Yesu: poso ti yowo mwanene.
Para a viagem da cegonha não se leva a ração,
é como a de Jesus: a ração é ele mesmo.

Yesu onnamutthapela mutiki
niwoko notthara malamulo awe.
Mutiki murummwa a sothene sa Yesu.
Jesus louva a cegonha
por ela seguir os seus mandamentos.
é a mensageira de todas as coisas de Jesus.

3.2 Mutiki ni Maria -- A cegonha e Maria

Como a cegonha, assim Maria é a verdade de Deus gerando o Filho de Deus, Jesus. Tal como a cegonha, também Maria é matriarca respeitada e celebrada por todas as mães. Maria é Mutiki sobretudo no momento da anunciação, quando aceita o anúncio de Gabriel em submissão silenciosa e obediente.

Mutiki ori ntoko Maria amay`awe Yesu.
Ekhaikhai ya mutiki ti ya Maria amay`awe Yesu.
A cegonha é como Maria, a mãe de Jesus.
A verdade da cegonha é a de Maria, mãe de Jesus.

Opwiyamwene wa Maria onlikana ni yole wa mutiki
Maria ti pwiyamwene a athiyana othene
othene aya annavuwiha ni annattittimiha.
O matriarcado de Maria é como o da cegonha.
Maria é a matriarca de todas as mulheres,
todas as louvam e a respeitam.

Mutiki àhàkhulela ovara muteko wa Muluku
ntoko Maria pwiyamwene.
Ehuhu yele munepa wa Muluku wùlumaya ni Maria, Maria oromala ùrammene ntoko mutiki.
A cegonha aceitou de fazer a tarefa de Deus
como Maria matriarca.
Na altura em que o anjo de Deus falava com ela
ficou calada e de cabo reclinado como a cegonha.



3.3 Mutiki ni ekereja
A cegonha e a casa da igreja

Os textos salientam sobretudo a analogia entre a casa da cegonha e a construção da igreja, abençoada, construída com a cooperação de todos os cristãos da comunidade, orientada no caminho do sol e fortificada pelo dízimo.

Empa ya mutiki khevirikanne ni yele ya ekereja,
niwoko eri yorelihiwa ni mahala a Muluku.
A casa da cegonha não difere daquela da igreja,
porque é abençoada pela graça de Deus.

Empa ya mutiki eri ntoko altari,
niwoko akristu annarukurera ni anakhala eriyariru.
A casa da cegonha é como o altar,
os cristãos em redor, a altar no meio.

Empa ya mutiki mulako
onaweha nnakhuma nsuwa ntoko ekereja.
A porta da casa da cegonha
olha para onde sai o sol como a igreja.

Empa ya mutiki ennatekiwa ni asipalame antxipale,
ekereja tho ennatekiwa ni akristu othene
enalipihiwa ni edizimu aya.
A casa da cegonha é construída por muitas aves,
a igreja também é construída por todos os cristãos,
é fortificada pelo dízimo deles.


Avaliação

O mundo metafórico e simbólico, se por um lado apresenta aspectos visíveis e tangíveis, limitados e parciais, por outro urge a alargar o horizonte visual completando, insinuando o latente transcendental no patente categorial. È o que se constatou ao analisar o axioma da Mutiki: devagar e pacientemente desvendou toda a sua riqueza rencóndita a nível biológico, etnográfico, etnológico, antropológico e teológico.
Como cada metáfora que seja tal, assim a Mutiki consegue visualizar toda a biosofia e biosfera xirima, a sua religiosidade e teologia namúlica matriarcal, nocturna e lunar, a sua antropologia e sua estrutura social de marca e proeminência matriarcal.
A autenticidade inocente e transparente do capital semântico da Mutiki explica a sua entrada quase trionfal e exuberante no horizonte da fé cristã.



Ekhaikhai ni murima wa Mutiki
ti ekhaikhai ni murima wa Muluku
A verdade e o coração da cegonha
é a verdade e o coração de Deus

Introdução
Sempre impressiona ouvir a ousadia deste aforismo da biosofia e biosfera xirima, bem balançado na composição e no seu conteúdo dogmático. Mas embora o axioma seja de compreensão transparente na tradução portuguesa, ao fim e ao cabo não se sabe o que o xirima pretende dizer falando da verdade e do coração da cegonha em comparação a Deus, sendo ambos os termos tão conhecidos e tão genéricos.
Durante a pesquisa por encontrar a chave explicativa mais exaustiva, lembrei-me de um pormenor numa das vezes em que participei numa iniciação masculina. O mestre tinha apanhado uma ave e mostrava-a com orgulho aos iniciandos e aos padrinhos gritando palavras naquela altura para mim incompreensíveis. Perguntei porém o nome daquela ave e disseram-me que se chamava Mutiki (variantes: natxiki, napipi, mphipi 3, naxekwa: cegonha parda). No fim da iniciação, quando se queima a palhota da iniciação, ouvi novamente pronunciar o nome de Mutiki. Era o mestre da iniciação junto com os iniciados do ano passado (amole) que ao queimar a palhota e ao se despedir dela, gritavam aos neoiniciados: Mutiki moro: Cegonha fogo, convidando-os a deixar aquela zona liminal sem hesitação e sem olhar para atrás por nenhum motivo. Ajudado por estes pormenores iniciais continuei a pesquisa acerca da cegonha Mutiki. Agora apresento uma breve síntese das composições que me entregaram os pesquisadores do Centro.

1- Descrição da Mutiki/Cegonha parda

1.1 Aspectos biológicos e habitat da cegonha

Para descobrir e entender a riqueza patente e latente do axioma em estudo é necessário conhecer primeiramente os aspectos biográficos da Mutiki. É uma ave da família das cegonhas pardas, com as típicas características das cegonhas: pescoço e pernas cumpridas e delgadas, um corpo leve e asas ricas de plumas compridas pardas. O seu habitat é a zona fluvial com lagoas. É uma ave silenciosa, tranquila, gosta da sua privacidade, humilde e pudica. Por isso é muito respeitada e normalmente não é caçada. È ave nocturna que passa nas aldeias em visita, enquanto que de dia passa horas e horas com cabeça reclinada sempre no mesmo lugar à espera de peixe, mas a biosofia e biosfera xirima interpretam que está a pensar e a reflectir imóbil e solene como um monte. Por ser ave nocturna pensa-se que se permuta às vezes em ave maléfica usada pelos feiticeiros para acções maléficas.

Mutiki mwapalame
orakama exiko ni metto siyenvene.
A cegonha é uma ave
de pescoço e de pernas compridas e finas.

Mutiki onnìttittimiha,
marankhu awe khanòneya,
ni khanòneya veli veli omokoni,
khanapanka itthu sawe vanlakani.
A cegonha respeita-se a si mesma,
os seus excrementos não são visíveis,
e não se vê muitas vezes nos arredores,
não realiza as suas coisas à vista.

Mutiki onnaviravira mmawani atthu ekonaka.
Othana onnètta mulusi àsaka ihopa.
A cegonha passa pelas aldeias
enquanto as pessoas estão a dormir,
de dia anda nos rios procurando peixe.

Murima ni ekhaikhai ya mutiki khavo onasuwela.
Ixiri sa mutiki khavo onasuwelaxa.
Makholo ahu ti yasuwenle miruku sa mutiki.
Murima ni ekhaikhai ya mutiki khenamala.
Ninguém conhece o coração e a verdade da cegonha.
Ninguém conhece completamente
os segredos/mistérios da cegonha,
os nossos antepassados os conheciam,
o coração e a verdade da cegonha não se esgotam.

Mutiki ti owiyeviha, owinanela, owisumaliha,
marankhu awe khanòneya vathi,
khanèttela miruku sa hukula (ohitthimakaxa),
khanatthimakiha murima.
A cegonha é humilde, abstinente/sóbria, pudica,
os seus excrementos não se vêem no chão,
não segue os conselhos do coelho (correr veloz),
não faz abanar o coração.

Mutiki mwapalame owùramiha muru awe,
niwoko na makeya orinaiye (olukhu).
A cegonha é uma ave que abaixa a sua cabeça
por causa da Makeya que tem (iniciação masculina).

Wamònaka mutiki,
onèra khanavara muteko (olukhu).
Ao observares a cegonha,
dizes que não trabalha (iniciação masculina).

Murima wa mutiki wophwaha mwako:
wupuwelaxa.
O coração da cegonha ultrapassa o monte:
pensa muito.

Mutiki t`otthuneyaxa niwoko na orera murima.
Mutiki kharino owali,
ti mwapalame onètta ni murettele
Mutiki khammaniwa ni asikhw`awe.
A cegonha é amável por ser bondosa,
não tem zanga, é pacífica,
nunca é batida pelas aves suas colegas.

Mutiki orikarika omwìva.
Custa matar a cegonha,

Vanihiku Mutiki mwapalame òkoha
onètta ohiyu musalani vamosá ni mukhwiri,
miteko sawe ti s’epiphi ni s’atthu òwuma murima .
Às vezes a cegonha é feiticeira
anda de noite nas lixeiras com o feiticeiro,
os seus trabalhos são de trevas e de gente má.



1.2 Mutiki ni yotxa awe
A comida da cegonha

Vários textos falam de como a cegonha toma a comida. Não recolhe qualquer comida, é ela mesmo que a procura e a escolhe exclusivamente no reino aquático, conforme Deus lha concede. Conforme a sua natureza calma, come sem pressa. Normalmente não se mata devido as componentes semânticas que lhe são próprias e que serão apresentadas nos próximos pontos.

Mutiki khanatxa yottotta,
khanàseriwa yotxa, koma onimwìsasera.
A cegonha não come coisas apanhadas,
não se lhe procura comida,
mas a procura ela mesma.

Mutiki khanamukhura rottomwa, ehopa ònaka.
A cegonha não come bicho malcheiroso,
vendo o peixe.

Mutiki onakhura itthu sa mmahini pahi.
A cegonha come só as coisas
que se encontram na água.

Mutiki khanakuviha otxa.
A cegonha não tem pressa em comer.

Yotxa ya mutiki ovahiwe ni Muluku (olukhu).
A comida da cegonha é-lhe dada por Deus
(na iniciação come-se o que se encontra no mato).

Mutiki khanìkhupanyera ntthiya nimosa,
avolowá mmahini onnòva nikhupa, ovekela onèra:
ananikhupa, muhikìntake mwetto,
kinàsa ottokwattiru.
A cegonha não se queixa numa única lagoa,
entrando na água tem medo do peixe-pente,
reza/implora assim dizendo:
peixe-pente, não me partes a perna,
procuro peixinhos só.

Womeserani wamphwanya mutiki,
wohimuveiha: oruha otapana.
Mutiki khanakhuriwa murima.
Na pesca se encontrares a cegonha,
não deves desprezá-la: traz azar.
O coração da cegonha não se come.
    1. Mutiki emp’awe
    2. Casa da cegonha
O que chama mais a atenção da biosofia e biosfera xirima quando fala da cegonha, é a sua casa. Os textos dos pesquisadores raramente falam de epuru/ninho, como é normal dizer quando se fala de aves, mas preferem falar mais frequentemente de empa, isto é, de casa: é um pormenor muito importante que atraiçoa a semântica metafórica que rodeia esta ave.
Em primeiro lugar afirma-se que a Mutiki pede ajuda para ter casa. Na verdade é ajudada por todas as aves. Elas sabem que a cegonha gosta de viver em zona fluvial e lagonal, é mesmo aí que a Mutiki recebe a sua casa, o seu ninho, pois toda a sua existência é aquática. Normalmente é-lhe construída a casa numa árvore suficientemente acima do nível da água do rio e isolada.
Agora o interessante da casa é que é construída na estação da seca, num só dia e precisamente numa só noite, ou seja, no tempo de Deus Namuli e dos seus intermediários, no tempo dos segredos e dos mistérios da vida. Nenhuma pessoa ousa afirmar ter acompanhado de dia a construção da casa da cegonha. Passando de dia, o xirima encontra-a sempre já bem concluída. È portanto uma casa nocturna, sagrada e namúlica.
Outro pormenor importante vem do facto de a biosofia e biosfera xirima afirmarem que são as aves, colegas da cegonha, que se prontificam a construir-lhe a casa com pauzinhos, com capim, rebocando-a como se fosse uma habitação da pessoa ou o alpendre do rei ou a campa dos grandes. Resulta uma casa forte e suficientemente robusta para ser defendida da ventania forte e com a porta a olhar o nascer do sol, resulta por fim uma casa semelhante ao cone da makeya ou à casa tradicional redonda (thokola: mini-namuli doméstico). A cegonha não a suja com os seus excrementos nem dentro nem no chão, cuida maternalmente da cria, ficando sempre perto dela, procurando farrapos da gente, de esteiras velhas ou do cemitério, de maneira que o seu habitat é ainda mais respeitado como lugar misterioso e sagrado, não só pelas aves que consideram a cegonha a matriarca delas, mas também por outros animais. A águia e as cobras evitam de passar por lá, não é o habitat do crocodilo, dos invejosos e dos malvados.

Mukikhavihere: èrale mutiki ahawelaka empa.
Ajudem-me: disse a cegonha precisando de casa.

Mutiki t`òwinanela otekeliwa wa emp`awe.
A cegonha é abstinente
para que lhe seja construída a casa.

Mutiki khanateka empa mekhaiye: onokhavihiwa.
A cegonha não constrói a casa sozinha: é ajudada.

Empa ya mutiki ennakhala mukhitte mulusi:
orirya murima (olukhu).
A casa da cegonha fica perto do rio
para arrefecer o coração (iniciação masculina).

Vavo enakhalaya’vo empa ya mutiki,
mahi khanaphiya’vo.
Ao nível onde está a casa da cegonha
a água não chega.

Empa ya mutiki khenatekiwa vorakamela moloko,
ennakhala mukhitte ntthiya,
ekumi awe ennètta ni mahi.
A casa da cegonha não se constrói distante do rio,
fica perto duma lagoa,
conduz uma existência aquática.

Emp’awe ennatekiwa
mmwirini mutokwene ohinaviraviriwa.
A casa da cegonha está numa árvore alta isolada.

Nipuro enapakiwaya empa ya mutiki
epheyo yowali khenavira.
Empa ya mutiki khenathamuliwa ni yupuru,
khenànyuliwa ni yupuru.
Onde se faz a casa da cegonha,
o vento forte não passa.
A casa da cegonha não é destruída
nem cortada pelo remoinho.

Epuru ya mutiki khenòneya entekiwaka (olukhu).
O ninho da cegonha não se vê quando se constrói.
(iniciaçãomasculina)

Mutiki khanapankeliwa empa eyita,
nto onapankeliwa elimwe.
À cegonha não se faz a casa no tempo chuvoso.
mas no verão (iniciação masculina).

Makholo annèra: mutiki khanateka empa mekhaiye, mene onotekeliwa
ohiyu, nihiku nimosa pahi, ni asipalame antxipale:
kula mwapalame onnaruha
mikuryo sokhapurini nari malalo nari nlaxi ni nlaxi
ophiyera omala empa ya mutiki,
ekulukutthaka/esirinkaka mpani tho wera ehirupe.
Os velhos afirmam:
a cegonha não constrói a casa sozinha,
mas é-lhe construída,
de noite, num só dia, por muitas aves,
cada ave traz pauzinhos recolhidos no cemitério
ou folhas ou pedaços de capim
até acabar de construir a casa
rebocando-a dentro também para que não pingue.

Empa ya mutiki khavo ophwanyale etekiwaka,
onapankiwa ohiyu ni exiri.
Asipalame antxipale annateka emp’ awe
wona wi mutiki ti pwiyamwen’aya.
Ninguém encontrou a cegonha a fazer casa,
constrói-se no segredo/mistério da noite.
Muitas aves constroem a sua casa
por ser a cegonha a matriarca delas.

Ipalame sothene sinamuweha mutiki
ntoko pwiyamwene ni mwen’aya.
Empa ya mutiki khenatekiwa
ipalame sihìwananne.
Wiwanana orwiye ni mutiki (olukhu).
Todas as aves reparam na cegonha
como matriarca e rainha delas.
A casa da cegonha não se constrói
sem o acordo entre as aves.
A concórdia veio com a cegonha.
(iniciação masculina)

Empa ya mutiki enattittimihiwa ntoko ya pwiyamwene.
A casa da cegonha respeita-se como a da matriarca.

Empa ya mutiki khenapankiwa othana
niwoko othana kheyawo exiri (olukhu).
A casa da cegonha não se constrói de dia
porque de dia não há segredos/mistérios.
(iniciação masculina)

Mwana a mutthu khanakona empa ya mutiki.
ti ntoko empa ya okhapurini: khenathelihiwa.
A criança da pessoa não dorme na casa da cegonha,
é como uma casa no cemitério, onde não se brinca.

Mutiki khanavavaxa ottai wa an’awe
khanatthuwala an’awe, onnàwehaweha an`awe.
khanakhulumuwa wàtxiha axan`awe,
Mutiki onnakuxa mattapwatta, ahòniwaka n’atthu,
Anamwane awe annakonela mattapwatta yale.
A cegonha não voa muito longe da sua cria,
não esquece os seus pintos, mas cuida deles,
não se cansa de os alimentar.
Sem ser vista, leva os farrapos das pessoas,
e os seus pintos usam-os para dormir.

Xaka khanalamula empa ya mutiki: onimòva.
A águia não manda na casa da cegonha: tem medo.

Nipuro etekiwaya empa ya mutiki
khenavira enowa: enimokhwa.
No lugar onde se constrói a casa da cegonha,
não passa a cobra: morre.

Mutiki khanavira ntthiya na ikonya,
khanémela ntthiya nowixa.
A cegonha não passa pela lagoa dos crocodilos,
não pára na lagoa funda.

Vari empa ya mutiki, khanaphiya ananrima.
Mutiki khanatthuna anamilili.
Onde está a casa da cegonha,
não chegam os invejosos.
A cegonha não quer os avarentos.

Empa ya mutiki khenaviriwa vakhiviru:
enottittimihiwa ntoko ekhapuri ya mamwene.~
Empa ya mutiki enasirikiwa
ntoko muttheko a mwene.
Da casa da cegonha não se passa perto:
respeita-se como as campas do rei.
A casa da cegonha é rebocada
como o alpendre do rei.

Empa ya mutiki enatthunyeliwa
ntoko yele ya mutthu.
A casa da cegonha cobre-se como a da pessoa.

Empa ya mutiki enatekiwa
mwa enenero ya makeya nari thokola,
niwoko na omwene orinaye
ti wa omuluku w’asipalame.
A casa da cegonha é construída
em sinal da makeya ou como a casa redonda,
pois o seu reino é sagrado para as aves.

Muluku erimarim’awe eri ntoko empa ya mutiki,
niwoko etthomela ya Muluku.
A essência de Deus é como a casa da cegonha,
porque é a fontanela de Deus.

Empa ya mutiki mulako
onaweha nnakhuma nsuwa (olukhu).
A porta da casa da cegonha olha
para onde sai o sol (iniciação masculina).


2- Semântica metafórica da cegonha

2.1 Mutiki pwiyamwene ni mwene
A cegonha metáfora da autoridade tradicional

O aforismo em questão fala da verdade e do coração da cegonha em relação a Deus. Mas isto pressupõe o prévio relacionamento da cegonha para com a biosofia e biosfera xirima na sua fenomenologia diária e cultural. Nos textos precedentes já se anteciparam alguns aspectos semânticos da cegonha. Ela é o ícone que patenteia a estrutura político-civil da vida xirima, é metáfora protótipa e típica da matriarca e do rei duma aldeia. Tudo o que se afirma acerca do coração e da verdade da cegonha, pode ser desvelado e aplicado à vida e ao comportamento da autoridade tradicional, em particular àquela da matriarca. É ela o coração e a verdade da aldeia, é a mãe que cuida e alimenta os seus habitantes, é a garante da harmonia e da paz entre o seu povo, por isso é-lhe construída a casa, é apoiada em tudo o que ela precisa pelo seu povo.

Ekhalelo ya mutiki
ti ya opwiyamwene ni ya omwene.
O comportamento da cegonha é o da matriarca e do rei.

Mutiki ori pwiyamwene a apalame othene
ni onnattittimiha yawo othene.
A cegonha é a matriarca de todas as aves
e ela respeita a todas.

Empa ya mutiki ennatekiwa ni apalame antxipale,
Empa ya pwiyamwene/mwene
ennatekiwa ni atthu antxipale.
A casa da cegonha é construída por muitas aves
A casa da matriarca e do rei
é construída com/por muitas pessoa.

Opwiyamwene wa mutiki ovahiwe ni Muluku.
Opwiyamwene wa mutiki wòphiya wirimu.
Opwiyamwene wa mutiki khonakhulaniwa.
O matriarcado da cegonha é um dom de Deus.
O matriarcado da cegonha chegou no Céu.
O matriarcado da cegonha não se discute.

Mutiki regulé: èttaka khanatthimaka ntoko hukula.
A cegonha é como o régule:
andando não corre como o coelho.


2.2 Mutiki moro olukhu
A cegonha metàfora da iniciação

Outro aspecto semântico importante da cegonha é algo que os pesquisadores esqueceram completamente. Questionados acerca da presença da Mutiki no começo da iniciação e na parte terminal, deram respostas evasivas e inconclusivas. Por isso não larguei a pista, sabendo instintivamente que de baixo estava a chocar/incubar algo de importante. Na verdade reflectindo intensamente sobre o que tinha visto na iniciação mencionada no começo, espontaneamente compreendi a motivação principal da presença da Mutiki na iniciação quer no momento inicial quer naquele final. Analisemos os vários momentos metafóricos da Mutiki durante a iniciação.

1- No momento inicial o mestre tendo nas mãos a Mutiki e mostrando-a aos iniciandos, comunica-lhes que estão entrando no reino fluvial e aquático da cegonha, ocupam o seu horizonte, praticamente eles se tornam por um lado a encarnação da Mutiki e por outro assumem a Mutiki como metáfora de todo o rito. De facto, também deste ponto de vista como se viu para com a autoridade tradicional, tudo o que se diz da Mutiki pode ser aplicado aos vários momentos da iniciação masculina. Esta, à diferença da feminina, inicia, desenvolve e acaba sempre em zona fluvial e aquática ou em zona húmida das baixas e charcos. Os iniciandos para renascer à maturidade, latente ou patentemente têm que regressar à água/líquido uterino, ao seio matriarcal da Mutiki, passar uns dias completamente despidos, sem tomar banho, pois estão no útero materno, deitado no chão a curar a ferida do prepúcio em posição semi-uterina. Além de regressar ao útero/lagoa materna, a água que flui e leva tudo para baixo até desaguar no mar é outra imagem metafórica para os iniciandos entregarem-se ao fluido da tradição que leva embora o passado, a infância e, ao mesmo tempo, dá energia para chegar à maturidade viril. Por isso, já a partir do momento inicial do rito da iniciação, eles tem que assumir o paradigma da Mutiki, ser tratados ou assumir o comportamento da Mutiki.
2- Como a cegonha, assim também os iniciandos recebem várias casas/cabanas que os padrinhos e os iniciados do ano passado (amole) lhes constroem. Todas estas cabanas como a da Mutiki, estão perto do rio, sempre na vertente alta e segura da corrente forte do rio e com a porta a olhar o nascer do sol. Como embriões no útero da Mutiki, os iniciandos não se distinguem no tratamento da matriarca Mutiki.

3- Tal como a cegonha recebe a casa no tempo da seca, assim os iniciandos entram no rito da iniciação no tempo da seca (Junho-Setembro) e não no tempo da chuva (Novembro- Março). No tempo da chuva o xirima deve pensar exclusivamente em produzir comida nas machambas, enquanto que durante o tempo da seca tem tempo para descansar dos trabalhos agrícolas, para rever o passado e reprogramá-lo, em suma, tal como a cegonha, tem tempo para reflectir e atingir o nível maduro da vida.

4- Tal como a cegonha é rodeada de segredos e mistérios nocturnos, também os iniciandos recebem os conselhos mais importantes e são-lhe comunicados os segredos e mistérios mais centrais na noite, no tempo de Deus Namuli e dos seus intermediários. Como a cegonha, de dia dedicam-se aos trabalhos artizanais, às ocupações antropológicas.

5- Tal como a cegonha passa o dia inteiro de cabeça reclinada com a makeya em cima da cabeça, assim toda a viagem da iniciação é caracterizada pela atitude dos iniciandos: todos constantemente de cabeça reclinada para baixo com a makeya na cabeça a ouvir e interiorizar os conselhos que lhes são administrados de noite e de dia. Parecem-se com a cegonha quando não está a fazer nada, a matar o tempo inutilmente, mas pelo contrário com o seu comportamento humilde, sóbrio, calmo como o da cegonha, firmes e sólidos como um monte, estão a semear toda a tradição no seus corações.

6- Tal como a cegonha come comida especial que lhe vem de Deus e dos espíritos, assim os iniciandos no mato comem e se alimentam do que o mato dá, isto é, Deus namúlico e os espíritos fornecem-lhes durante toda a viagem: pelo menos era assim que acontecia nas iniciações do tempo passado, quando os iniciandos passavam meses e meses no mato vivendo do que a caça/Deus lhes forneciam.

7- Tal como o lugar e o horizonte do habitat da cegonha é sagrado, é temido, é respeitado e não é frequentado por animais maus e por gente perversa, também o lugar da iniciação é considerado lugar sagrado, namúlico, temido e não pode ser frequentado ou perturbado por pessoas alheias.

Praticamente todo o rito da iniciação recalca todo o horizonte semântico da Mutiki. Merece por fim uma reflexão o momento final da iniciação onde o mestre com os iniciados do ano passado (amolle) gritam aos neo-iniciados:
Mutiki, moro!!!
Cegonha, fogo!!!!!

Quando questionados acerca deste grito, os pesquisadores mostraram-se completamente desprevenidos e não conseguiram responder. Mas tendo presentes as analogias até agora enumeradas entre o mundo da Mutiki e a iniciação masculina, o grito torna-se compreensível. Os iniciados deixam de vez a cabana da iniciação, o lugar da incubação uterina na zona fluvial e aquática da Mutiki. Já renasceram ou estão renascendo à maturidade viril, por isso devem deixar de vez o horizonte semântico uterino da Mutiki, por isso o mestre com os iniciados do ano passado queima a casa que foi o andaime provisório dos neoiniciados. Se no começo da iniciação convidava-os a olhar a Mutiki, a imitar e identificar-se com ela, agora pelo contrário convida-os a não mais voltar atrás olhando aquela casa mutíquica, mas ir em frente e assim enfrentar a maturidade a que foram promovidos onde a Mutiki verdadeira será a autoridade tradicional, isto é, em modo particular a matriarca da aldeia que junto com o rei guia a história e os acontecimentos do povo.
Em síntese, queimando o mestre por um lado a cabana da iniciação, da maternidade liminal e, por outro, confirmando com resposta firme os iniciados tal gesto, enquanto se afastam de lá sem saudade alguma, o mestre como os neo-iniciados despedem-se definitivamente do mundo da Mutiki metafórica para se reinserir no horizonte da matriarca, plena personificação da Mutiki na vida da aldeia.
Um texto aplica o horizonte semântico metafórico da Mutiki também ao Mirusi, rito terapêutico que celebra um renovado renascimento do doente na medida que regressa ao utero materno do jibóia e de lá sai revigorado e renovado.

Namuku ni amole annakhuwela vohisa nvera:
Mutiki moro. W. Ohohoh.
O mestre da iniciação com os iniciados do ano passado
gritam: cegonha, fogo!
Respondem os neo-iniciados: Sim, sim, sim!!

Empa ya mutiki enlikana ni yele ya Muluku:
khenaìseliwa moro.
Na casa da cegonha é como aquela de Deus:
não se lhe acende o fogo.

Empa ya mutiki khenahisiwa: ti mwikho.
Mutthu ahisá empa ya mutiki, ohisale impa sawe.
A casa da cegonha não se queima: é tabu.
Se alguém queimar a casa da cegonha,
queimou as suas próprias casas.

Mutiki ti pwiyamwene asipalame othene,
empa ya pwiyamwene khenapahiwa: oruha evasi.
A cegonha é a matriarca de todas as aves:
a casa da matriarca não se queima: traz cegueira.

Mutiki namuku onalaka ipalame sothene.
Namulu a onverani onnálaka alukhu othene.
A cegonha é a mestra que educa/inicia todas as aves.
O mestre da iniciação educa todos os iniciandos.

Mutiki khanavavaxa nari khanatthuna wattamana.
khanatthuwala, onnàwehaweha an`awe.
A cegonha não voa muito, não gosta de vizinhança,
não esquece os seus pintos, mas cuida deles.

Mutiki mwila wa mirusi: olipiha mukwaha.
A cegonha é o rabo do Mirusi:
fortifica a viagem/cura.

Mukwaha wa mutiki khonakuxiwa poso,
Para a viagem da cegonha (da iniciação masculina)
não se leva a ração.

Empa ya mutiki enòpiha,
mwanene athamiyene wothe.
A casa da cegonha mete medo
tendo-a a dona já abandonada.


2.3 mutiki ni Muluku
murima ni ekhaikhai ya Muluku
A cegonha coração e verdade de Deus.
Uma terceira dimensão da semântica metafórica da Mutiki é teológica. Com riqueza de textos e de conteúdo é sem dúvida a dimensão mais rica e mais pregnante de sentido. È simplesmente um enigma inexplicável a rica produção de textos que os pesquisadores apresentaram falando do relacionamento da cegonha para com Deus. Praticamente é como ter nas mãos um manual da teologia da biosofia e biosfera xirima.

Em primeiro lugar, é típico desta cultura privilegiar os pequenos (a pequenez) como modelos e paradigmas de inspiração. Os sábios xirima não são o leão, o elefante, o hipopótamo, o rinoceronte, o crocodilo, mas os três sábios xirima insuperáveis entre os animais são o coelho, o cágado e o camaleão. Não é de admirar que no estudo do aforismo em questão a cegonha resulte como um outro fecundo arquétipo teológico e antropológico. Também entre a família das aves a biosofia e biosfera xirima não escolheram aves de grande porte ou de exímia beleza, mas a cegonha que provoca muitas vezes o sorriso irónico dos informadores quando começam a falar dela mencionando as pernas e o pescoço comprido excessivamente delgados. A pequenez, a fraqueza, a impotência, a brutidão/fealdade é o horizonte preferencial do teológico que melhor expressa a alteridade incomensurável de Deus.

Em segundo lugar, a cegonha é uma ave nocturna, vive no tempo e silêncio nocturno, recebe e celebra os segredos e os mistérios nocturnos e lunares de Deus namúlico e dos seus intermediários, cresce e recebe alimentação de Deus e dos espíritos, portanto conhece e transmite em transparência o coração, a verdade, os dogmas nocturnos e lunares de Deus, tornando-se assim o depósito e ao mesmo tempo o espelho directo da essência transcendental.

Em terceiro lugar, a biosofia e biosfera assumindo a cegonha como metáfora teológica, aplica todo o âmbito semântico dela à sua religiosidade e teologia. O Deus namúlico matriarcal aceita em cheio a matriarcalidade da cegonha. Como a cegonha é reconhecida como matriarca por todas as aves, assim Deus é o centro matriarcal de vida e de atenção cósmica e antropológica. Como a cegonha não deixa o seu habitat por favorecer e alimentar a sua cria, assim Deus, matriarca namúlica, cuida de tudo e de todos. Assim Deus é solidal, sinergético, aceita ser ajudado, aceita a cooperação transcendental (espíritos, cosmos) e categorial (mutthu/pessoa), é fundamento de harmonia e de paz.

Em quarto lugar, viu-se que o matriarcado da cegonha se realiza em zona fluvial e aquática. Significativamente a chuva não tem só o termo próprio e específico de epula em xirima, mas dispõe de outros termos como Muluku mutthulo: Deus que cai. A teologia xirima entrando no horizonte fluvial e aquático da cegonha ganha portanto dois atributos, torna-se fluvial e aquática. Deus é por um lado água que garante a vida, a humidade, a serenidade, assim o horizonte de Deus é benéfico, positivo, agradável e de penumbra, de frescura nocturna e lunar e, por outro lado, Deus é rio que leva tudo purificando e amadurecendo a desaguar no mar da maturidade antropológica.

Viu-se também que, por ser o habitat da cegonha fluvial e aquático, é por isso metaforicamente zona liminal por excelência para as iniciações masculinas. Ao útero materno da cegonha os iniciandos regressam para renascer à maturidade viril. Assim também deste ponto de vista a cegonha é paradigma epifánico do Deus namúlico: matriarca e genearca que gera, educa e leva a maturidade tudo e todos.
Por fim, não podia ser diferente nem podia mancar, resulta também neste contexto que, como a cegonha é mater dolorosa, assim o comportamento de Deus na história cósmica e antropológica é opuheriwa, é ser gozado, é mater dolorosa universal, nunca numa posição de privilégio, mas sempre por um lado de escondimento, de humildade, de paucidade e, por outro, de serviço, de imolação.

Sothene onavaraiye mutiki
onolamuliwa ni Muluku ni tho ni minepa sawe.
Tudo o que faz a cegonha
é mandada por Deus e pelos seus espíritos.

Vamutikini, Muluku ohiya ekhaikhai awe,
ekumi yothene ya Muluku eri vamutikini.
Na cegonha Deus deixou a sua verdade,
toda a vida de Deus está nela.

Mutiki oyenve ikatha sawe,
nto ekhalelo awe ti ya Muluku.
A cegonha é delgada de pernas,
mas a sua constituição é de Deus.

Osuwela murima wa mutiki
ti osuwela ekhaikhai ya Muluku.
Conhecer o coração da cegonha
é saber a verdade de Deus.

Mutiki empa awe onateka nihiku nimosá:
Muluku onampattuxa mutthu nihiku nimosá
ni onamwìtthana tho nihiku nimosá.
A cegonha constrói a sua casa num só dia:
Deus cria a pessoa num só dia
e chama-lhe também num só dia.

Ekhaikhai ennarwela osulú pahi,
Ekhaikhai ya mutiki enolikana ni yele ya Muluku,
niwoko mutiki empa awe ennakhala osulú
khweli mutiki onnakilathi musuluru.
A verdade vem do alto só:
a verdade da cegonha é como a de Deus,
porque a sua casa está lá no alto,
sim, a cegonha reside só no alto,

Mutiki murima wa Muluku:
niwoko onalamuliwa ni Muluku mwa sothesene,
emp`awe khanateka mekhaiye ntoko Muluku,
empa awe ti ya ixiri /mikho ntoko ya Muluku.
khanalokotthiwa ntoko Muluku
khanapanka itthu sawe vanlakani ntoko Muluku.
A cegonha é o coração de Deus
pois é mandada por Deus em tudo,
não constrói a casa sozinha como Deus,
a sua casa é de segredos/tabus como a de Deus,
não se pode enganar como Deus
não faz nada à vista como Deus.

Makholo annèra: mutiki muhinvehe
niwoko ti ekhaikhai ya Muluku.
vakhwiye mutiki,
yòmora`vo ekhaikhai ya Muluku.
Os antepassados afirmam: não abuses da cegonha,
porque é a verdade de Deus.
onde ela morreu, lá caiu a verdade de Deus.

Wammaná mutiki, ommanne Muluku.
Se bates na cegonha, bates em Deus.

Sothene sinùlummwa sa mutiki, siri sa Muluku.
Mutiki ti mwapalame onùpuxera sa Muluku.
Tudo o que se diz da cegonha, é fala de Deus.
A cegonha é a ave que faz lembrar o teológico.

Mutiki nitho na Muluku:
vanwehaiye Muluku, mutiki ori vavo.
A cegonha é o olho de Deus:
onde repara Deus, lá está a cegonha.

Mutiki wisumaliha ntoko Muluku:
orovahiwa ni Muluku.
A cegonha é pudica como Deus:
é uma atitude recebida por Deus.

Muluku khanakhulumuwa onalamulaiye mutiki.
Winla wa mutiki Muluku wakuva wiwa.
Deus não se cansa por aquilo que manda a cegonha,
escuta logo o choro dela.

Namwi mutiki oroyevaru, Muluku onvaha omwene
niwoko na murim’awe worera.
Embora a cegonha seja delgada,
Deus lhe deu a chefia por ter um bom coração.

Mutiki Muluku:
khanakhulumuwa wàtxiha axan`awe.
A cegonha é como Deus:
não se cansa de alimentar os seus pintainhos.

Mutiki Muluku: khanàseriwa yotxa.
A cegonha é como Deus:
não se lhe procura comida.

Mutiki kaporo a Muluku,
niwoko àhàkhulela ohawa,
ti murumeyi a Muluku, ti nlaika na Muluku.
A cegonha é escrava de Deus,
porque aceitou de sofrer,
é a serva e a mensageira de Deus.

Mutiki onapuheriwa
ntoko onerihiwaiye Muluku.
A cegonha é gozada, como acontece com Deus.

Empa ya mutiki ni ya Muluku khenaìseliwa moro.
Não se acende fogo
na casa da cegonha e naquela de Deus.

Apwiya yàkilela wera:
mutiki ti erimarima ya Muluku:
Muluku erimarim’awe eri ntoko empa ya mutiki,
niwoko etthomela ya Muluku.
O avô disse- me que a cegonha é a essência de Deus,
que é como a casa da cegonha,
porque é a fontanela de Deus.

Mutiki onnavaha exariya yothene ya Muluku.
A cegonha dá toda a justiça de Deus.

Mutiki namalaka a ikano sa Muluku.
A cegonha é a educadora
que dá os conselhos de Deus.

Omuluku mutiki onophwanya nipuro norera.
Em Deus a cegonha há-de encontrar um bom lugar.

Murima wa mutiki onlikana ni yole wa Muluku: olevelela.
O coração da cegonha é como o de Deus: perdoa.

Mutiki Mulukú: kharino nthalu.
A cegonha é como o Deus: não tem preferências.

Mutiki onnùnnuwa ni malaika a Muluku.
A cegonha cresce com os anjos de Deus.


3 Mutiki ni ekristu
A cegonha e a fé cristã

Entrando no âmbito cristão, o axioma em estudo, encontra logo calorosa recepção. A semântica metafórica da cegonha assume espontaneamente vestes cristológicas, mariológicas e eclesiológicas.


3.1 Mutiki ni Yesu - A cegonha e Jesus
Em primeiro lugar, salienta-se a continuidade relacional entre a cegonha e Deus em Jesus. A polaridade do aforismo torna-se uma tríade inseparável constituindo uma única história em Jesus.

Mutiki, Muluku ni Yesu ari murima mmosa.
Mutiki, Muluku ni Yesu ti makholo a velaponi.
A cegonha, Deus e Jesus são do mesmo coração.
A cegonha, Deus e Jesus são os grandes do mundo.

Ekaikhai ya Yesu eri vamitikini ni vamulukuni.
Yesu onnatthariha sa Muluku ni sa mutiki.
A verdade de Jesus está na cegonha e em Deus,
Jesus segue a teologia da cegonha.

Mutiki t’owìsumaliha, òttittimiha, a mirirya,
ntoko Muluku ni Yesu.
A cegonha é pudica, respeitosa, milagrosa
como Deus e Jesus.

Mutiki onnakhaviheriwa sopanaka sawe ni ipalame
Muluku ànakhaviheriwa khalai ni minepa
nto vanano vava vantxiplalexa ni Mwan’awe Yesu,
nomalá Yesu onnakhaviheriwa ni ohuser’awe.
A cegonha é ajudada nos seus trabalhos pelas aves,
Deus era antigamente ajudado pelos espíritos,
mas agora é ajudado especialmente pelo seu Filho Jesus,
por fim, Jesus é ajudado pelos seus discípulos..


Em segundo lugar, os textos dos pesquisadores enfrentam a identidade entre a semântica da cegonha e a vida de Jesus. Como o reino da cegonha, assim o reino de Jesus não acaba; como a cegonha, assim Jesus sozinho no Jetzemani foi socorrido pelo Pai do céu; como a cegonha, também Jesus reza, implora com todo o respeito e humildade; como a cegonha, também Jesus é paciente e se imola. A identificação é tal que permite a alusão à Eucaristia. O cristão xirima chega por fim a fazê-lo tanto xirima, de maneira que é também Jesus que louva a Mutiki por seguir os seus mandamentos, por ser a sua apóstola.

Ekhaikhai ya mutiki enlikana ni yele ya Yesu,
Omwene wa mutiki onlikana ni ole wa Yesu,
niwoko khenamala.
A verdade da cegonha é como a de Jesus,
O reino da cegonha é como o de Jesus.
porque nunca acaba.

Mutiki khanatthuna wattamana
èttaka ni ikuru sa Muluku,
ntoko Yesu avariwaiye mekhaiye
èttihiwaka ni ikuru sa Muluku.
A cegonha não precisa da vizinhança,
andando com a força de Deus:
é como Jesus que foi pegue sozinho
mas guiado pela força de Deus.

Yesu Kristu ti mutiki: onnavolowa ni wova mmahini.
avekaka nlevelelo wa nikhupa.
Tthiri Yesu arene elapo ya vathi anavekela ntoko mutiki.
Jesus é como a cegonha,
entra na água com medo/respeito
pedindo perdão ao peixe-pente,
Jesus quando estava na terra orava como a cegonha.

Yesu Kristu okuxale enenero ya mutiki,
niwoko nopixa murima.
t’ovilela mahoxo ni orwenle murettele.
Jesus Cristo assumiu o paradigma da cegonha,
por ser ela bondosa. paciente: veio para paz.

Omukhura mutiki, wakhurale Apwiya Yesu.
Erutthu ya mutiki enlikana ni yele ya Yesu: khenùntta.
Ao comeres a cegonha, comeste o Senhor Jesus.
O corpo da cegonha é como o de Jesus: não apodrece.

Mukwaha wa mutiki khonakuxiwa poso,
onlikana ni yole wa Yesu: poso ti yowo mwanene.
Para a viagem da cegonha não se leva a ração,
é como a de Jesus: a ração é ele mesmo.

Yesu onnamutthapela mutiki
niwoko notthara malamulo awe.
Mutiki murummwa a sothene sa Yesu.
Jesus louva a cegonha
por ela seguir os seus mandamentos.
é a mensageira de todas as coisas de Jesus.

3.2 Mutiki ni Maria -- A cegonha e Maria

Como a cegonha, assim Maria é a verdade de Deus gerando o Filho de Deus, Jesus. Tal como a cegonha, também Maria é matriarca respeitada e celebrada por todas as mães. Maria é Mutiki sobretudo no momento da anunciação, quando aceita o anúncio de Gabriel em submissão silenciosa e obediente.

Mutiki ori ntoko Maria amay`awe Yesu.
Ekhaikhai ya mutiki ti ya Maria amay`awe Yesu.
A cegonha é como Maria, a mãe de Jesus.
A verdade da cegonha é a de Maria, mãe de Jesus.

Opwiyamwene wa Maria onlikana ni yole wa mutiki
Maria ti pwiyamwene a athiyana othene
othene aya annavuwiha ni annattittimiha.
O matriarcado de Maria é como o da cegonha.
Maria é a matriarca de todas as mulheres,
todas as louvam e a respeitam.

Mutiki àhàkhulela ovara muteko wa Muluku
ntoko Maria pwiyamwene.
Ehuhu yele munepa wa Muluku wùlumaya ni Maria, Maria oromala ùrammene ntoko mutiki.
A cegonha aceitou de fazer a tarefa de Deus
como Maria matriarca.
Na altura em que o anjo de Deus falava com ela
ficou calada e de cabo reclinado como a cegonha.



3.3 Mutiki ni ekereja
A cegonha e a casa da igreja

Os textos salientam sobretudo a analogia entre a casa da cegonha e a construção da igreja, abençoada, construída com a cooperação de todos os cristãos da comunidade, orientada no caminho do sol e fortificada pelo dízimo.

Empa ya mutiki khevirikanne ni yele ya ekereja,
niwoko eri yorelihiwa ni mahala a Muluku.
A casa da cegonha não difere daquela da igreja,
porque é abençoada pela graça de Deus.

Empa ya mutiki eri ntoko altari,
niwoko akristu annarukurera ni anakhala eriyariru.
A casa da cegonha é como o altar,
os cristãos em redor, a altar no meio.

Empa ya mutiki mulako
onaweha nnakhuma nsuwa ntoko ekereja.
A porta da casa da cegonha
olha para onde sai o sol como a igreja.

Empa ya mutiki ennatekiwa ni asipalame antxipale,
ekereja tho ennatekiwa ni akristu othene
enalipihiwa ni edizimu aya.
A casa da cegonha é construída por muitas aves,
a igreja também é construída por todos os cristãos,
é fortificada pelo dízimo deles.


Avaliação

O mundo metafórico e simbólico, se por um lado apresenta aspectos visíveis e tangíveis, limitados e parciais, por outro urge a alargar o horizonte visual completando, insinuando o latente transcendental no patente categorial. È o que se constatou ao analisar o axioma da Mutiki: devagar e pacientemente desvendou toda a sua riqueza rencóndita a nível biológico, etnográfico, etnológico, antropológico e teológico.
Como cada metáfora que seja tal, assim a Mutiki consegue visualizar toda a biosofia e biosfera xirima, a sua religiosidade e teologia namúlica matriarcal, nocturna e lunar, a sua antropologia e sua estrutura social de marca e proeminência matriarcal.
A autenticidade inocente e transparente do capital semântico da Mutiki explica a sua entrada quase trionfal e exuberante no horizonte da fé cristã.



Sem comentários:

Enviar um comentário