EKUXO
O estatuto da ekuxo na
biosofia e biosfera xirima
Ekuxo ti ephome
enyowani ya etthoko
Ekuxo mukuso/nlutte na
wothelani.
Ekuxó é sangue novo
da família.
Ekuxó é a cerca/fio
no casamento.
Introdução
Na cidade ou nas
pequenas vilas está entrando o individualismo doméstico de núcleos
familiares restritos segundo o modelo ocidental. Cada família ocupa
o seu pequeno terreno, o cerca com ciúme, logo que puder. A casa de
pau-pique e matope é substituída mais tarde por uma casa em blocos.
Se tudo proceder bem, em volta de um ou dois anos, a casa é coberta
com chapas de zinco e, por fim, se os donos tiverem sucesso no
comércio, desmancham tudo e constroem uma casa bem fechada e bem
restrita em avenaria: é o apogéo do sonho da família restrita.
Em ambiente rural, onde
se vivem ainda sem electricidade, sem rede, onde o ritmo nocturno e
diurno ainda marca a vida do mutthu, é ainda possível ter a
autêntica imagem da família alargada macua xirima, constituída
pelos avós e, nos arredores da casa e do quintal deles, as
habitações das filhas casadas. Estas geram filhos e filhos, mas são
os avós que os educam, é no quintal deles que os netos brincam de
dia e dançam nas noites lunares, sobretudo é no alpendre deles que
toda a netalhada se reúne nas noites frias frequentando a escola
doméstica. Pela boca dos avós aprendem a história, a tradição e
a cultura da biosofia e biosfera xirima, transmitida sob a veste de
provérbios, de enigmas e de contos. A educação doméstica perdura
até que os netos se tornem adultos com o rito da iniciação e
introdução à vida adulta.
Visitando estes
aglomerados domésticos típicos da família alargada ou clánica,
pode-se às vezes constatar que na casa dos avós há uma menina/neta
que apoia constantemente a avó nas tarefas domésticas. Esta neta é
denominada ekuxó. Raramente se ouve este nome, até se pode dizer
que de preferência evita-se mencioná-lo. As poucas informações
que se ganham nos inquéritos, são genéricas e reticentes,
tipicamente macua, dizem tudo ocultando tudo. Isto obriga a um longo
e paciente trabalho de pesquisa até que por fim é possível obter
uma visão mais completa do horizonte intencional da ekuxo.
1- Etimo
O étimo da ekuxó é
evidente. È um substantivo xirima da quinta classe, a dos
abstractos, um transparente derivativo do verbo transitivo okuxa que
significa levar, tomar para levar e entregar. Ekuxo como substantivo
traduzido literalmente é a coisa que se toma para levar e entregar,
uma leva, uma pega, um dom para entregar. No nosso caso ekuxo
significa o acto, a decisão, o acordo do clã materno/uterino de
escolher e portanto pegar numa neta/bisneta uterina e levá-la como
oferta às avós maternas para que viva e cresça ficando com elas
para sempre, ajudando a avó nas tarefas domésticas e substituindo-a
plenamente nas relações com o avô.
Aqui em síntese o
estatuto da ekuxó da biosofia e biosfera xirima nas suas componentes
clássicas, conforme era vivido e conforme é evocado pela tradição.
Evidente e imediatamente esta instituição doméstica xirima faz
levantar várias perguntas carregadas de ressentimento que exigem
explicações. Na verdade vem espontâneo quando se fala da ekuxo,
suspeitar algo de perverso e de ilícito (eharamu); conclui-se sem
hesitação que se trata de incesto, de ligação/união ilícita
entre consanguíneos. A convivência do avô com a neta/bisneta
uterina é logo qualificada e carimbada como incesto em aberrante
violação da dignidade pessoal da menina, sobretudo em relação à
sua idade. O estatuto da ekuxo seria uma das inúmeras expressões
aberrantes do machismo mundial.
Outra avaliação espontânea e quase
instintiva é aquela que vê no costume da ekuxo o início da
poliginia xirima. A neta/bisneta substitui aos poucos em tudo a avó,
torna-se a segunda mulher do avô e assim fazendo o caminho da
poliginia está aberto.
Ambas as avaliações
mencionadas, embora salientem um aspecto criticamente válido, são
claramente unilaterais e reductivas, a sua força argumentativa não
toma em consideração todo o texto e o contexto biosófico e
biosférico da ekuxo, pois tem como premissas princípios
extrapolados que não concordam com a biosofia e biosfera xirima. A
maneira apropriada para entender e avaliar objectivamente o estatuto
da ekuxo exige o conhecimento pormenorizado de três pessoas: a
menina ekuxo e os avós que recebem a menina, isto é, a avó e o
avô.
2- Ekuxo: A neta/bisneta
Ekuxo é a filha da
filha da avó (mais frequentemente duma sua irmã ou duma sua
parente), sendo trazida e dada ou oferecida por esta ao próprio
marido, ao avô, portanto se trata de uma neta ou bisneta uterina que
vai morar para sempre com os avós. Leva normalmente o nome colectivo
de musulu, substantivo da primeira classe, derivativo do verbo osula
que significa construir, concertar a parte superior da casa/família.
Osulu como adverbio e preposição significa em/de/por cima, sobre,
no alto, no ceu. Como substantivo abstracto osulu pertence à 4
classe, significa descendência ou ascendência, posterioridade,
grande filiação do lado da mãe ou do lato uterino, em suma, todos
os netos e netas, toda a netalhada normalmente chamada por musulu.
Ekuxo é uma destas netas (musulu) ou bisnetas (mwumusulu a musulu:
netinha da neta).
A menina/neta ekuxo, uma
vez entregue aos avós, leva outros nomes. Os pesquisadores
apresentam várias denominações catalogáveis em duas categorias.
Uma primeira categoria abrange as denominações domésticas
oficiais:
- pwiyapwiya, napwiya: é um
reduplicativo ou diminuitivo de pwiya e significa a pequena
dona/senhora, tratamento de respeito da parte do avô para com a
ekuxo;
- tata: tratamento de respeito que
olha as futuras mansões da neta (denominação teleológica
prospéctica).
Uma segunda categoria abrange as
denominações que se pode definir externas, genéricas, descritivas,
alcunhas particulares, como as seguintes:
- mwetto: perna, no sentido que a
neta/bisneta apoia os avós, seria alegoricamente a terceira perna
para eles.
- pulaisi: gorjeta, mata-bicho, oferta
para os avós.
- etxela vava/mpani:
aquela que come/goza aqui no quintal/dentro da casa, em
privado/segredo.
- ethelela vava: aquela que casa aqui/
para aqui.
- ekhwela vava: aquela que morre para
os avós, isto é, os amas de todo o coração.
- mwahalaka vava: a habitante perene
daqui.
Em conclusão, do ponto
de vista da nomenclatura, a neta chama a avó por munna /irmã e o
avô por apwiya/senhor, enquanto que o avô por respeito chama a neta
por pwiyapwiya, napwiya, tata, e a avó a chama por musulu (neta) ou
mwamusulu a musulu aka (bisneta).
Os textos que seguem
procuram caracterizar o estatuto da ekuxo, ela deve ser sempre uma
neta uterina e não paterna ou estrangeira, pode ser uma órfã,
nunca uma mulher já casada, é escolhida antes da menarca, será
tarefa da avó iniciá-la a vida matrimonial com o avô. A entrega da
ekuxo realiza-se na devida intimidade e privacidade doméstica. Não
é um casamento público com testemunhas, comida e cantos festivos, é
porém sempre um acto em função do casamentos dos avós, o
fortifica e revigora, como as inúmeras imagens não se esgotam de
afirmar poeticamente. A ekuxo é uma makeya, a segunda oferta do e
para o casamento dos avós, uma imolação que cumpre a família
alargada para a vida dos avós. Pede-se a ekuxo muita paciência,
sofrimento, plena disponibilidade para com a avó e o avô. Exige-se
também dos avós o devido respeito, nunca se separam dela a não ser
com a morte por Deus querida.
Ekuxo onakhala osulu wa munna.
Ekuxo é sempre una neta uterina da
avó.
Ekuxo khenakuxiwa owani wa mulopwana
mene owani wa muthiyanaru, ehunlene.
Nunca se pega a ekuxo na família
paterna,
mas na família materna, antes da
menarca.
Mukwasuni t’onakhala ekuxo
y’apwiy’awe.
Uma órfã é que se torna ekuxo do seu
avô.
Ekuxo ya makholo,
enahima othela vathenlawe’vo.
Ekuxo conforme os antepassados
significa casar onde te casaste.
Ekuxo ti mwana a mwaniye
avahiwa pwiy`awe ntoko mwariye.
Ekuxo é a filha da filha
dada ao avô como sua esposa.
Vasiwe ekuxo namutheliwa yòhòtxeleya.
Onde se procurou uma ekuxo já casada,
não deu resultado.
Ekuxo kherino onamakoso nari matxipo a
wuthelani,
khenthummwa
Ekuxo não tem testemunha,
nem cantos próprios do casamento,
ekuxo nunca se compra.
Mwarusi ole ekuxo ùla, yànamulaka
amunniye pahi.
Ìneliwaka khatakansiwa ni asimwali
akina.
Quando aquela menina ekuxo apanhava
menarca,
só a avó é que lhe dava conselhos,
no rito da iniciação não se juntava
com as outras raparigas.
Vovahaniwe ekuxo,
mixino sothene sinnamala.
Onde se dá a ekuxo,
todos os tabus acabam.
Ekuxo pwiyamwené: khanòva ehotti.
Ekuxo mwanene vaté: khenùliwa muru.
A ekuxo é como a matriarca: não teme
as visitas.
A ekuxo é a dona da casa: não sente
vergonha.
Ekuxo enavahaniwa
mwapilili/wiphini/okhwipi,
enalakiwakaru ni munn’aya, khenakhuma
mpani
nto enakilathiki mpaniru
wera ehusereke miteko sa amunna.
Tivanto enìtthaniwaya etxela vava
/mpani,
ethelela vava/mpani, ekhwelela
vava/mpani
mwahalaka vava/mpani
A ekuxo dá-se em segredo,
(na privacidade/intimidade doméstica),
é educada só pela avó,
nunca sai mas reside sempre na casa
dela
para aprender as tarefas dela.
Por isso a ekuxo é chamada
aquela que goza aqui em casa,
aquela que casa aqui em casa,
aquela que morre para casa (ama os
avós).
Ekuxo khenamuhasula mulopwana
(apwiy’aya)
khenamòva, nto enammwiwelela,
yùnnuwaka mpani mwawe.
A ekuxo não maltrata o homem (o seu
avô)
não tem medo dele, mas o escuta,
crescendo na sua casa.
Ekuxo khenahasuliwa, khenahiwa.
A ekuxo nunca deve ser maltratada nem
deixada.
Opankiwa ekuxo onovileliwa tho.
Ser feita ekuxo suporta-se/é
sofrimento.
Ekuxo makeya anaveli a etthoko.
Ekuxo é a segunda Makeya do lar.
(oferta, sofrimento, imolação para
vida)
Ekuxo eleva-murima ya munna.
A ekuxo é a oferta-de-coração para a
avó.
Ekuxo khenilemeliha vamaithoni
vamunn`aya.
A ekuxo não se faz pesada em relação
à sua avó.
Ekuxo enahakalala ekhovelenlene.
Warenttela amunna kahiyene nihiku
nimosa.
A ekuxo alegra-se depois de acostumar.
Suceder a avó não é uma coisa de um
só dia.
Ekuxo khenarapura masu amunn`aya.
Ekuxo kheninana ni amunn`aya.
A ekuxo não despreza as palavras da
sua avó,
não se inimiga com a sua avó.
Ekuxo kahiyene etxisiro ya wothelani.
A ekuxo não é uma escrava do
casamento.
Ekuxo khenahiwa: mwikho.
Omwalana ni ekuxo okhale otthuna wa
Muluku.
A ekuxo não se deixa: é tabu.
Separa-se da ekuxo
só quando é vontade de Deus (com a
morte).
Ekuxo kahiyene mukela-mpa,
niwoko mukela-mpa onapakiwa akhwiyene.
A ekuxo não é a sucessora,
pois a sucessão realiza-se com a
morte.
Imagens, analogias
Ekuxo matthuwa a wothelani.
A ekuxo no casamento é como as pedras
lareiras.
Ekuxo nihuta nohuluma nomukhomaliha
mutheli.
A ekuxo é como o embrulho silencioso
que fortifica o esposo.
Ekuxo nttipho/nihottha nottuli/eruwa:
osunka itthu sitokotoko.
A ekuxo é como um frasco/um bolso de
atras/o termiteiro:
guarda grandes coisas.
Ekuxo pwiyamwené: enathokorora
sothene.
A ekuxo é como a matriarca:
guarda tudo.
Ekuxo nipiko: khannolihaniwa.
A ekuxo é como a missanga: não se
empresta.
Ekuxo muhuwó: onarera ni otxiha.
A ekuxo é como a cria: fica bem quando
se alimenta.
Ekuxo ti ephome enyowani ya etthoko.
A ekuxo é o novo sangue do lar.
Ekuxo epharamela: enoneya enari ekhani.
A ekuxo é como a borbulha: vê-se
quanto é pequena.
Ekuxo ekuwo enyowani: orera owara.
Ekuxo ekuwo yokhomanya: enathatuwa
enyowani.
A ekuxo é como uma capulana nova:
anima usar.
A ekuxo é como a capulana concertada:
torna-se nova.
3- Munna: a avó
Na biosofia e biosfera
xirima a avó recebe a denominação de munna que significa irmã ou
irmão. Já nesta nomenclatura do parentesco se anunciam premissas
chocantes que não correspondem por nada com a mundo-visão do
parentesco ocidental patriarcal. Mas isto será tratado mais à
frente, quando se avaliará globalmente o estatuto da ekuxo.
A avó/Munna na familia
alargada é o ponto centripetal e centrifugal da família, todo o
parentesco e a conhadia vira em redor dela, sendo ela a
administradora do celeiro, da comida, do andamento e comportamento de
todo o horizonte doméstico alargado/clánico. Segundo a tradição
as filhas casam-se com residência uxorilocal e sororal, vivem em
redor da casa da mãe assim como todos os netos e netas dela. Ekuxo é
uma destas netas uterinas que a munna de acordo com o conjunto do
parentesco uterino escolhe para que seja tal em sua casa. A
iniciativa da escolha da ekuxo parte sempre da munna ou do parentesco
uterino, nunca pode partir do lado do avô.
Ovahiwa ekuxo wiwanana ni asitokwene a
epumpa.
Ekuxo nroromelo ni nttittimiho na
asinene epumpa
mwaha wa miteko sorera mulopwana
enraiye.
Ser dada a ekuxo vem de um acordo do
parentesco uterino:
é sinal de confiança e de respeito do
parentesco uterino para com o avô,
devido aos bons trabalhos por ele
realizados.
Ekuxo khanàsiwa mmalapo.
A ekuxo nunca se procura no estrangeiro
(fora do parentesco uterino).
As motivações para
aplicação do estatuto da ekuxo na biosofia e biosfera xirima são
em primeiro lugar de ver na situação psicosomática da munna. A
ekuxo é normalmente uma neta da terceira geração ou uma bisneta
da quarta geração. Neste caso a munna é já velha, avançada na
idade e limitada nas capacidades operativas no horizonte doméstico.
Além disso entra na conta também os fenómenos fisiológicos da
menopausa, da diminuição da actividade íntima sexual. Nestes casos
a munna toma a iniciativa de ter em casa uma neta ou bisneta que a
ajude nas tarefas domésticas e a substitui também na dimensão
afectiva e sexual para com o marido.
Eis uma descrição sintética.
Anakilathi asitokwene
ewehaka wi amwariye ale àhùluvala. Mutthu ole, khaphwanenle omulusa
arowaka watteya okina. Amusi anavanela onvaha mwarusi ekuxo
emukumihaka mwa erukulu ekhani. Owani ekuxo ennaleliwa wakhavihera
amunna ni apwiya aya. Vakhani vakhani amunna annamuhusiha sothene sa
othiyana: othuna, opopha ihuku, owana mikhova. Nomalá ekuxo
enapatxera wakhovelela amunn’aya ni apwiy’aya.
. Os responsáveis do
parentesco uterino reúnem-se porque reparam que a avó já
envelheceu, mas não merece perder o seu esposo indo a poligamiar
outrora. Decidem em lhe dar a ekuxo, tirando-a da família restrita.
Uma vez em casa dos avós, a ekuxo é educada a ajudar a avó e o
avô. Aos poucos a avó ensina a ela tudo o que se refere à erótica
feminina: dilatar os lábios, fazer tatuagens, vestir misssangas. Por
fim a ekuxo vai-se habituando com a avó e com o avô.
A primeira motivação a
ser mencionada para a escolha da ekuxo é vista na velhice da avó.
Por isso ela junto com o parentesco uterino toma a decisão e a
iniciativa de procurar a ekuxo apropriada. O parentesco toma em séria
consideração a vida da avó, a avalia positivamente dando-lhe uma
ekuxo. È importante ter presente este aspecto para não confundir o
costume da ekuxo identificando-o logo com a poligamia de iniciativa
do homem (watteya), como se há de ver mais à frente.
Ekuxo mwali onàrenttela amunn’awe
yùluvala
mpuwa motheliwani.
A ekuxo é a neta que sucede/substitui
a avó envelhecida
dentro dos assuntos do casamento dela.
Ekuxo enètta ni wuluvala wa munna.
Amunna yakotá, onnamwàsera
mwalopwan’awe ekuxo.
O estatuto da ekuxo existe por
envelhecer a avó.
Uma volta esgotada, a avó procura ao
marido a ekuxo.
Ekuxo eri etthu yomuttittimihera
muthiyana ùluvanle.
Ekuxo é um acto de respeito
para com a avó que envelheceu.
Muthiyana ùluvala ti ehipa yolala:
khanarihiwa,
nto onnaseriwa karumeya/murumeyi/ekuxo:
itthuweke.
A avó velha é uma enxada gasta que
não se deita,
mas lhe se procura uma
ajudante/servente/ekuxo,
para que descanse.
Imagens/analogias
Ekuxo ttotto a munna.
A ekuxo é a bengala da avó.
Ekuxo ettuli ya munna.
A ekuxo é a representante da avó.
Ekuxo ekhulula ya munna
A ekuxo é a fita da menstruação da
avó.
Ekuxo eleva-murima ya munna.
A ekuxo é a oferta-de-coração para a
avó.
Os textos que seguem, manifestam outros
motivações positivas que levam ao estatuto da ekuxo. Paradoxalmente
a ekuxo entre os avós é sinal demonstrativo do amor deles, sinal
inclusivo e não exclusivo, emblemático e não sintomático ou
problemático.
Munna a miruku omusivela iy’awe
t’onanvaha ekuxo.
A avó sábia é aquela que dá ao seu
marido a ekuxo.
Munna onamuvaha iy`awe ekuxo
oromuttela murima.
A avó dá ao seu marido a ekuxo
porque se alegra com ele.
Cada estatuto social,
também o da ekuxo tem os seus deveres: a avó para com a neta e a
neta para com a avó. Latente ou patentemente as normas mencionadas
nos seguintes textos estão a indicar que também este estatuto
doméstico não é fácil de realizar, embora as boas intenções
para com a avó. Existem resistências psicologicamente
compreensíveis e prevedíveis da parte da avó e também da parte da
ekuxo.
Munna owaseriwa ekuxo khanalalamika
etthu.
khanìnlela ehatxe,
onahala winyerera sothene ni murima
wothene,
miteko sothene sa munna sinavariwa
n’ekuxo.
A avó ao lhe se procurar a ekuxo,
não deve lamentar-se com ela,
nem deve ser ciumenta em relação a
ela,
lhe deve entregar tudo de todo o
coração,
assim a ekuxo faz todas as tarefas
dela.
Ekuxo khenarapura masu a munn`aya.
Ekuxo khenìnana ni munn`aya.
A ekuxo não deve desprezar as palavras
da avó.
não se inimiga com ela.
Vari ekuxo, khavarere orika wettiha.
Não se vive sem dificuldades o costume
da ekuxo.
Munna khanasa ekuxo othiyana ohanle:
ematta emosá khenùheriwa ipaso pili.
A avó não procura a ekuxo, sendo
ainda no seu vigor,
pois não se derruba uma machamba com
dois machados.
Mulopwana avahiwá ekuxo
khanamuhiya mwariye a khalai ahikhwiye.
O homem (avô) se receber a ekuxo,
não deixa a sua antiga esposa,
enquanto não morreu.
4- Apwiya, Atata a vate: o avô
Depois de ter gerados
filhos e filhas, e estes por sua vez ter gerado outros filhos e
filhas e estes também....., o avô é verdadeiramente apwiya a vate,
praticamente é parte integrante da família alargada uterina, por
isso recebe como promoção definitiva o nome de atata a vate, o
verdadeiro senhor do lar ou o outro tio materno, o homem cuja
virilidade e masculinidade foi recebida e absorvida simbiótica e
osmoticamente pelo lado da esposa ou pelo lado uterino. Por isso a
esposa, a munna, pensa em dar-lhe uma neta ou bisneta para que o
marido continue a viver com ela, a fecundar toda a família uterina .
Eis uma descrição sintética.
Mulopwana onayariwa ni
ekwah`awe: wothelani. Wothelani weiwo mulopwana onnàyara anamwane ni
onnaphwanya osulu. Vaholo muthiyan’awe onnùluvala. Nto osulu
wàyara, annasara anamwane. Muthiyana onimòna wera kòhùluvala ni
orowa olusi ni okhunini nkinwerya. Muthiyana onnasuwela tho wera
aiy`aka arwiye khalai ni ti a murette. Ekuxo ti omurenttela muthiyana
òwùluvala. Mulopwana onnamwàkhela mwali ni siso etthoko
ennaphwaherera. Mwa yeyo mulopwana onnamuthela musulu awe mpaka
omuyarano anamwane. Munna ole khanamuhasula mwali ole, onnamuruma
itthu sothene ni mwali khanakhotta. Makholo mantxipale annasuwelaxa
sa ekuxo. Vanano yòmala.
O homem nasce com a sua
viagem: a do casamento. Lá no casamento, ele gera os seus filhos até
receber netos. No entretanto a sua mulher envelhece, enquanto que os
netos gerando, ficam com muitos filhos. A mulher sente que está
velha e não consegue ir ao poço ou a buscar lenha. Também sabe que
o marido veio há muito tempo e é um homem de paz. Então a ekuxo
chega para suceder a avó que envelheceu. O homem recebe a rapariga e
nesta maneira o lar continua, isto é, o homem casa a sua neta até
gerar filhos com ela. A esposa velha não maltrata aquela rapariga, a
manda fazer tudo e ela não recusa. Muitos dos antepassados conhecem
bem o estatuto da ekuxo. Agora já terminou.
A iniciativa da escolha e
da entrega da ekuxo vem do lado da avó/uterino e não do lado do
avô/paterno, porém mira guardar, confirmar e perpetuar o casamento
do avô com a avó. O parentesco uterino não quer perder o capital
viril do avô, lhe entrega a ekuxo para evitar quaisquer tentativas
de fuga dele.
Ekuxo ya makholo enahima othela
vathenlawe’vo,
enavahiwa alipa orehera sa wothelana.
Ekuxo dos antepassados significa
casar-se
onde o homem se casou,
a ekuxo é dada a quem realiza bem o
casamento.
Ekuxo ya makholo ekhumale wuthelani.
ti mukuso/nlutte/nivatta nanaveli na
wothelani,
nihuta nomukhomaliha mutheli.
O estatuto da ekuxo dos antepassados
vem do casamento,
é como a sua cerca/corda/segunda
forquilha/
embrulho que fortifica o esposo/avô.
A instituição da ekuxo
não é uma norma de aplicação geral na biosofia e biosfera xirima,
mas uma norma estritamente doméstica, particular, excepcional, que
prevê e supõe um acordo a nível de parentesco uterino. Sem este
acordo não há ekuxo.
Epumpa yokumiha ekuxo ennìwanana
phama,
vakhanle wapa, ekuxo khenkumihiwa.
A familia uterina que tira a ekuxo,
está bem de acordo,
se houver murmurações/desacordos, não
sai nenhuma ekuxo.
Não todas as amunna
pensam em trazer em casa uma neta ou bisneta, pois em lugar de a
ajudar a viver e a sobreviver, pode tornar-se uma rival que até
acelera a sua marginalização e morte, como certos conselhos estão
a sugerir. Mas sobretudo não todos os apwiya recebem como oferta e
dom da parte da parentesco uterino uma neta ou uma bisneta. È
afirmação geral que a ekuxo se entrega ao pwiya só no caso em que
ele realize determinadas qualificações particulares e especiais. O
avô deve ser um homem que durante toda a sua vida não teve
problemas nem milandos, é portanto um homem/esposo/avô justo,
dedicado. A ekuxo é um dom merecido, nunca exigido e dado a quem não
o merece. Os textos são inúmeros e explícitos. Eis as principais
qualificações:
Vari ekuxo, yòkhala evahero.
Ekuxo eri ntoko ekari: enommorela
mulopwana.
Onde há ekuxo, ha oferta/entrega,
é boa sorte que cai em favor do
homem/avô.
Makholo yànasuwela otthuvela.
Ekuxo ti malivelo a wothelani.
ti pulaisi a mutheli, ti yovaha ya
mutheli.
Os antepassados sabiam remunerar.
A ekuxo é uma retribuição ao
homem/avô,
é uma gorjeta, uma oferta para ele.
Mutheli èttihá phama mothelani
onovahiwa ekuxo wera atheleke.
Se o esposo se comportar bem no
casamento,
recebe a ekuxo para que a case.
Othela ovara muteko w`amalapo.
Ovilela oruha eparakha. ekuxo
Casar é trabalhar no estrangeiro (no
parentesco não uterino):
pacientar traz boa sorte, isto é, a
ekuxo.
Mwene a miruku t’onavahiwa ekuxo.
Ao rei sábio é que se dá a ekuxo.
Ovahiwa ekuxo ti otxeya itthu,
Ser dada a ekuxo significa gozar
(gozar dos frutos das fadigas feitas).
Mutheli onawehiwa murima awe,
Ekuxo khenathummwa ni nikhopiri, nto ni
murima.
murim’awe warí worera, onvahiwa
ekuxo
ntoko enenero yokupaliwa,
yottittimihiwa, yoxukureliwa,
yoririwa murima, yowepesiwa,
yororomeliwa,
O esposo é observado no seu
comportamento,
pois a ekuxo não se compra com
dinheiro, mas com o coração.
Se o coração do esposo for bom,
recebe a ekuxo
como sinal de fé, de respeito, de
agradecimento,
de veneração e de confiança.
Ekuxo onavahiwa namahala,
onasuwela wahuwa atthu
khanaphwanenle ovinya’vo
ni omulusa arowaka watteya okina.
A ekuxo é oferecida ao bondoso que
sabe criar pessoas,
não merece perdê-lo, saindo e indo
poligamiar outrora.
Makholo yàhìwanana wera:
mulopwana ole anaphwanela ovahiwa
ekuxo,
wera attuwalihiwe owani, intake mukwaha
oyaka owani,
ahitthawe nari ahivinye èttaka ni
athelaka ottai,
mene emexeriwe ni apwahereke ovara
miteko vavale,
ayare ni ahuwe anamwane.
akameliwaka ni akhomalihiwaka,
Os antepassados concordavam
que o avô merecia receber a ekuxo,
para que se esquecesse da sua casa,
interrompesse a viagem de regresso a
casa dele,
não fugisse e andasse a casar-se
longe,
mas que ficasse retido e continuasse a
trabalhar na casa da avó,
gerasse e criasse filhos, ficando assim
ocupado e revigorado.
Ekuxo Mulukú:
enavahiwa murima worera.
A ekuxo é como Deus:
recebe-se pelo coração bom.
Impedimentos
Eis os principais impedimentos para a
entrega da ekuxo ao avô:
Ekuxo orika ovahiwa, khenavahaniwa
piswa
khanavahiwa akhalaru mulopwana òthela.
Khweli ekuxo khayàntte atthu ovahiwa.
Khanavahiwa ekuxo ahithenle nari
ohitheleiha,
ohiyara, namakani, mulolo, òresi,
wunnuwa muru,
mukhwiri, namwiya, ahettihaka ntheli
phama.
È difícil merecer a ekuxo, não é
dada de qualquer maneira
nem a qualquer homem esposado,
na verdade são poucos aqueles que a
recebem.
Não se dá ekuxo a um não casado
e não hábil ao casamento, ao estéril,
ao teimoso, ao malandro, ao preguiçoso,
ao cabeçudo, ao ladrão, ao
feiticeiro,
ao incapaz de conduzir bem o casamento.
Ekuxo khanavahiwa kharamu /havara
Havara khanavahiwa ekuxo.
Ekuxo ehipa: khanavahiwa noresi.
Não se dá a ekuxo ao leão/leopardo.
A ekuxo é a enxada: não se dá ao
preguiçoso.
Ovahiwa ekuxo kohiyono woviwa.
khenthummwa, kheninleliwa,
khenìkuxeriwa, khanìthanleliwa,
hatá mulopwana khanaleliwa
otthuveliwa.
Não se recebe a ekuxo por ser temido,
não se compra nem se deseja ,
nem se escolhe nem se toma para si,
até o homem nem é informado que será
remunerado com a ekuxo.
Onavahiwa ekuxo khanalikanxiwa,
khenesiheraniwa.
Quem é dado a Ekuxo não se imita,
não se contrata.
Ekuxo khenavahaniwa niwoko na otokwene.
A ekuxo não se dá por causa de ser
grande.
Ekuxo minepa: enatthuna vanalimmwa.
Ekuxo é como o espírito: quer onde se
capina.
5-Definição do
estatuto da Ekuxo:
Ekuxo
watteya ni murettele. poliginia pacífica especial
Depois da descrição
pormenorizada das três pessoas que entram em jogo na instituição
da ekuxo, é possível agora tomar em consideração as definições
correntes. Já se acenou no início às duas avaliações espontâneas
que ao ouvir falar da ekuxo, logo vêem nesta instituição uma
prática explícita de incesto e o início da poliginia. Na verdade
os textos que consideram a instituição da ekuxo como poliginia não
são poucos nem ambíguos, até consideram a instituição da ekuxo
como a causa genética da poliginia, uma abertura ou brecha
inicialmente provisória que com o tempo se tornou uma constante e
uma norma.
Ekuxo yamwatteiwa ni amunn`awe.
Vakhanle ekuxo, munna àthatuwa
namwatteiw`aya.
A ekuxo poliginia com a sua avó:
Onde havia a ekuxo,
a avó tornou-se sua colega de
poliginia.
Mulopwana onvahiwa ekuxo, ori
namwatteyi:
Vakhanle ekuxo pwiyapwiya anathatuwa
mwariye.
O avô ao qual se dá a ekuxo, é um
polígino.
Onde havia a neta ekuxo, tornava-se sua
esposa.
Ekuxo yòruha wakulana wa asilopwana
ahavahiwa ekuxo: t’eruhale watteya.
A instituição da ekuxo trouxe
discordia entre os homens
que a não recebiam: dai veio a
poliginia.
Matthoko yahakhala ekuxo,
asilopwana yánavinya orowa omuthela
mwali a etthoko ekina yatteyaka
Nos lares sem ekuxo, os homens saíam
indo casar uma rapariga doutro lar:
faziam poliginia.
Porém outros textos se recusam de
identificar o estatuto da ekuxo com a poliginia oficial corrente. De
facto trata-se de poliginia especial que não pode ser identificada
com a poliginia corrente. Justamente os textos seguintes especificam
as diferenças entre as duas instituições:
- o acordo da ekuxo parte do
parentesco uterino/materno, enquanto que a poliginia corrente é uma
iniciativa do homem/parentesco paterno;
- ekuxo é poliginia em paz e não de
ciume como acontece muitas vezes com a poliginia corrente onde as
colegas chegam a matar-se entre elas;
- as habitações da avó e da ekuxo
ficam juntas e não distanciadas como na poliginia oficial;
- a ekuxo é única, enquanto que a
poliginia corrente admite mais de duas mulheres.
- a ekuxo nunca pode ser considerada
come um pedido de segundo casamento como é de praxe com a poliginia
corrente.
Ovahiwa ekuxo kahiyene watteya.
kahiyene watta w`athiyana.
Ekuxo kahiyene nvanelo wa wothelani.
Ter a ekuxo não é poliginiar,
não é ter muitas mulheres,
não é uma combina/iniciativa do
homem.
Watteiwa wa ekuxo khawakhaleleniwa
ehatxe:
wari watteya ni murettele.
Na poliginia da Ekuxo não hávia
ciúme:
era uma poliginia em paz.
Ekuxo kahiyene ovekela veli othela.
Ekuxo não é pedir um segundo
casamento.
Impa sa asithiyana ale sàkhala vamosá,
wera osulu ole wápasopeke amunneiye
tho.
A casa da avó e da ekuxo ficavam
juntas,
para a ekuxo cuidar da avó.
Khuwavo ovahiwa ikuxo pili, koma emosá
pahi.
Nunca se dá duas ekuxo, ma só uma.
Asilopwana anàtteya vohikhala ekuxo,
aruha oramana wa asithiyana owatteiwa.
Asithiyana owatteiwa itthoko sovirikana
annawanawana mpaka wivana.
Na ausência da ekuxo, os homens
polígamos
trouxeram ambição entre as mulheres
poliginiadas
até lutar e matar-se entre elas.
Ekuxo kahiyene korokopiko.
onalemelela ninno ninno.
A ekuxo não é uma canga
que pesa tanto de um lado (avó) quanto
do outro (ekuxo).
(poliginia especial)
Outros textos favoráveis
ao estatuto da ekuxo negam que a presença da ekuxo estrague o
casamento, mas em geral é considerada um costume que consolida o
casamento dos avós.
Ekuxo kahiyene omwaramwara wa ntheli.
Ekuxo kahiyene nsala/nthala na
wothelani.
A norma da ekuxo não é divórcio do
casamento,
não é a lixeira/machamba velha do
casamento.
Ekuxo kahiyene nihasu/nttaruxo na
ntheli.
A instituição da ekuxo não é
pensada
como castigo e como punição do
casamento.
Ekuxo kahiyene ehaka ni murette
onlamiha iretta sa wothelani.
Ovahiwa ekuxo kahiyene oxera maitho.
A ekuxo não é adivinhação nem
remédio
para curar doenças do casamento nem
faz avermelhar os olhos.
Ekuxo kahiyene ekhupelela ya asithiyana
wothelani.
A ekuxo não é uma acumulação de
mulheres no casamento (poliginia).
Ekuxo kahiyene epharantatha ya
wothelani.
A ekuxo não é a comida de reserva do
casamento
(que só os dois esposos conhecem).
6- Outra definição
da norma Ekuxo:
Incesto/ligação
entre consaguíneos
Incesto/ligação entre consanguíneos
é uma segunda definicão que se costuma dar à norma da ekuxo.
Vovahaniwe ekuxo,
mixino sothene sinnamala.
Onde se dá a ekuxo,
todos os tabus acabam.
Também deste ponto de
vista pode-se conceder que o costume da ekuxo é admissão do
incesto, mas também aqui é preciso distinguir, ter presente as
devidas atenuantes. Normalmente com incesto pensa-se em atitudes
libidinosas desregoladas. È sintomático o facto que nos textos
apresentados a problemática do incesto parece por nada percebida nem
ainda menos levantada e denunciada do ponto de vista psicológico
(ekuxo impúbere ou impubescente; velhice avançada do avô) assim
como do ponto de vista ético. E isto é ainda mais paradoxal se se
tem presente que o hábito da ekuxo parece estar em plena contradição
com a biosofia e biosfera matrimonial macua xirima, extremamente
alérgica a quaisquer forma de incesto, sendo um tema fortemente
denunciado e deprecado nas iniciações. Portanto também no
contexto da ekuxo é preciso falar de uma forma especial de incesto,
de incesto em traspas, de incesto mitigado, permissivo, até
recomendado, aconselhado e merecido perante determinadas situações.
Em primeiro lugar parece
ser uma forma permissiva tolerada de incesto, por ser realizada na
terceira ou quarta geração. De facto a ekuxo nunca é uma neta ou
bisneta consaguínea directa da avó, mas uma neta ou bisneta uterina
indirecta de uma sua parente afastada na árvore genealógica.
Em segundo lugar ekuxo
não é norma universal e geral para todos as famílias, mas
aplica-se saltuária, selectiva e oculatamente, onde a vontade
decisional uterina da munna é determinante. Nunca se deveria
esquecer que o estatuto do ekuxo não é devido a iniciativa ou a
bramosia desregolada do avô. Esta instituição vai na verdade à
sua vantagem, mas não é ele que a exige nem ainda menos a pode
pretender ou desejar como seria no caso da poliginia corrente, onde é
o homem que toma a iniciativa, decide o número das mulheres, o
quando, o como e o onde conviver com elas. No caso da ekuxo o
específico está no facto confirmado por todos os pesquisadores que
é a munna de acordo com a sua família uterina que pensa em oferecer
ao avô uma neta ou bisneta como ekuxo.
Além disso, há uma
terceira componente no costume do ekuxo que quebra as coordenadas de
juízos comuns. A ekuxo é um dom, é um prémio, um sinal de
agradecimento não a todos os avós sem distinção, mas só aqueles
avôs que o merecem devido ao seu comportamento impecável a todos os
níveis: doméstico, civil, ético e religioso. Por esta mesma razão
a munna e com ela toda a rede do parentesco uterino não quer perder
o capital positivo que a virilidade do avó demonstrou para com a
família, portanto quer que continue e se concretize na convivência
aditiva com a neta ou bisneta. Esta convivência muitas vezes
consiste em substituir a munna nas tarefas domésticas como ir buscar
água, preparar comida, mas pode chegar ou pelo menos no passado era
norma chegar também a ser convivência íntima e gerar filhos, e
tudo isto visto e julgado ainda hoje não eharamu/tabu, mas
ehalali/bem, isto é, uma norma boa, sã que os antepassados com a
ajuda de Deus e dos espíritos encontraram para a vida abundante da
família alargada uterina.
Ekuxo ti ephome enyowani ya etthoko
Ekuxo mukuso/nlutte na wothelani.
Ekuxó é sangue novo da família
Ekuxó é a cerca/fio no casamento.
Em quarto lugar a ekuxo é uma norma
que admite/tolera ligações consanguíneas, mas não se trata de uma
norma pública, mas doméstica, secreta, íntima e privadamente
combinada e realizada no horizonte uterino da família alargada, como
o confirmam também as várias denominações que a ekuxo recebe :
etxela va/mpani; ethelela va/mpwani, mwakhalaka va/mpani.
Ekuxo enavahaniwa mwapilili.
Ekuxo dá-se em segredo/na privacidade.
Em quinto lugar, a ekuxo
é um habito assistencial que a família alargada aplica em favor da
avó e do avô, uma espécie de reforma xirima ou algo que pode fazer
lembrar um substituto dos centros/asilos ocidentais de assistência
aos velhos, tendo presente que a avó e o avô graças a Deus na
biosofia e biosfera xirima continuam ainda ser no ambiente rural as
duas colunas principais da família alargada, para as quais todos os
membros uterinos reservam todo o respeito e veneração até chegar a
tolerar uma brecha totalmente particular na ética (incesto tolerado)
em favor dos avós .
Mpuwa mwa makholo ahu ekuxo ti
osamariwa
mulopwana ni muthiyana a murima worera.
Segundo os nossos antepassados
a ekuxo é o cuidado para os avós de
bom coração.
7- Desaparecimento do costume da
ekuxo
Afirma-se que o estatuto
da ekuxo desapareceu em ambiente urbano e suburbano quase totalmente,
enquanto que no ambiente rural está desaparecendo lentamente.
Alega-se como prima motivação o facto de ter sido uma brecha
permissiva no tecido ético em contraste com a biosofia e biosfera
xirima, declaradamente exógama e alérgica a todas as formas
incestuosas. Outra motivação é vista na forte luta aos casamentos
prematuros promovida pelo Governo Moçambicano desde a sua
independência. Outros vêem a causa do desaparecimento da
instituição da ekuxo a partir da evangelização. Por ser
poligínico e incestoso, desde os inícios a acção missionária
considerou o costume da ekuxo contrário à ética cristã e às
normas mais elementares da psicologia e da antropologia. Os
pesquisadores e as pessoas intervistadas pelo contrário enumeram
como primeira e verdadeira causa do desaparecimento do estatuto da
ekuxo a mudança do estatuto da família. De alargada está a se
tornar sempre uma família restrita, limitada, egotrópica, monádica,
de maneira que o costume da ekuxo não teria mais alguns sentidos.
Wa mahiku olelo ekuxo yomala mwaha wa
maveho,
mahiku olelo itthoko khasinalipa
asithiyana khanakhulela mukhalelo wa
ekuxo.
Nestes dias o hábito da ekuxo já
acabou devido aos abusos,
além disso a família actual é fraca
e por fim a mulher hoje não aceita
mais o costume da ekuxo.
8- A avaliação positiva do
estatuto da ekuxo
Embora seja algo de superado, numa
visão retrospectiva, ainda hoje a instituição da ekuxo recebe uma
avaliação global positiva.
Mpuwa mwa makholo ekuxo kahiyene
yottheka
nari khenùliwa muru (eharamu),
nto ti etthu yorera (ehalali).
De acordo com os antepassados
a norma da ekuxo não é pecado,
nem é vergonhosa como fosse eharamu,
mas é uma boa instituição como
ehalali.
Mpuwa mwa makholo ahu ekuxo
ti osamariwa mulopwana
ni mulopwana a murima worera
Segundo os nossos antepassados o
estatuto da ekuxo
é amor/cuidado da mulher de bom
coração para com o marido.
Makholo ahu khayapanka itthu
piswapiswa.
yànasuwela etthu yeraya ni ekuxo.
sa ekuxo wari wasasa olipiha etthoko,
wari yovaha ya vatthokoni mwa
osivelana.
sothesene seiya opattuxa Muluku.
Nisuweleke othanla yorera ni yonanara.
Othanla etthu yorera elapo t`enèttaya
nnene.
Os nossos antepassados não faziam nada
à toa,
sabiam o que faziam com a norma da
ekuxo,
tratava-se de consolidar o casamento,
era um dom de amor aos casais/avós,
tudo isto é Deus que gerou.
Devemos saber escolher entre o bem e o
mal,
é a escolha do bem que faz prosperar a
pátria.
Ekuxo orera okhalano,
o erwiye ni makholo Onamuli.
ti enenero ya ikuru ni miruku sa
makholo ahu.
È bem ter/receber a ekuxo,
esta norma veio dos antepassados do
Namuli,
é sinal da força e sabedoria deles.
Ekuxo khenanara: oruha exariya vate.
A norma ekuxo não é má, trouxe
justiça no lar.
9- Ekuxo e fé cristã:
críticas e transposições
Em primeiro lugar
salienta-se que a fé bíblica cristã não pode aceitar o estatuto
da ekuxo tendo em consideração os óbvios inconvenientes
psicológicos e biológicos, como imaturidade da menina e a idade
avançada dos avós.
Mwekristuni ekuxo ti yottheka
etokotoko,
niwoko muthiyana onnatheliwa ahùnnunwe.
Ekereja khenahakalala womòna mwarusi
atheliwaka ni mulopwana mutokwene.
Yesu kharwenle omaliha, nto okwanihera.
Ti worera otthara mukhalelo wa
mukereja.
No cristianismo o hábito da ekuxo é
grave pecado,
porque a menina é casada
prematuramente.
A Igreja não se alegra ao ver a
rapariga
a ser casada por um homem velho.
Jesus não veio para acabar mas para
completar,
é bom seguir a norma da Igreja.
Nawehá nnene ekuxo nari nihasu na
muthiyana
athelihiwa ayevalene/ohikhanle esinku
awe.
Se repararmos bem no costume da Ekuxo
era castigar a menina a casar-se
prematuramente.
Mwekristuni ekuxo khenatthuneya
niwoko mwali khanasuwela otheliwa wa
phama.
Mulopwana mutokwene omuthela mwali,
khanìwanana phama sene.
No cristianismo não se aceita o
costume da Ekuxo
porque a menina não sabe como casar
bem.
O homem velho casando uma rapariga,
não se intende bem com ela.
Ekuxo khenneneva
niwoko etheliwe ni ephome yowoluvala.
A ekuxo não engorda, pois se casou com
sangue velho.
Ekuxo enùnnuwa ntoko ekwasuni nari
epottha,
khenahakalala enavaraya muteko.
A neta cresce como uma órfã/escrava,
não se alegra com o seu trabalho.
Por outro lado, o
pesquisador xirima cristão vê na instituição da ekuxo uma imagens
do casamento canónico, onde os parceiros são considerados um dom
dos recíprocos parentes para que vivam sempre (khuluwi) juntos como
acontecia com a ekuxo.
Mwekristuni ekuxo ti nsakramenti
nothela
amusi annàvahera ekuxo amunna ni tho
atata a vate,
wera ekhale vamosá khuluwi.
Adamu àvahiwa Eva
wera akhale mwariye mpaka okhwa.
Mulopwana ahakalale ni mwariye mmosã
ovahiwaiye ni Muluku.
No cristianismo a norma da Ekuxo é o
matrimónio canónico:
os parentes doam- aos avós a ekuxo
para que vivam juntos para sempre.
Adão recebeu Eva para ser a sua esposa
até à morte.
O homem alegre-se com a sua única
mulher que Deus lhe deu.
Maxukureliwo ni ekuxo ni siso
makhottihiriwo ovinya
t'onthuneya otthuka okwatti.
A forma de o avô ser agradecido com a
ekuxo
e assim ser impedido de sair da casa
é querer o matrimónio canónico.
A transmissão da palavra
de Deus de geração em geração é para o pesquisador cristão
comparável ao costume da ekuxo oferecida aos avós numa troca e
continuidade de vida. Assim fazendo a ekuxo se torna anel de
conjunção genealógico da terceira/quarta geração com a geracão
dos avós e ao mesmo tempo o inverso. Com a entrega da ekuxo os avós
fazem um salto à frente de três/quatros gerações, e a ekuxo um
salto atrás de três/quatro gerações.
Mwekristuni masu a Muluku
anohiyeraniwa ntoko ekuxo.
No cristianismo a palavra de Deus
entrega-se sucessivamente como a ekuxo.
Outras aplicações ou
transposições fazem força sobre o aspecto do estatuto da ekuxo
visto como dom, remuneração, prémio devido a comportamento
positivo do avô.
Ekuxo Mulukú:
enavekiwa/envaheriwa murima worera.
A ekuxo é como receber um dom de Deus:
pede-se/recebe-se pelo bom coração.
Mwekristni ekuxo ti owela wirimu
w`apwiya.
Mwekristuni ekuxo ti ovuwihiwa wa Yesu
wirimu
No cristianismo o habito da ekuxo
considerado como prémio/reconhecimento
é comparável à ascensão ao céu de
Jesus.
Mwekristu ekuxo ti owela wirimu wa
Maria.
No cristianismo o costume da ekuxo
considerado como remuneração
é comparável à assunção de Maria.
Mwekristuni ekuxo
ti ottottopeliwa wa Muluku ni muloko
awe.
No cristianismo a norma da ekuxo
considerada como gratificação/oferta
é comparável à glorificação que o
povo tributa a Deus.
Por fim, sendo a biosofia
e biosfera xirima não sexista, não recua em formular transposições
totalmente inauditas que poderiam soar ofensivas e irriverentes aos
ouvidos de outras culturas. Jesus como a sua mãe, Maria, recebem o
paradigma da ekuxo, quando se salienta a entrega e imolação deles
da parte de Deus para o povo cristão/para a Igreja.
Ekuxo eri ntoko Yesu
òvaheriwa ni Muluku ohuser’awe/ekereja
awe.
A ekuxo é como Jesus na eucaristia
oferecido por Deus aos seus
discípulos/à Igreja.
Mwekristuni ekuxo t’okaristya
Para o cristão a ekuxo é a
eucaristia.
Maria ekuxo òvahereriwa ni Muluku
atthu othene.
Maria é a ekuxo oferecida por Deus
para toda a gente.
10- Avaliação final
Ao longo da análise do
estatuto da ekuxo foi possível conhecer a sua instituição só
parcialmente, sector por sector. Impõe-se agora a tarefa de avaliar
o estatuto da ekuxo numa perspectiva global. Isto é viável vendo o
estatuto do ekuxo, a sua génese e a sua justificação do ponto de
vista da biosofia e biosfera xirima à luz filtrada de três prismas:
o prisma da nomenclatura do parentesco macua xirima (a ekuxo irmã da
munna), o prisma da ética xirima (ambiguidade e ambivalência das
normas) e o prisma da concepção da pessoa (clánica, solidária,
ego-plural) na biosofia e biosfera xirima. Visto destes três
prismas, o estatuto da ekuxo torna-se compreensível e ao mesmo tempo
faz compreender porque ainda hoje quando o macua xirima fala da ekuxo
em retrospectiva, é-lhe difícil se não impossível considerá-lo
como uma forma negativa, aberrante/eharamu, mas é convicção geral
considerá-lo como um bem/ehalali.
Evidentemente
compreender a génese da ekuxo e os seus elementos motivantes, não
equivale a sua justificação e sua perpetuação na convivência
social actual. Contudo valeu a pena o seu estudo analítico e
objectivo que permite uma avaliação menos superficial e negativa.
Afirma-se que este hábito típico da família alargada desapareceu
nos ambientes urbanos e suburbanos, mas que tacitamente continua
naquele rural sobretudo de religiosidade islâmica. Justamente a luta
do Governo Moçambicano contra os casamentos prematuros ou
improvisados (mas diminuíram ou aumentaram?!) assim como a
evangelização levam por um lado ao desaparecimento do costume da
ekuxo e por outro ao amadurecimento da sua personalidade e dignidade
individual.
Contudo os pontos
cardiais que o estatuto da ekuxo levantava e salientava no passado,
não deveriam ser esquecidos. Viu-se em primeiro lugar que a norma da
ekuxo era uma forma de reforma antiga para com os avós, sobretudo
aqueles merecidos: um costume que procurava de dar assistência aos
avós na velhice, sem esquecer que não se tratava só de um gesto
assistencial, mas com ele salientava a idade dos avós como a idade
da globalidade e da maturidade psicológica, ética e espiritual, a
idade da polaridade vida para morte, morte para vida. Cuidar dos avós
era cuidar em suma dos pilares da psicologia, antropologia, ética e
teologia elementar da biosofia e biosfera xirima. Quem, movido por
motivos filantrópicos ou por motivos ético-religiosos ontem lutou e
hoje se congratula pelo desaparecimento do costume da ekuxo, não
deveria porém esquecer o vazio que este apagamento deixou. Se a
ekuxo ganhou marcas de pessoa, não por isso os avós, por serem
improdutivos, analfabetas, débeis fisicamente, deveriam perdê-la,
ser derrubados do halo de veneração que a biosofia e biosfera
xirima sabia atribuí-lhes e que hoje a modernidade vai triste e
tragicamente descuidando.
Outro ponto que o
estatuto da ekuxo xirima salienta, é o conceito da pessoa e ao mesmo
tempo o conceito da vida e da família numa perspectiva menos
individual e mais plural, menos auto-referencial e mais
etero-referencial, menos monádica e mais sinergética, comunhonial,
convivencial que implica às vezes também imolacão e auto-imolação
para que haja vida e vida em abundância. Significativamente umas das
transposições da ekuxo no registo cristão focaram esta dimensão
da ekuxo transferindo-a sobre a vida imolativa de Jesus e de sua mãe
Maria.
Por fim, o étimo assim
como o conceito da ekuxo (leva, pega, dom, oferta) anuncia um último
aspecto relevante: o saber pegar do próprio e doá-lo/oferecê-lo a
quem o merece, pressupõe que se tem olhos abertos e sensíveis para
ver e reconhecer o bem, a generosidade, a honestidade alheia. Quando
uma biosofia e biosfera cultural como aquela macua xirima, chega a
ter esta sensibilidade em dar e doar porque recebeu, ninguém pode
duvidar da sua bondade, é eucarística de inspiração e aspiração,
como um dos pesquisadores com razão quis salientar.
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