Ekhaikhai ni murima wa
Mutiki
ti ekhaikhai ni murima
wa Muluku
A verdade e o
coração da cegonha
é a verdade e o
coração de Deus
Introdução
Sempre impressiona ouvir
a ousadia deste aforismo da biosofia e biosfera xirima, bem balançado
na composição e no seu conteúdo dogmático. Mas embora o axioma
seja de compreensão transparente na tradução portuguesa, ao fim e
ao cabo não se sabe o que o xirima pretende dizer falando da verdade
e do coração da cegonha em comparação a Deus, sendo ambos os
termos tão conhecidos e tão genéricos.
Durante a pesquisa por
encontrar a chave explicativa mais exaustiva, lembrei-me de um
pormenor numa das vezes em que participei numa iniciação masculina.
O mestre tinha apanhado uma ave e mostrava-a com orgulho aos
iniciandos e aos padrinhos gritando palavras naquela altura para mim
incompreensíveis. Perguntei porém o nome daquela ave e disseram-me
que se chamava Mutiki (variantes: natxiki, napipi, mphipi 3, naxekwa:
cegonha parda). No fim da iniciação, quando se queima a palhota da
iniciação, ouvi novamente pronunciar o nome de Mutiki. Era o mestre
da iniciação junto com os iniciados do ano passado (amole) que ao
queimar a palhota e ao se despedir dela, gritavam aos neoiniciados:
Mutiki moro: Cegonha fogo, convidando-os a deixar aquela zona liminal
sem hesitação e sem olhar para atrás por nenhum motivo. Ajudado
por estes pormenores iniciais continuei a pesquisa acerca da cegonha
Mutiki. Agora apresento uma breve síntese das composições que me
entregaram os pesquisadores do Centro.
1- Descrição da Mutiki/Cegonha
parda
1.1
Aspectos biológicos e habitat da cegonha
Para descobrir e
entender a riqueza patente e latente do axioma em estudo é
necessário conhecer primeiramente os aspectos biográficos da
Mutiki. É uma ave da família das cegonhas pardas, com as típicas
características das cegonhas: pescoço e pernas cumpridas e
delgadas, um corpo leve e asas ricas de plumas compridas pardas. O
seu habitat é a zona fluvial com lagoas. É uma ave silenciosa,
tranquila, gosta da sua privacidade, humilde e pudica. Por isso é
muito respeitada e normalmente não é caçada. È ave nocturna que
passa nas aldeias em visita, enquanto que de dia passa horas e horas
com cabeça reclinada sempre no mesmo lugar à espera de peixe, mas a
biosofia e biosfera xirima interpretam que está a pensar e a
reflectir imóbil e solene como um monte. Por ser ave nocturna
pensa-se que se permuta às vezes em ave maléfica usada pelos
feiticeiros para acções maléficas.
Mutiki mwapalame
orakama exiko ni metto siyenvene.
A cegonha é uma ave
de pescoço e de pernas compridas e
finas.
Mutiki onnìttittimiha,
marankhu awe khanòneya,
ni khanòneya veli veli omokoni,
khanapanka itthu sawe vanlakani.
A cegonha respeita-se a si mesma,
os seus excrementos não são visíveis,
e não se vê muitas vezes nos
arredores,
não realiza as suas coisas à vista.
Mutiki onnaviravira mmawani atthu
ekonaka.
Othana onnètta mulusi àsaka ihopa.
A cegonha passa pelas aldeias
enquanto as pessoas estão a dormir,
de dia anda nos rios procurando peixe.
Murima ni ekhaikhai ya mutiki khavo
onasuwela.
Ixiri sa mutiki khavo onasuwelaxa.
Makholo ahu ti yasuwenle miruku sa
mutiki.
Murima ni ekhaikhai ya mutiki
khenamala.
Ninguém conhece o coração e a
verdade da cegonha.
Ninguém conhece completamente
os segredos/mistérios da cegonha,
os nossos antepassados os conheciam,
o coração e a verdade da cegonha não
se esgotam.
Mutiki ti owiyeviha, owinanela,
owisumaliha,
marankhu awe khanòneya vathi,
khanèttela miruku sa hukula
(ohitthimakaxa),
khanatthimakiha murima.
A cegonha é humilde,
abstinente/sóbria, pudica,
os seus excrementos não se vêem no
chão,
não segue os conselhos do coelho
(correr veloz),
não faz abanar o coração.
Mutiki mwapalame owùramiha muru awe,
niwoko na makeya orinaiye (olukhu).
A cegonha é uma ave que abaixa a sua
cabeça
por causa da Makeya que tem (iniciação
masculina).
Wamònaka mutiki,
onèra khanavara muteko (olukhu).
Ao observares a cegonha,
dizes que não trabalha (iniciação
masculina).
Murima wa mutiki wophwaha mwako:
wupuwelaxa.
O coração da cegonha ultrapassa o
monte:
pensa muito.
Mutiki t`otthuneyaxa niwoko na orera
murima.
Mutiki kharino owali,
ti mwapalame onètta ni murettele
Mutiki khammaniwa ni asikhw`awe.
A cegonha é amável por ser bondosa,
não tem zanga, é pacífica,
nunca é batida pelas aves suas
colegas.
Mutiki orikarika omwìva.
Custa matar a cegonha,
Vanihiku Mutiki mwapalame òkoha
onètta ohiyu musalani vamosá ni
mukhwiri,
miteko sawe ti s’epiphi ni s’atthu
òwuma murima .
Às vezes a cegonha é feiticeira
anda de noite nas lixeiras com o
feiticeiro,
os seus trabalhos são de trevas e de
gente má.
1.2 Mutiki ni yotxa awe
A comida da cegonha
Vários textos falam de
como a cegonha toma a comida. Não recolhe qualquer comida, é ela
mesmo que a procura e a escolhe exclusivamente no reino aquático,
conforme Deus lha concede. Conforme a sua natureza calma, come sem
pressa. Normalmente não se mata devido as componentes semânticas
que lhe são próprias e que serão apresentadas nos próximos
pontos.
Mutiki khanatxa yottotta,
khanàseriwa yotxa, koma onimwìsasera.
A cegonha não come coisas apanhadas,
não se lhe procura comida,
mas a procura ela mesma.
Mutiki khanamukhura rottomwa, ehopa
ònaka.
A cegonha não come bicho malcheiroso,
vendo o peixe.
Mutiki onakhura itthu sa mmahini pahi.
A cegonha come só as coisas
que se encontram na água.
Mutiki khanakuviha otxa.
A cegonha não tem pressa em comer.
Yotxa ya mutiki ovahiwe ni Muluku
(olukhu).
A comida da cegonha é-lhe dada por
Deus
(na iniciação come-se o que se
encontra no mato).
Mutiki khanìkhupanyera ntthiya nimosa,
avolowá mmahini onnòva nikhupa,
ovekela onèra:
ananikhupa, muhikìntake mwetto,
kinàsa ottokwattiru.
A cegonha não se queixa numa única
lagoa,
entrando na água tem medo do
peixe-pente,
reza/implora assim dizendo:
peixe-pente, não me partes a perna,
procuro peixinhos só.
Womeserani wamphwanya mutiki,
wohimuveiha: oruha otapana.
Mutiki khanakhuriwa murima.
Na pesca se encontrares a cegonha,
não deves desprezá-la: traz azar.
O coração da cegonha não se come.
- Mutiki emp’awe
- Casa da cegonha
O que chama mais a
atenção da biosofia e biosfera xirima quando fala da cegonha, é a
sua casa. Os textos dos pesquisadores raramente falam de epuru/ninho,
como é normal dizer quando se fala de aves, mas preferem falar mais
frequentemente de empa, isto é, de casa: é um pormenor muito
importante que atraiçoa a semântica metafórica que rodeia esta
ave.
Em primeiro lugar
afirma-se que a Mutiki pede ajuda para ter casa. Na verdade é
ajudada por todas as aves. Elas sabem que a cegonha gosta de viver em
zona fluvial e lagonal, é mesmo aí que a Mutiki recebe a sua casa,
o seu ninho, pois toda a sua existência é aquática. Normalmente
é-lhe construída a casa numa árvore suficientemente acima do nível
da água do rio e isolada.
Agora o interessante da
casa é que é construída na estação da seca, num só dia e
precisamente numa só noite, ou seja, no tempo de Deus Namuli e dos
seus intermediários, no tempo dos segredos e dos mistérios da vida.
Nenhuma pessoa ousa afirmar ter acompanhado de dia a construção da
casa da cegonha. Passando de dia, o xirima encontra-a sempre já bem
concluída. È portanto uma casa nocturna, sagrada e namúlica.
Outro pormenor
importante vem do facto de a biosofia e biosfera xirima afirmarem que
são as aves, colegas da cegonha, que se prontificam a construir-lhe
a casa com pauzinhos, com capim, rebocando-a como se fosse uma
habitação da pessoa ou o alpendre do rei ou a campa dos grandes.
Resulta uma casa forte e suficientemente robusta para ser defendida
da ventania forte e com a porta a olhar o nascer do sol, resulta por
fim uma casa semelhante ao cone da makeya ou à casa tradicional
redonda (thokola: mini-namuli doméstico). A cegonha não a suja com
os seus excrementos nem dentro nem no chão, cuida maternalmente da
cria, ficando sempre perto dela, procurando farrapos da gente, de
esteiras velhas ou do cemitério, de maneira que o seu habitat é
ainda mais respeitado como lugar misterioso e sagrado, não só pelas
aves que consideram a cegonha a matriarca delas, mas também por
outros animais. A águia e as cobras evitam de passar por lá, não é
o habitat do crocodilo, dos invejosos e dos malvados.
Mukikhavihere: èrale mutiki ahawelaka
empa.
Ajudem-me: disse a cegonha precisando
de casa.
Mutiki t`òwinanela otekeliwa wa
emp`awe.
A cegonha é abstinente
para que lhe seja construída a casa.
Mutiki khanateka empa mekhaiye:
onokhavihiwa.
A cegonha não constrói a casa
sozinha: é ajudada.
Empa ya mutiki ennakhala mukhitte
mulusi:
orirya murima (olukhu).
A casa da cegonha fica perto do rio
para arrefecer o coração (iniciação
masculina).
Vavo enakhalaya’vo empa ya mutiki,
mahi khanaphiya’vo.
Ao nível onde está a casa da cegonha
a água não chega.
Empa ya mutiki khenatekiwa vorakamela
moloko,
ennakhala mukhitte ntthiya,
ekumi awe ennètta ni mahi.
A casa da cegonha não se constrói
distante do rio,
fica perto duma lagoa,
conduz uma existência aquática.
Emp’awe ennatekiwa
mmwirini mutokwene ohinaviraviriwa.
A casa da cegonha está numa árvore
alta isolada.
Nipuro enapakiwaya empa ya mutiki
epheyo yowali khenavira.
Empa ya mutiki khenathamuliwa ni
yupuru,
khenànyuliwa ni yupuru.
Onde se faz a casa da cegonha,
o vento forte não passa.
A casa da cegonha não é destruída
nem cortada pelo remoinho.
Epuru ya mutiki khenòneya entekiwaka
(olukhu).
O ninho da cegonha não se vê quando
se constrói.
(iniciaçãomasculina)
Mutiki khanapankeliwa empa eyita,
nto onapankeliwa elimwe.
À cegonha não se faz a casa no tempo
chuvoso.
mas no verão (iniciação masculina).
Makholo annèra: mutiki khanateka empa
mekhaiye, mene onotekeliwa
ohiyu, nihiku nimosa pahi, ni asipalame
antxipale:
kula mwapalame onnaruha
mikuryo sokhapurini nari malalo nari
nlaxi ni nlaxi
ophiyera omala empa ya mutiki,
ekulukutthaka/esirinkaka mpani tho wera
ehirupe.
Os velhos afirmam:
a cegonha não constrói a casa
sozinha,
mas é-lhe construída,
de noite, num só dia, por muitas aves,
cada ave traz pauzinhos recolhidos no
cemitério
ou folhas ou pedaços de capim
até acabar de construir a casa
rebocando-a dentro também para que não
pingue.
Empa ya mutiki khavo ophwanyale
etekiwaka,
onapankiwa ohiyu ni exiri.
Asipalame antxipale annateka emp’ awe
wona wi mutiki ti pwiyamwen’aya.
Ninguém encontrou a cegonha a fazer
casa,
constrói-se no segredo/mistério da
noite.
Muitas aves constroem a sua casa
por ser a cegonha a matriarca delas.
Ipalame sothene sinamuweha mutiki
ntoko pwiyamwene ni mwen’aya.
Empa ya mutiki khenatekiwa
ipalame sihìwananne.
Wiwanana orwiye ni mutiki (olukhu).
Todas as aves reparam na cegonha
como matriarca e rainha delas.
A casa da cegonha não se constrói
sem o acordo entre as aves.
A concórdia veio com a cegonha.
(iniciação masculina)
Empa ya mutiki enattittimihiwa ntoko ya
pwiyamwene.
A casa da cegonha respeita-se como a da
matriarca.
Empa ya mutiki khenapankiwa othana
niwoko othana kheyawo exiri (olukhu).
A casa da cegonha não se constrói de
dia
porque de dia não há
segredos/mistérios.
(iniciação masculina)
Mwana a mutthu khanakona empa ya
mutiki.
ti ntoko empa ya okhapurini:
khenathelihiwa.
A criança da pessoa não dorme na casa
da cegonha,
é como uma casa no cemitério, onde
não se brinca.
Mutiki khanavavaxa ottai wa an’awe
khanatthuwala an’awe, onnàwehaweha
an`awe.
khanakhulumuwa wàtxiha axan`awe,
Mutiki onnakuxa mattapwatta, ahòniwaka
n’atthu,
Anamwane awe annakonela mattapwatta
yale.
A cegonha não voa muito longe da sua
cria,
não esquece os seus pintos, mas cuida
deles,
não se cansa de os alimentar.
Sem ser vista, leva os farrapos das
pessoas,
e os seus pintos usam-os para dormir.
Xaka khanalamula empa ya mutiki:
onimòva.
A águia não manda na casa da cegonha:
tem medo.
Nipuro etekiwaya empa ya mutiki
khenavira enowa: enimokhwa.
No lugar onde se constrói a casa da
cegonha,
não passa a cobra: morre.
Mutiki khanavira ntthiya na ikonya,
khanémela ntthiya nowixa.
A cegonha não passa pela lagoa dos
crocodilos,
não pára na lagoa funda.
Vari empa ya mutiki, khanaphiya
ananrima.
Mutiki khanatthuna anamilili.
Onde está a casa da cegonha,
não chegam os invejosos.
A cegonha não quer os avarentos.
Empa ya mutiki khenaviriwa vakhiviru:
enottittimihiwa ntoko ekhapuri ya
mamwene.~
Empa ya mutiki enasirikiwa
ntoko muttheko a mwene.
Da casa da cegonha não se passa perto:
respeita-se como as campas do rei.
A casa da cegonha é rebocada
como o alpendre do rei.
Empa ya mutiki enatthunyeliwa
ntoko yele ya mutthu.
A casa da cegonha cobre-se como a da
pessoa.
Empa ya mutiki enatekiwa
mwa enenero ya makeya nari thokola,
niwoko na omwene orinaye
ti wa omuluku w’asipalame.
A casa da cegonha é construída
em sinal da makeya ou como a casa
redonda,
pois o seu reino é sagrado para as
aves.
Muluku erimarim’awe eri ntoko empa ya
mutiki,
niwoko etthomela ya Muluku.
A essência de Deus é como a casa da
cegonha,
porque é a fontanela de Deus.
Empa ya mutiki mulako
onaweha nnakhuma nsuwa (olukhu).
A porta da casa da cegonha olha
para onde sai o sol (iniciação
masculina).
2- Semântica metafórica da cegonha
2.1 Mutiki pwiyamwene ni mwene
A cegonha metáfora da autoridade
tradicional
O aforismo em questão
fala da verdade e do coração da cegonha em relação a Deus. Mas
isto pressupõe o prévio relacionamento da cegonha para com a
biosofia e biosfera xirima na sua fenomenologia diária e cultural.
Nos textos precedentes já se anteciparam alguns aspectos semânticos
da cegonha. Ela é o ícone que patenteia a estrutura político-civil
da vida xirima, é metáfora protótipa e típica da matriarca e do
rei duma aldeia. Tudo o que se afirma acerca do coração e da
verdade da cegonha, pode ser desvelado e aplicado à vida e ao
comportamento da autoridade tradicional, em particular àquela da
matriarca. É ela o coração e a verdade da aldeia, é a mãe que
cuida e alimenta os seus habitantes, é a garante da harmonia e da
paz entre o seu povo, por isso é-lhe construída a casa, é apoiada
em tudo o que ela precisa pelo seu povo.
Ekhalelo ya mutiki
ti ya opwiyamwene ni ya omwene.
O comportamento da cegonha é o da
matriarca e do rei.
Mutiki ori pwiyamwene a apalame othene
ni onnattittimiha yawo othene.
A cegonha é a matriarca de todas as
aves
e ela respeita a todas.
Empa ya mutiki ennatekiwa ni apalame
antxipale,
Empa ya pwiyamwene/mwene
ennatekiwa ni atthu antxipale.
A casa da cegonha é construída por
muitas aves
A casa da matriarca e do rei
é construída com/por muitas pessoa.
Opwiyamwene wa mutiki ovahiwe ni
Muluku.
Opwiyamwene wa mutiki wòphiya wirimu.
Opwiyamwene wa mutiki khonakhulaniwa.
O matriarcado da cegonha é um dom de
Deus.
O matriarcado da cegonha chegou no Céu.
O matriarcado da cegonha não se
discute.
Mutiki regulé: èttaka khanatthimaka
ntoko hukula.
A cegonha é como o régule:
andando não corre como o coelho.
2.2 Mutiki moro olukhu
A cegonha metàfora da iniciação
Outro aspecto semântico
importante da cegonha é algo que os pesquisadores esqueceram
completamente. Questionados acerca da presença da Mutiki no começo
da iniciação e na parte terminal, deram respostas evasivas e
inconclusivas. Por isso não larguei a pista, sabendo instintivamente
que de baixo estava a chocar/incubar algo de importante. Na verdade
reflectindo intensamente sobre o que tinha visto na iniciação
mencionada no começo, espontaneamente compreendi a motivação
principal da presença da Mutiki na iniciação quer no momento
inicial quer naquele final. Analisemos os vários momentos
metafóricos da Mutiki durante a iniciação.
1- No momento inicial o
mestre tendo nas mãos a Mutiki e mostrando-a aos iniciandos,
comunica-lhes que estão entrando no reino fluvial e aquático da
cegonha, ocupam o seu horizonte, praticamente eles se tornam por um
lado a encarnação da Mutiki e por outro assumem a Mutiki como
metáfora de todo o rito. De facto, também deste ponto de vista como
se viu para com a autoridade tradicional, tudo o que se diz da Mutiki
pode ser aplicado aos vários momentos da iniciação masculina.
Esta, à diferença da feminina, inicia, desenvolve e acaba sempre em
zona fluvial e aquática ou em zona húmida das baixas e charcos. Os
iniciandos para renascer à maturidade, latente ou patentemente têm
que regressar à água/líquido uterino, ao seio matriarcal da
Mutiki, passar uns dias completamente despidos, sem tomar banho, pois
estão no útero materno, deitado no chão a curar a ferida do
prepúcio em posição semi-uterina. Além de regressar ao
útero/lagoa materna, a água que flui e leva tudo para baixo até
desaguar no mar é outra imagem metafórica para os iniciandos
entregarem-se ao fluido da tradição que leva embora o passado, a
infância e, ao mesmo tempo, dá energia para chegar à maturidade
viril. Por isso, já a partir do momento inicial do rito da
iniciação, eles tem que assumir o paradigma da Mutiki, ser tratados
ou assumir o comportamento da Mutiki.
2- Como a cegonha, assim
também os iniciandos recebem várias casas/cabanas que os padrinhos
e os iniciados do ano passado (amole) lhes constroem. Todas estas
cabanas como a da Mutiki, estão perto do rio, sempre na vertente
alta e segura da corrente forte do rio e com a porta a olhar o nascer
do sol. Como embriões no útero da Mutiki, os iniciandos não se
distinguem no tratamento da matriarca Mutiki.
3- Tal como a cegonha
recebe a casa no tempo da seca, assim os iniciandos entram no rito da
iniciação no tempo da seca (Junho-Setembro) e não no tempo da
chuva (Novembro- Março). No tempo da chuva o xirima deve pensar
exclusivamente em produzir comida nas machambas, enquanto que durante
o tempo da seca tem tempo para descansar dos trabalhos agrícolas,
para rever o passado e reprogramá-lo, em suma, tal como a cegonha,
tem tempo para reflectir e atingir o nível maduro da vida.
4- Tal como a cegonha é
rodeada de segredos e mistérios nocturnos, também os iniciandos
recebem os conselhos mais importantes e são-lhe comunicados os
segredos e mistérios mais centrais na noite, no tempo de Deus Namuli
e dos seus intermediários. Como a cegonha, de dia dedicam-se aos
trabalhos artizanais, às ocupações antropológicas.
5- Tal como a cegonha
passa o dia inteiro de cabeça reclinada com a makeya em cima da
cabeça, assim toda a viagem da iniciação é caracterizada pela
atitude dos iniciandos: todos constantemente de cabeça reclinada
para baixo com a makeya na cabeça a ouvir e interiorizar os
conselhos que lhes são administrados de noite e de dia. Parecem-se
com a cegonha quando não está a fazer nada, a matar o tempo
inutilmente, mas pelo contrário com o seu comportamento humilde,
sóbrio, calmo como o da cegonha, firmes e sólidos como um monte,
estão a semear toda a tradição no seus corações.
6- Tal como a cegonha
come comida especial que lhe vem de Deus e dos espíritos, assim os
iniciandos no mato comem e se alimentam do que o mato dá, isto é,
Deus namúlico e os espíritos fornecem-lhes durante toda a viagem:
pelo menos era assim que acontecia nas iniciações do tempo passado,
quando os iniciandos passavam meses e meses no mato vivendo do que a
caça/Deus lhes forneciam.
7- Tal como o lugar e o
horizonte do habitat da cegonha é sagrado, é temido, é respeitado
e não é frequentado por animais maus e por gente perversa, também
o lugar da iniciação é considerado lugar sagrado, namúlico,
temido e não pode ser frequentado ou perturbado por pessoas alheias.
Praticamente todo o rito
da iniciação recalca todo o horizonte semântico da Mutiki. Merece
por fim uma reflexão o momento final da iniciação onde o mestre
com os iniciados do ano passado (amolle) gritam aos neo-iniciados:
Mutiki, moro!!!
Cegonha, fogo!!!!!
Quando questionados
acerca deste grito, os pesquisadores mostraram-se completamente
desprevenidos e não conseguiram responder. Mas tendo presentes as
analogias até agora enumeradas entre o mundo da Mutiki e a iniciação
masculina, o grito torna-se compreensível. Os iniciados deixam de
vez a cabana da iniciação, o lugar da incubação uterina na zona
fluvial e aquática da Mutiki. Já renasceram ou estão renascendo à
maturidade viril, por isso devem deixar de vez o horizonte semântico
uterino da Mutiki, por isso o mestre com os iniciados do ano passado
queima a casa que foi o andaime provisório dos neoiniciados. Se no
começo da iniciação convidava-os a olhar a Mutiki, a imitar e
identificar-se com ela, agora pelo contrário convida-os a não mais
voltar atrás olhando aquela casa mutíquica, mas ir em frente e
assim enfrentar a maturidade a que foram promovidos onde a Mutiki
verdadeira será a autoridade tradicional, isto é, em modo
particular a matriarca da aldeia que junto com o rei guia a história
e os acontecimentos do povo.
Em síntese, queimando o
mestre por um lado a cabana da iniciação, da maternidade liminal e,
por outro, confirmando com resposta firme os iniciados tal gesto,
enquanto se afastam de lá sem saudade alguma, o mestre como os
neo-iniciados despedem-se definitivamente do mundo da Mutiki
metafórica para se reinserir no horizonte da matriarca, plena
personificação da Mutiki na vida da aldeia.
Um texto aplica o
horizonte semântico metafórico da Mutiki também ao Mirusi, rito
terapêutico que celebra um renovado renascimento do doente na medida
que regressa ao utero materno do jibóia e de lá sai revigorado e
renovado.
Namuku ni amole annakhuwela vohisa
nvera:
Mutiki moro. W. Ohohoh.
O mestre da iniciação com os
iniciados do ano passado
gritam: cegonha, fogo!
Respondem os neo-iniciados: Sim, sim,
sim!!
Empa ya mutiki enlikana ni yele ya
Muluku:
khenaìseliwa moro.
Na casa da cegonha é como aquela de
Deus:
não se lhe acende o fogo.
Empa ya mutiki khenahisiwa: ti mwikho.
Mutthu ahisá empa ya mutiki, ohisale
impa sawe.
A casa da cegonha não se queima: é
tabu.
Se alguém queimar a casa da cegonha,
queimou as suas próprias casas.
Mutiki ti pwiyamwene asipalame othene,
empa ya pwiyamwene khenapahiwa: oruha
evasi.
A cegonha é a matriarca de todas as
aves:
a casa da matriarca não se queima:
traz cegueira.
Mutiki namuku onalaka ipalame sothene.
Namulu a onverani onnálaka alukhu
othene.
A cegonha é a mestra que educa/inicia
todas as aves.
O mestre da iniciação educa todos os
iniciandos.
Mutiki khanavavaxa nari khanatthuna
wattamana.
khanatthuwala, onnàwehaweha an`awe.
A cegonha não voa muito, não gosta de
vizinhança,
não esquece os seus pintos, mas cuida
deles.
Mutiki mwila wa mirusi: olipiha
mukwaha.
A cegonha é o rabo do Mirusi:
fortifica a viagem/cura.
Mukwaha wa mutiki khonakuxiwa poso,
Para a viagem da cegonha (da iniciação
masculina)
não se leva a ração.
Empa ya mutiki enòpiha,
mwanene athamiyene wothe.
A casa da cegonha mete medo
tendo-a a dona já abandonada.
2.3 mutiki ni Muluku
murima ni ekhaikhai ya Muluku
A cegonha coração e verdade de
Deus.
Uma terceira dimensão
da semântica metafórica da Mutiki é teológica. Com riqueza de
textos e de conteúdo é sem dúvida a dimensão mais rica e mais
pregnante de sentido. È simplesmente um enigma inexplicável a rica
produção de textos que os pesquisadores apresentaram falando do
relacionamento da cegonha para com Deus. Praticamente é como ter nas
mãos um manual da teologia da biosofia e biosfera xirima.
Em primeiro lugar, é
típico desta cultura privilegiar os pequenos (a pequenez) como
modelos e paradigmas de inspiração. Os sábios xirima não são o
leão, o elefante, o hipopótamo, o rinoceronte, o crocodilo, mas os
três sábios xirima insuperáveis entre os animais são o coelho, o
cágado e o camaleão. Não é de admirar que no estudo do aforismo
em questão a cegonha resulte como um outro fecundo arquétipo
teológico e antropológico. Também entre a família das aves a
biosofia e biosfera xirima não escolheram aves de grande porte ou de
exímia beleza, mas a cegonha que provoca muitas vezes o sorriso
irónico dos informadores quando começam a falar dela mencionando as
pernas e o pescoço comprido excessivamente delgados. A pequenez, a
fraqueza, a impotência, a brutidão/fealdade é o horizonte
preferencial do teológico que melhor expressa a alteridade
incomensurável de Deus.
Em segundo lugar, a
cegonha é uma ave nocturna, vive no tempo e silêncio nocturno,
recebe e celebra os segredos e os mistérios nocturnos e lunares de
Deus namúlico e dos seus intermediários, cresce e recebe
alimentação de Deus e dos espíritos, portanto conhece e transmite
em transparência o coração, a verdade, os dogmas nocturnos e
lunares de Deus, tornando-se assim o depósito e ao mesmo tempo o
espelho directo da essência transcendental.
Em terceiro lugar, a
biosofia e biosfera assumindo a cegonha como metáfora teológica,
aplica todo o âmbito semântico dela à sua religiosidade e
teologia. O Deus namúlico matriarcal aceita em cheio a
matriarcalidade da cegonha. Como a cegonha é reconhecida como
matriarca por todas as aves, assim Deus é o centro matriarcal de
vida e de atenção cósmica e antropológica. Como a cegonha não
deixa o seu habitat por favorecer e alimentar a sua cria, assim Deus,
matriarca namúlica, cuida de tudo e de todos. Assim Deus é solidal,
sinergético, aceita ser ajudado, aceita a cooperação
transcendental (espíritos, cosmos) e categorial (mutthu/pessoa), é
fundamento de harmonia e de paz.
Em quarto lugar, viu-se
que o matriarcado da cegonha se realiza em zona fluvial e aquática.
Significativamente a chuva não tem só o termo próprio e específico
de epula em xirima, mas dispõe de outros termos como Muluku
mutthulo: Deus que cai. A teologia xirima entrando no horizonte
fluvial e aquático da cegonha ganha portanto dois atributos,
torna-se fluvial e aquática. Deus é por um lado água que garante
a vida, a humidade, a serenidade, assim o horizonte de Deus é
benéfico, positivo, agradável e de penumbra, de frescura nocturna e
lunar e, por outro lado, Deus é rio que leva tudo purificando e
amadurecendo a desaguar no mar da maturidade antropológica.
Viu-se também que, por
ser o habitat da cegonha fluvial e aquático, é por isso
metaforicamente zona liminal por excelência para as iniciações
masculinas. Ao útero materno da cegonha os iniciandos regressam para
renascer à maturidade viril. Assim também deste ponto de vista a
cegonha é paradigma epifánico do Deus namúlico: matriarca e
genearca que gera, educa e leva a maturidade tudo e todos.
Por fim, não podia ser
diferente nem podia mancar, resulta também neste contexto que, como
a cegonha é mater dolorosa, assim o comportamento de Deus na
história cósmica e antropológica é opuheriwa, é ser gozado, é
mater dolorosa universal, nunca numa posição de privilégio, mas
sempre por um lado de escondimento, de humildade, de paucidade e, por
outro, de serviço, de imolação.
Sothene onavaraiye mutiki
onolamuliwa ni Muluku ni tho ni minepa
sawe.
Tudo o que faz a cegonha
é mandada por Deus e pelos seus
espíritos.
Vamutikini, Muluku ohiya ekhaikhai awe,
ekumi yothene ya Muluku eri vamutikini.
Na cegonha Deus deixou a sua verdade,
toda a vida de Deus está nela.
Mutiki oyenve ikatha sawe,
nto ekhalelo awe ti ya Muluku.
A cegonha é delgada de pernas,
mas a sua constituição é de Deus.
Osuwela murima wa mutiki
ti osuwela ekhaikhai ya Muluku.
Conhecer o coração da cegonha
é saber a verdade de Deus.
Mutiki empa awe onateka nihiku nimosá:
Muluku onampattuxa mutthu nihiku nimosá
ni onamwìtthana tho nihiku nimosá.
A cegonha constrói a sua casa num só
dia:
Deus cria a pessoa num só dia
e chama-lhe também num só dia.
Ekhaikhai ennarwela osulú pahi,
Ekhaikhai ya mutiki enolikana ni yele
ya Muluku,
niwoko mutiki empa awe ennakhala osulú
khweli mutiki onnakilathi musuluru.
A verdade vem do alto só:
a verdade da cegonha é como a de Deus,
porque a sua casa está lá no alto,
sim, a cegonha reside só no alto,
Mutiki murima wa Muluku:
niwoko onalamuliwa ni Muluku mwa
sothesene,
emp`awe khanateka mekhaiye ntoko
Muluku,
empa awe ti ya ixiri /mikho ntoko ya
Muluku.
khanalokotthiwa ntoko Muluku
khanapanka itthu sawe vanlakani ntoko
Muluku.
A cegonha é o coração de Deus
pois é mandada por Deus em tudo,
não constrói a casa sozinha como
Deus,
a sua casa é de segredos/tabus como a
de Deus,
não se pode enganar como Deus
não faz nada à vista como Deus.
Makholo annèra: mutiki muhinvehe
niwoko ti ekhaikhai ya Muluku.
vakhwiye mutiki,
yòmora`vo ekhaikhai ya Muluku.
Os antepassados afirmam: não abuses da
cegonha,
porque é a verdade de Deus.
onde ela morreu, lá caiu a verdade de
Deus.
Wammaná mutiki, ommanne Muluku.
Se bates na cegonha, bates em Deus.
Sothene sinùlummwa sa mutiki, siri sa
Muluku.
Mutiki ti mwapalame onùpuxera sa
Muluku.
Tudo o que se diz da cegonha, é fala
de Deus.
A cegonha é a ave que faz lembrar o
teológico.
Mutiki nitho na Muluku:
vanwehaiye Muluku, mutiki ori vavo.
A cegonha é o olho de Deus:
onde repara Deus, lá está a cegonha.
Mutiki wisumaliha ntoko Muluku:
orovahiwa ni Muluku.
A cegonha é pudica como Deus:
é uma atitude recebida por Deus.
Muluku khanakhulumuwa onalamulaiye
mutiki.
Winla wa mutiki Muluku wakuva wiwa.
Deus não se cansa por aquilo que manda
a cegonha,
escuta logo o choro dela.
Namwi mutiki oroyevaru, Muluku onvaha
omwene
niwoko na murim’awe worera.
Embora a cegonha seja delgada,
Deus lhe deu a chefia por ter um bom
coração.
Mutiki Muluku:
khanakhulumuwa wàtxiha axan`awe.
A cegonha é como Deus:
não se cansa de alimentar os seus
pintainhos.
Mutiki Muluku: khanàseriwa yotxa.
A cegonha é como Deus:
não se lhe procura comida.
Mutiki kaporo a Muluku,
niwoko àhàkhulela ohawa,
ti murumeyi a Muluku, ti nlaika na
Muluku.
A cegonha é escrava de Deus,
porque aceitou de sofrer,
é a serva e a mensageira de Deus.
Mutiki onapuheriwa
ntoko onerihiwaiye Muluku.
A cegonha é gozada, como acontece com
Deus.
Empa ya mutiki ni ya Muluku
khenaìseliwa moro.
Não se acende fogo
na casa da cegonha e naquela de Deus.
Apwiya yàkilela wera:
mutiki ti erimarima ya Muluku:
Muluku erimarim’awe eri ntoko empa ya
mutiki,
niwoko etthomela ya Muluku.
O avô disse- me que a cegonha é a
essência de Deus,
que é como a casa da cegonha,
porque é a fontanela de Deus.
Mutiki onnavaha exariya yothene ya
Muluku.
A cegonha dá toda a justiça de Deus.
Mutiki namalaka a ikano sa Muluku.
A cegonha é a educadora
que dá os conselhos de Deus.
Omuluku mutiki onophwanya nipuro
norera.
Em Deus a cegonha há-de encontrar um
bom lugar.
Murima wa mutiki onlikana ni yole wa
Muluku: olevelela.
O coração da cegonha é como o de
Deus: perdoa.
Mutiki Mulukú: kharino nthalu.
A cegonha é como o Deus: não tem
preferências.
Mutiki onnùnnuwa ni malaika a Muluku.
A cegonha cresce com os anjos de Deus.
3 Mutiki ni ekristu
A cegonha e a fé cristã
Entrando no âmbito
cristão, o axioma em estudo, encontra logo calorosa recepção. A
semântica metafórica da cegonha assume espontaneamente vestes
cristológicas, mariológicas e eclesiológicas.
3.1 Mutiki ni Yesu - A cegonha e
Jesus
Em primeiro lugar, salienta-se a
continuidade relacional entre a cegonha e Deus em Jesus. A
polaridade do aforismo torna-se uma tríade inseparável constituindo
uma única história em Jesus.
Mutiki, Muluku ni Yesu ari murima
mmosa.
Mutiki, Muluku ni Yesu ti makholo a
velaponi.
A cegonha, Deus e Jesus são do mesmo
coração.
A cegonha, Deus e Jesus são os grandes
do mundo.
Ekaikhai ya Yesu eri vamitikini ni
vamulukuni.
Yesu onnatthariha sa Muluku ni sa
mutiki.
A verdade de Jesus está na cegonha e
em Deus,
Jesus segue a teologia da cegonha.
Mutiki t’owìsumaliha, òttittimiha,
a mirirya,
ntoko Muluku ni Yesu.
A cegonha é pudica, respeitosa,
milagrosa
como Deus e Jesus.
Mutiki onnakhaviheriwa sopanaka sawe ni
ipalame
Muluku ànakhaviheriwa khalai ni
minepa
nto vanano vava vantxiplalexa ni
Mwan’awe Yesu,
nomalá Yesu onnakhaviheriwa ni
ohuser’awe.
A cegonha é ajudada nos seus trabalhos
pelas aves,
Deus era antigamente ajudado pelos
espíritos,
mas agora é ajudado especialmente pelo
seu Filho Jesus,
por fim, Jesus é ajudado pelos seus
discípulos..
Em segundo lugar, os
textos dos pesquisadores enfrentam a identidade entre a semântica da
cegonha e a vida de Jesus. Como o reino da cegonha, assim o reino de
Jesus não acaba; como a cegonha, assim Jesus sozinho no Jetzemani
foi socorrido pelo Pai do céu; como a cegonha, também Jesus reza,
implora com todo o respeito e humildade; como a cegonha, também
Jesus é paciente e se imola. A identificação é tal que permite a
alusão à Eucaristia. O cristão xirima chega por fim a fazê-lo
tanto xirima, de maneira que é também Jesus que louva a Mutiki por
seguir os seus mandamentos, por ser a sua apóstola.
Ekhaikhai ya mutiki enlikana ni yele ya
Yesu,
Omwene wa mutiki onlikana ni ole wa
Yesu,
niwoko khenamala.
A verdade da cegonha é como a de
Jesus,
O reino da cegonha é como o de Jesus.
porque nunca acaba.
Mutiki khanatthuna wattamana
èttaka ni ikuru sa Muluku,
ntoko Yesu avariwaiye mekhaiye
èttihiwaka ni ikuru sa Muluku.
A cegonha não precisa da vizinhança,
andando com a força de Deus:
é como Jesus que foi pegue sozinho
mas guiado pela força de Deus.
Yesu Kristu ti mutiki: onnavolowa ni
wova mmahini.
avekaka nlevelelo wa nikhupa.
Tthiri Yesu arene elapo ya vathi
anavekela ntoko mutiki.
Jesus é como a cegonha,
entra na água com medo/respeito
pedindo perdão ao peixe-pente,
Jesus quando estava na terra orava como
a cegonha.
Yesu Kristu okuxale enenero ya mutiki,
niwoko nopixa murima.
t’ovilela mahoxo ni orwenle
murettele.
Jesus Cristo assumiu o paradigma da
cegonha,
por ser ela bondosa. paciente: veio
para paz.
Omukhura mutiki, wakhurale Apwiya Yesu.
Erutthu ya mutiki enlikana ni yele ya
Yesu: khenùntta.
Ao comeres a cegonha, comeste o Senhor
Jesus.
O corpo da cegonha é como o de Jesus:
não apodrece.
Mukwaha wa mutiki khonakuxiwa poso,
onlikana ni yole wa Yesu: poso ti yowo
mwanene.
Para a viagem da cegonha não se leva a
ração,
é como a de Jesus: a ração é ele
mesmo.
Yesu onnamutthapela mutiki
niwoko notthara malamulo awe.
Mutiki murummwa a sothene sa Yesu.
Jesus louva a cegonha
por ela seguir os seus mandamentos.
é a mensageira de todas as coisas de
Jesus.
3.2 Mutiki ni Maria -- A cegonha
e Maria
Como a cegonha, assim
Maria é a verdade de Deus gerando o Filho de Deus, Jesus. Tal como a
cegonha, também Maria é matriarca respeitada e celebrada por todas
as mães. Maria é Mutiki sobretudo no momento da anunciação,
quando aceita o anúncio de Gabriel em submissão silenciosa e
obediente.
Mutiki ori ntoko Maria amay`awe Yesu.
Ekhaikhai ya mutiki ti ya Maria
amay`awe Yesu.
A cegonha é como Maria, a mãe de
Jesus.
A verdade da cegonha é a de Maria, mãe
de Jesus.
Opwiyamwene wa Maria onlikana ni yole
wa mutiki
Maria ti pwiyamwene a athiyana othene
othene aya annavuwiha ni
annattittimiha.
O matriarcado de Maria é como o da
cegonha.
Maria é a matriarca de todas as
mulheres,
todas as louvam e a respeitam.
Mutiki àhàkhulela ovara muteko wa
Muluku
ntoko Maria pwiyamwene.
Ehuhu yele munepa wa Muluku wùlumaya
ni Maria, Maria oromala ùrammene ntoko mutiki.
A cegonha aceitou de fazer a tarefa de
Deus
como Maria matriarca.
Na altura em que o anjo de Deus falava
com ela
ficou calada e de cabo reclinado como a
cegonha.
3.3 Mutiki ni ekereja
A cegonha e a casa da igreja
Os textos salientam
sobretudo a analogia entre a casa da cegonha e a construção da
igreja, abençoada, construída com a cooperação de todos os
cristãos da comunidade, orientada no caminho do sol e fortificada
pelo dízimo.
Empa ya mutiki khevirikanne ni yele ya
ekereja,
niwoko eri yorelihiwa ni mahala a
Muluku.
A casa da cegonha não difere daquela
da igreja,
porque é abençoada pela graça de
Deus.
Empa ya mutiki eri ntoko altari,
niwoko akristu annarukurera ni anakhala
eriyariru.
A casa da cegonha é como o altar,
os cristãos em redor, a altar no meio.
Empa ya mutiki mulako
onaweha nnakhuma nsuwa ntoko ekereja.
A porta da casa da cegonha
olha para onde sai o sol como a
igreja.
Empa ya mutiki ennatekiwa ni asipalame
antxipale,
ekereja tho ennatekiwa ni akristu
othene
enalipihiwa ni edizimu aya.
A casa da cegonha é construída por
muitas aves,
a igreja também é construída por
todos os cristãos,
é fortificada pelo dízimo deles.
Avaliação
O mundo metafórico e
simbólico, se por um lado apresenta aspectos visíveis e tangíveis,
limitados e parciais, por outro urge a alargar o horizonte visual
completando, insinuando o latente transcendental no patente
categorial. È o que se constatou ao analisar o axioma da Mutiki:
devagar e pacientemente desvendou toda a sua riqueza rencóndita a
nível biológico, etnográfico, etnológico, antropológico e
teológico.
Como cada metáfora que
seja tal, assim a Mutiki consegue visualizar toda a biosofia e
biosfera xirima, a sua religiosidade e teologia namúlica matriarcal,
nocturna e lunar, a sua antropologia e sua estrutura social de marca
e proeminência matriarcal.
A autenticidade inocente
e transparente do capital semântico da Mutiki explica a sua entrada
quase trionfal e exuberante no horizonte da fé cristã.
Ekhaikhai ni murima wa
Mutiki
ti ekhaikhai ni murima
wa Muluku
A verdade e o
coração da cegonha
é a verdade e o
coração de Deus
Introdução
Sempre impressiona ouvir
a ousadia deste aforismo da biosofia e biosfera xirima, bem balançado
na composição e no seu conteúdo dogmático. Mas embora o axioma
seja de compreensão transparente na tradução portuguesa, ao fim e
ao cabo não se sabe o que o xirima pretende dizer falando da verdade
e do coração da cegonha em comparação a Deus, sendo ambos os
termos tão conhecidos e tão genéricos.
Durante a pesquisa por
encontrar a chave explicativa mais exaustiva, lembrei-me de um
pormenor numa das vezes em que participei numa iniciação masculina.
O mestre tinha apanhado uma ave e mostrava-a com orgulho aos
iniciandos e aos padrinhos gritando palavras naquela altura para mim
incompreensíveis. Perguntei porém o nome daquela ave e disseram-me
que se chamava Mutiki (variantes: natxiki, napipi, mphipi 3, naxekwa:
cegonha parda). No fim da iniciação, quando se queima a palhota da
iniciação, ouvi novamente pronunciar o nome de Mutiki. Era o mestre
da iniciação junto com os iniciados do ano passado (amole) que ao
queimar a palhota e ao se despedir dela, gritavam aos neoiniciados:
Mutiki moro: Cegonha fogo, convidando-os a deixar aquela zona liminal
sem hesitação e sem olhar para atrás por nenhum motivo. Ajudado
por estes pormenores iniciais continuei a pesquisa acerca da cegonha
Mutiki. Agora apresento uma breve síntese das composições que me
entregaram os pesquisadores do Centro.
1- Descrição da Mutiki/Cegonha
parda
1.1
Aspectos biológicos e habitat da cegonha
Para descobrir e
entender a riqueza patente e latente do axioma em estudo é
necessário conhecer primeiramente os aspectos biográficos da
Mutiki. É uma ave da família das cegonhas pardas, com as típicas
características das cegonhas: pescoço e pernas cumpridas e
delgadas, um corpo leve e asas ricas de plumas compridas pardas. O
seu habitat é a zona fluvial com lagoas. É uma ave silenciosa,
tranquila, gosta da sua privacidade, humilde e pudica. Por isso é
muito respeitada e normalmente não é caçada. È ave nocturna que
passa nas aldeias em visita, enquanto que de dia passa horas e horas
com cabeça reclinada sempre no mesmo lugar à espera de peixe, mas a
biosofia e biosfera xirima interpretam que está a pensar e a
reflectir imóbil e solene como um monte. Por ser ave nocturna
pensa-se que se permuta às vezes em ave maléfica usada pelos
feiticeiros para acções maléficas.
Mutiki mwapalame
orakama exiko ni metto siyenvene.
A cegonha é uma ave
de pescoço e de pernas compridas e
finas.
Mutiki onnìttittimiha,
marankhu awe khanòneya,
ni khanòneya veli veli omokoni,
khanapanka itthu sawe vanlakani.
A cegonha respeita-se a si mesma,
os seus excrementos não são visíveis,
e não se vê muitas vezes nos
arredores,
não realiza as suas coisas à vista.
Mutiki onnaviravira mmawani atthu
ekonaka.
Othana onnètta mulusi àsaka ihopa.
A cegonha passa pelas aldeias
enquanto as pessoas estão a dormir,
de dia anda nos rios procurando peixe.
Murima ni ekhaikhai ya mutiki khavo
onasuwela.
Ixiri sa mutiki khavo onasuwelaxa.
Makholo ahu ti yasuwenle miruku sa
mutiki.
Murima ni ekhaikhai ya mutiki
khenamala.
Ninguém conhece o coração e a
verdade da cegonha.
Ninguém conhece completamente
os segredos/mistérios da cegonha,
os nossos antepassados os conheciam,
o coração e a verdade da cegonha não
se esgotam.
Mutiki ti owiyeviha, owinanela,
owisumaliha,
marankhu awe khanòneya vathi,
khanèttela miruku sa hukula
(ohitthimakaxa),
khanatthimakiha murima.
A cegonha é humilde,
abstinente/sóbria, pudica,
os seus excrementos não se vêem no
chão,
não segue os conselhos do coelho
(correr veloz),
não faz abanar o coração.
Mutiki mwapalame owùramiha muru awe,
niwoko na makeya orinaiye (olukhu).
A cegonha é uma ave que abaixa a sua
cabeça
por causa da Makeya que tem (iniciação
masculina).
Wamònaka mutiki,
onèra khanavara muteko (olukhu).
Ao observares a cegonha,
dizes que não trabalha (iniciação
masculina).
Murima wa mutiki wophwaha mwako:
wupuwelaxa.
O coração da cegonha ultrapassa o
monte:
pensa muito.
Mutiki t`otthuneyaxa niwoko na orera
murima.
Mutiki kharino owali,
ti mwapalame onètta ni murettele
Mutiki khammaniwa ni asikhw`awe.
A cegonha é amável por ser bondosa,
não tem zanga, é pacífica,
nunca é batida pelas aves suas
colegas.
Mutiki orikarika omwìva.
Custa matar a cegonha,
Vanihiku Mutiki mwapalame òkoha
onètta ohiyu musalani vamosá ni
mukhwiri,
miteko sawe ti s’epiphi ni s’atthu
òwuma murima .
Às vezes a cegonha é feiticeira
anda de noite nas lixeiras com o
feiticeiro,
os seus trabalhos são de trevas e de
gente má.
1.2 Mutiki ni yotxa awe
A comida da cegonha
Vários textos falam de
como a cegonha toma a comida. Não recolhe qualquer comida, é ela
mesmo que a procura e a escolhe exclusivamente no reino aquático,
conforme Deus lha concede. Conforme a sua natureza calma, come sem
pressa. Normalmente não se mata devido as componentes semânticas
que lhe são próprias e que serão apresentadas nos próximos
pontos.
Mutiki khanatxa yottotta,
khanàseriwa yotxa, koma onimwìsasera.
A cegonha não come coisas apanhadas,
não se lhe procura comida,
mas a procura ela mesma.
Mutiki khanamukhura rottomwa, ehopa
ònaka.
A cegonha não come bicho malcheiroso,
vendo o peixe.
Mutiki onakhura itthu sa mmahini pahi.
A cegonha come só as coisas
que se encontram na água.
Mutiki khanakuviha otxa.
A cegonha não tem pressa em comer.
Yotxa ya mutiki ovahiwe ni Muluku
(olukhu).
A comida da cegonha é-lhe dada por
Deus
(na iniciação come-se o que se
encontra no mato).
Mutiki khanìkhupanyera ntthiya nimosa,
avolowá mmahini onnòva nikhupa,
ovekela onèra:
ananikhupa, muhikìntake mwetto,
kinàsa ottokwattiru.
A cegonha não se queixa numa única
lagoa,
entrando na água tem medo do
peixe-pente,
reza/implora assim dizendo:
peixe-pente, não me partes a perna,
procuro peixinhos só.
Womeserani wamphwanya mutiki,
wohimuveiha: oruha otapana.
Mutiki khanakhuriwa murima.
Na pesca se encontrares a cegonha,
não deves desprezá-la: traz azar.
O coração da cegonha não se come.
- Mutiki emp’awe
- Casa da cegonha
O que chama mais a
atenção da biosofia e biosfera xirima quando fala da cegonha, é a
sua casa. Os textos dos pesquisadores raramente falam de epuru/ninho,
como é normal dizer quando se fala de aves, mas preferem falar mais
frequentemente de empa, isto é, de casa: é um pormenor muito
importante que atraiçoa a semântica metafórica que rodeia esta
ave.
Em primeiro lugar
afirma-se que a Mutiki pede ajuda para ter casa. Na verdade é
ajudada por todas as aves. Elas sabem que a cegonha gosta de viver em
zona fluvial e lagonal, é mesmo aí que a Mutiki recebe a sua casa,
o seu ninho, pois toda a sua existência é aquática. Normalmente
é-lhe construída a casa numa árvore suficientemente acima do nível
da água do rio e isolada.
Agora o interessante da
casa é que é construída na estação da seca, num só dia e
precisamente numa só noite, ou seja, no tempo de Deus Namuli e dos
seus intermediários, no tempo dos segredos e dos mistérios da vida.
Nenhuma pessoa ousa afirmar ter acompanhado de dia a construção da
casa da cegonha. Passando de dia, o xirima encontra-a sempre já bem
concluída. È portanto uma casa nocturna, sagrada e namúlica.
Outro pormenor
importante vem do facto de a biosofia e biosfera xirima afirmarem que
são as aves, colegas da cegonha, que se prontificam a construir-lhe
a casa com pauzinhos, com capim, rebocando-a como se fosse uma
habitação da pessoa ou o alpendre do rei ou a campa dos grandes.
Resulta uma casa forte e suficientemente robusta para ser defendida
da ventania forte e com a porta a olhar o nascer do sol, resulta por
fim uma casa semelhante ao cone da makeya ou à casa tradicional
redonda (thokola: mini-namuli doméstico). A cegonha não a suja com
os seus excrementos nem dentro nem no chão, cuida maternalmente da
cria, ficando sempre perto dela, procurando farrapos da gente, de
esteiras velhas ou do cemitério, de maneira que o seu habitat é
ainda mais respeitado como lugar misterioso e sagrado, não só pelas
aves que consideram a cegonha a matriarca delas, mas também por
outros animais. A águia e as cobras evitam de passar por lá, não é
o habitat do crocodilo, dos invejosos e dos malvados.
Mukikhavihere: èrale mutiki ahawelaka
empa.
Ajudem-me: disse a cegonha precisando
de casa.
Mutiki t`òwinanela otekeliwa wa
emp`awe.
A cegonha é abstinente
para que lhe seja construída a casa.
Mutiki khanateka empa mekhaiye:
onokhavihiwa.
A cegonha não constrói a casa
sozinha: é ajudada.
Empa ya mutiki ennakhala mukhitte
mulusi:
orirya murima (olukhu).
A casa da cegonha fica perto do rio
para arrefecer o coração (iniciação
masculina).
Vavo enakhalaya’vo empa ya mutiki,
mahi khanaphiya’vo.
Ao nível onde está a casa da cegonha
a água não chega.
Empa ya mutiki khenatekiwa vorakamela
moloko,
ennakhala mukhitte ntthiya,
ekumi awe ennètta ni mahi.
A casa da cegonha não se constrói
distante do rio,
fica perto duma lagoa,
conduz uma existência aquática.
Emp’awe ennatekiwa
mmwirini mutokwene ohinaviraviriwa.
A casa da cegonha está numa árvore
alta isolada.
Nipuro enapakiwaya empa ya mutiki
epheyo yowali khenavira.
Empa ya mutiki khenathamuliwa ni
yupuru,
khenànyuliwa ni yupuru.
Onde se faz a casa da cegonha,
o vento forte não passa.
A casa da cegonha não é destruída
nem cortada pelo remoinho.
Epuru ya mutiki khenòneya entekiwaka
(olukhu).
O ninho da cegonha não se vê quando
se constrói.
(iniciaçãomasculina)
Mutiki khanapankeliwa empa eyita,
nto onapankeliwa elimwe.
À cegonha não se faz a casa no tempo
chuvoso.
mas no verão (iniciação masculina).
Makholo annèra: mutiki khanateka empa
mekhaiye, mene onotekeliwa
ohiyu, nihiku nimosa pahi, ni asipalame
antxipale:
kula mwapalame onnaruha
mikuryo sokhapurini nari malalo nari
nlaxi ni nlaxi
ophiyera omala empa ya mutiki,
ekulukutthaka/esirinkaka mpani tho wera
ehirupe.
Os velhos afirmam:
a cegonha não constrói a casa
sozinha,
mas é-lhe construída,
de noite, num só dia, por muitas aves,
cada ave traz pauzinhos recolhidos no
cemitério
ou folhas ou pedaços de capim
até acabar de construir a casa
rebocando-a dentro também para que não
pingue.
Empa ya mutiki khavo ophwanyale
etekiwaka,
onapankiwa ohiyu ni exiri.
Asipalame antxipale annateka emp’ awe
wona wi mutiki ti pwiyamwen’aya.
Ninguém encontrou a cegonha a fazer
casa,
constrói-se no segredo/mistério da
noite.
Muitas aves constroem a sua casa
por ser a cegonha a matriarca delas.
Ipalame sothene sinamuweha mutiki
ntoko pwiyamwene ni mwen’aya.
Empa ya mutiki khenatekiwa
ipalame sihìwananne.
Wiwanana orwiye ni mutiki (olukhu).
Todas as aves reparam na cegonha
como matriarca e rainha delas.
A casa da cegonha não se constrói
sem o acordo entre as aves.
A concórdia veio com a cegonha.
(iniciação masculina)
Empa ya mutiki enattittimihiwa ntoko ya
pwiyamwene.
A casa da cegonha respeita-se como a da
matriarca.
Empa ya mutiki khenapankiwa othana
niwoko othana kheyawo exiri (olukhu).
A casa da cegonha não se constrói de
dia
porque de dia não há
segredos/mistérios.
(iniciação masculina)
Mwana a mutthu khanakona empa ya
mutiki.
ti ntoko empa ya okhapurini:
khenathelihiwa.
A criança da pessoa não dorme na casa
da cegonha,
é como uma casa no cemitério, onde
não se brinca.
Mutiki khanavavaxa ottai wa an’awe
khanatthuwala an’awe, onnàwehaweha
an`awe.
khanakhulumuwa wàtxiha axan`awe,
Mutiki onnakuxa mattapwatta, ahòniwaka
n’atthu,
Anamwane awe annakonela mattapwatta
yale.
A cegonha não voa muito longe da sua
cria,
não esquece os seus pintos, mas cuida
deles,
não se cansa de os alimentar.
Sem ser vista, leva os farrapos das
pessoas,
e os seus pintos usam-os para dormir.
Xaka khanalamula empa ya mutiki:
onimòva.
A águia não manda na casa da cegonha:
tem medo.
Nipuro etekiwaya empa ya mutiki
khenavira enowa: enimokhwa.
No lugar onde se constrói a casa da
cegonha,
não passa a cobra: morre.
Mutiki khanavira ntthiya na ikonya,
khanémela ntthiya nowixa.
A cegonha não passa pela lagoa dos
crocodilos,
não pára na lagoa funda.
Vari empa ya mutiki, khanaphiya
ananrima.
Mutiki khanatthuna anamilili.
Onde está a casa da cegonha,
não chegam os invejosos.
A cegonha não quer os avarentos.
Empa ya mutiki khenaviriwa vakhiviru:
enottittimihiwa ntoko ekhapuri ya
mamwene.~
Empa ya mutiki enasirikiwa
ntoko muttheko a mwene.
Da casa da cegonha não se passa perto:
respeita-se como as campas do rei.
A casa da cegonha é rebocada
como o alpendre do rei.
Empa ya mutiki enatthunyeliwa
ntoko yele ya mutthu.
A casa da cegonha cobre-se como a da
pessoa.
Empa ya mutiki enatekiwa
mwa enenero ya makeya nari thokola,
niwoko na omwene orinaye
ti wa omuluku w’asipalame.
A casa da cegonha é construída
em sinal da makeya ou como a casa
redonda,
pois o seu reino é sagrado para as
aves.
Muluku erimarim’awe eri ntoko empa ya
mutiki,
niwoko etthomela ya Muluku.
A essência de Deus é como a casa da
cegonha,
porque é a fontanela de Deus.
Empa ya mutiki mulako
onaweha nnakhuma nsuwa (olukhu).
A porta da casa da cegonha olha
para onde sai o sol (iniciação
masculina).
2- Semântica metafórica da cegonha
2.1 Mutiki pwiyamwene ni mwene
A cegonha metáfora da autoridade
tradicional
O aforismo em questão
fala da verdade e do coração da cegonha em relação a Deus. Mas
isto pressupõe o prévio relacionamento da cegonha para com a
biosofia e biosfera xirima na sua fenomenologia diária e cultural.
Nos textos precedentes já se anteciparam alguns aspectos semânticos
da cegonha. Ela é o ícone que patenteia a estrutura político-civil
da vida xirima, é metáfora protótipa e típica da matriarca e do
rei duma aldeia. Tudo o que se afirma acerca do coração e da
verdade da cegonha, pode ser desvelado e aplicado à vida e ao
comportamento da autoridade tradicional, em particular àquela da
matriarca. É ela o coração e a verdade da aldeia, é a mãe que
cuida e alimenta os seus habitantes, é a garante da harmonia e da
paz entre o seu povo, por isso é-lhe construída a casa, é apoiada
em tudo o que ela precisa pelo seu povo.
Ekhalelo ya mutiki
ti ya opwiyamwene ni ya omwene.
O comportamento da cegonha é o da
matriarca e do rei.
Mutiki ori pwiyamwene a apalame othene
ni onnattittimiha yawo othene.
A cegonha é a matriarca de todas as
aves
e ela respeita a todas.
Empa ya mutiki ennatekiwa ni apalame
antxipale,
Empa ya pwiyamwene/mwene
ennatekiwa ni atthu antxipale.
A casa da cegonha é construída por
muitas aves
A casa da matriarca e do rei
é construída com/por muitas pessoa.
Opwiyamwene wa mutiki ovahiwe ni
Muluku.
Opwiyamwene wa mutiki wòphiya wirimu.
Opwiyamwene wa mutiki khonakhulaniwa.
O matriarcado da cegonha é um dom de
Deus.
O matriarcado da cegonha chegou no Céu.
O matriarcado da cegonha não se
discute.
Mutiki regulé: èttaka khanatthimaka
ntoko hukula.
A cegonha é como o régule:
andando não corre como o coelho.
2.2 Mutiki moro olukhu
A cegonha metàfora da iniciação
Outro aspecto semântico
importante da cegonha é algo que os pesquisadores esqueceram
completamente. Questionados acerca da presença da Mutiki no começo
da iniciação e na parte terminal, deram respostas evasivas e
inconclusivas. Por isso não larguei a pista, sabendo instintivamente
que de baixo estava a chocar/incubar algo de importante. Na verdade
reflectindo intensamente sobre o que tinha visto na iniciação
mencionada no começo, espontaneamente compreendi a motivação
principal da presença da Mutiki na iniciação quer no momento
inicial quer naquele final. Analisemos os vários momentos
metafóricos da Mutiki durante a iniciação.
1- No momento inicial o
mestre tendo nas mãos a Mutiki e mostrando-a aos iniciandos,
comunica-lhes que estão entrando no reino fluvial e aquático da
cegonha, ocupam o seu horizonte, praticamente eles se tornam por um
lado a encarnação da Mutiki e por outro assumem a Mutiki como
metáfora de todo o rito. De facto, também deste ponto de vista como
se viu para com a autoridade tradicional, tudo o que se diz da Mutiki
pode ser aplicado aos vários momentos da iniciação masculina.
Esta, à diferença da feminina, inicia, desenvolve e acaba sempre em
zona fluvial e aquática ou em zona húmida das baixas e charcos. Os
iniciandos para renascer à maturidade, latente ou patentemente têm
que regressar à água/líquido uterino, ao seio matriarcal da
Mutiki, passar uns dias completamente despidos, sem tomar banho, pois
estão no útero materno, deitado no chão a curar a ferida do
prepúcio em posição semi-uterina. Além de regressar ao
útero/lagoa materna, a água que flui e leva tudo para baixo até
desaguar no mar é outra imagem metafórica para os iniciandos
entregarem-se ao fluido da tradição que leva embora o passado, a
infância e, ao mesmo tempo, dá energia para chegar à maturidade
viril. Por isso, já a partir do momento inicial do rito da
iniciação, eles tem que assumir o paradigma da Mutiki, ser tratados
ou assumir o comportamento da Mutiki.
2- Como a cegonha, assim
também os iniciandos recebem várias casas/cabanas que os padrinhos
e os iniciados do ano passado (amole) lhes constroem. Todas estas
cabanas como a da Mutiki, estão perto do rio, sempre na vertente
alta e segura da corrente forte do rio e com a porta a olhar o nascer
do sol. Como embriões no útero da Mutiki, os iniciandos não se
distinguem no tratamento da matriarca Mutiki.
3- Tal como a cegonha
recebe a casa no tempo da seca, assim os iniciandos entram no rito da
iniciação no tempo da seca (Junho-Setembro) e não no tempo da
chuva (Novembro- Março). No tempo da chuva o xirima deve pensar
exclusivamente em produzir comida nas machambas, enquanto que durante
o tempo da seca tem tempo para descansar dos trabalhos agrícolas,
para rever o passado e reprogramá-lo, em suma, tal como a cegonha,
tem tempo para reflectir e atingir o nível maduro da vida.
4- Tal como a cegonha é
rodeada de segredos e mistérios nocturnos, também os iniciandos
recebem os conselhos mais importantes e são-lhe comunicados os
segredos e mistérios mais centrais na noite, no tempo de Deus Namuli
e dos seus intermediários. Como a cegonha, de dia dedicam-se aos
trabalhos artizanais, às ocupações antropológicas.
5- Tal como a cegonha
passa o dia inteiro de cabeça reclinada com a makeya em cima da
cabeça, assim toda a viagem da iniciação é caracterizada pela
atitude dos iniciandos: todos constantemente de cabeça reclinada
para baixo com a makeya na cabeça a ouvir e interiorizar os
conselhos que lhes são administrados de noite e de dia. Parecem-se
com a cegonha quando não está a fazer nada, a matar o tempo
inutilmente, mas pelo contrário com o seu comportamento humilde,
sóbrio, calmo como o da cegonha, firmes e sólidos como um monte,
estão a semear toda a tradição no seus corações.
6- Tal como a cegonha
come comida especial que lhe vem de Deus e dos espíritos, assim os
iniciandos no mato comem e se alimentam do que o mato dá, isto é,
Deus namúlico e os espíritos fornecem-lhes durante toda a viagem:
pelo menos era assim que acontecia nas iniciações do tempo passado,
quando os iniciandos passavam meses e meses no mato vivendo do que a
caça/Deus lhes forneciam.
7- Tal como o lugar e o
horizonte do habitat da cegonha é sagrado, é temido, é respeitado
e não é frequentado por animais maus e por gente perversa, também
o lugar da iniciação é considerado lugar sagrado, namúlico,
temido e não pode ser frequentado ou perturbado por pessoas alheias.
Praticamente todo o rito
da iniciação recalca todo o horizonte semântico da Mutiki. Merece
por fim uma reflexão o momento final da iniciação onde o mestre
com os iniciados do ano passado (amolle) gritam aos neo-iniciados:
Mutiki, moro!!!
Cegonha, fogo!!!!!
Quando questionados
acerca deste grito, os pesquisadores mostraram-se completamente
desprevenidos e não conseguiram responder. Mas tendo presentes as
analogias até agora enumeradas entre o mundo da Mutiki e a iniciação
masculina, o grito torna-se compreensível. Os iniciados deixam de
vez a cabana da iniciação, o lugar da incubação uterina na zona
fluvial e aquática da Mutiki. Já renasceram ou estão renascendo à
maturidade viril, por isso devem deixar de vez o horizonte semântico
uterino da Mutiki, por isso o mestre com os iniciados do ano passado
queima a casa que foi o andaime provisório dos neoiniciados. Se no
começo da iniciação convidava-os a olhar a Mutiki, a imitar e
identificar-se com ela, agora pelo contrário convida-os a não mais
voltar atrás olhando aquela casa mutíquica, mas ir em frente e
assim enfrentar a maturidade a que foram promovidos onde a Mutiki
verdadeira será a autoridade tradicional, isto é, em modo
particular a matriarca da aldeia que junto com o rei guia a história
e os acontecimentos do povo.
Em síntese, queimando o
mestre por um lado a cabana da iniciação, da maternidade liminal e,
por outro, confirmando com resposta firme os iniciados tal gesto,
enquanto se afastam de lá sem saudade alguma, o mestre como os
neo-iniciados despedem-se definitivamente do mundo da Mutiki
metafórica para se reinserir no horizonte da matriarca, plena
personificação da Mutiki na vida da aldeia.
Um texto aplica o
horizonte semântico metafórico da Mutiki também ao Mirusi, rito
terapêutico que celebra um renovado renascimento do doente na medida
que regressa ao utero materno do jibóia e de lá sai revigorado e
renovado.
Namuku ni amole annakhuwela vohisa
nvera:
Mutiki moro. W. Ohohoh.
O mestre da iniciação com os
iniciados do ano passado
gritam: cegonha, fogo!
Respondem os neo-iniciados: Sim, sim,
sim!!
Empa ya mutiki enlikana ni yele ya
Muluku:
khenaìseliwa moro.
Na casa da cegonha é como aquela de
Deus:
não se lhe acende o fogo.
Empa ya mutiki khenahisiwa: ti mwikho.
Mutthu ahisá empa ya mutiki, ohisale
impa sawe.
A casa da cegonha não se queima: é
tabu.
Se alguém queimar a casa da cegonha,
queimou as suas próprias casas.
Mutiki ti pwiyamwene asipalame othene,
empa ya pwiyamwene khenapahiwa: oruha
evasi.
A cegonha é a matriarca de todas as
aves:
a casa da matriarca não se queima:
traz cegueira.
Mutiki namuku onalaka ipalame sothene.
Namulu a onverani onnálaka alukhu
othene.
A cegonha é a mestra que educa/inicia
todas as aves.
O mestre da iniciação educa todos os
iniciandos.
Mutiki khanavavaxa nari khanatthuna
wattamana.
khanatthuwala, onnàwehaweha an`awe.
A cegonha não voa muito, não gosta de
vizinhança,
não esquece os seus pintos, mas cuida
deles.
Mutiki mwila wa mirusi: olipiha
mukwaha.
A cegonha é o rabo do Mirusi:
fortifica a viagem/cura.
Mukwaha wa mutiki khonakuxiwa poso,
Para a viagem da cegonha (da iniciação
masculina)
não se leva a ração.
Empa ya mutiki enòpiha,
mwanene athamiyene wothe.
A casa da cegonha mete medo
tendo-a a dona já abandonada.
2.3 mutiki ni Muluku
murima ni ekhaikhai ya Muluku
A cegonha coração e verdade de
Deus.
Uma terceira dimensão
da semântica metafórica da Mutiki é teológica. Com riqueza de
textos e de conteúdo é sem dúvida a dimensão mais rica e mais
pregnante de sentido. È simplesmente um enigma inexplicável a rica
produção de textos que os pesquisadores apresentaram falando do
relacionamento da cegonha para com Deus. Praticamente é como ter nas
mãos um manual da teologia da biosofia e biosfera xirima.
Em primeiro lugar, é
típico desta cultura privilegiar os pequenos (a pequenez) como
modelos e paradigmas de inspiração. Os sábios xirima não são o
leão, o elefante, o hipopótamo, o rinoceronte, o crocodilo, mas os
três sábios xirima insuperáveis entre os animais são o coelho, o
cágado e o camaleão. Não é de admirar que no estudo do aforismo
em questão a cegonha resulte como um outro fecundo arquétipo
teológico e antropológico. Também entre a família das aves a
biosofia e biosfera xirima não escolheram aves de grande porte ou de
exímia beleza, mas a cegonha que provoca muitas vezes o sorriso
irónico dos informadores quando começam a falar dela mencionando as
pernas e o pescoço comprido excessivamente delgados. A pequenez, a
fraqueza, a impotência, a brutidão/fealdade é o horizonte
preferencial do teológico que melhor expressa a alteridade
incomensurável de Deus.
Em segundo lugar, a
cegonha é uma ave nocturna, vive no tempo e silêncio nocturno,
recebe e celebra os segredos e os mistérios nocturnos e lunares de
Deus namúlico e dos seus intermediários, cresce e recebe
alimentação de Deus e dos espíritos, portanto conhece e transmite
em transparência o coração, a verdade, os dogmas nocturnos e
lunares de Deus, tornando-se assim o depósito e ao mesmo tempo o
espelho directo da essência transcendental.
Em terceiro lugar, a
biosofia e biosfera assumindo a cegonha como metáfora teológica,
aplica todo o âmbito semântico dela à sua religiosidade e
teologia. O Deus namúlico matriarcal aceita em cheio a
matriarcalidade da cegonha. Como a cegonha é reconhecida como
matriarca por todas as aves, assim Deus é o centro matriarcal de
vida e de atenção cósmica e antropológica. Como a cegonha não
deixa o seu habitat por favorecer e alimentar a sua cria, assim Deus,
matriarca namúlica, cuida de tudo e de todos. Assim Deus é solidal,
sinergético, aceita ser ajudado, aceita a cooperação
transcendental (espíritos, cosmos) e categorial (mutthu/pessoa), é
fundamento de harmonia e de paz.
Em quarto lugar, viu-se
que o matriarcado da cegonha se realiza em zona fluvial e aquática.
Significativamente a chuva não tem só o termo próprio e específico
de epula em xirima, mas dispõe de outros termos como Muluku
mutthulo: Deus que cai. A teologia xirima entrando no horizonte
fluvial e aquático da cegonha ganha portanto dois atributos,
torna-se fluvial e aquática. Deus é por um lado água que garante
a vida, a humidade, a serenidade, assim o horizonte de Deus é
benéfico, positivo, agradável e de penumbra, de frescura nocturna e
lunar e, por outro lado, Deus é rio que leva tudo purificando e
amadurecendo a desaguar no mar da maturidade antropológica.
Viu-se também que, por
ser o habitat da cegonha fluvial e aquático, é por isso
metaforicamente zona liminal por excelência para as iniciações
masculinas. Ao útero materno da cegonha os iniciandos regressam para
renascer à maturidade viril. Assim também deste ponto de vista a
cegonha é paradigma epifánico do Deus namúlico: matriarca e
genearca que gera, educa e leva a maturidade tudo e todos.
Por fim, não podia ser
diferente nem podia mancar, resulta também neste contexto que, como
a cegonha é mater dolorosa, assim o comportamento de Deus na
história cósmica e antropológica é opuheriwa, é ser gozado, é
mater dolorosa universal, nunca numa posição de privilégio, mas
sempre por um lado de escondimento, de humildade, de paucidade e, por
outro, de serviço, de imolação.
Sothene onavaraiye mutiki
onolamuliwa ni Muluku ni tho ni minepa
sawe.
Tudo o que faz a cegonha
é mandada por Deus e pelos seus
espíritos.
Vamutikini, Muluku ohiya ekhaikhai awe,
ekumi yothene ya Muluku eri vamutikini.
Na cegonha Deus deixou a sua verdade,
toda a vida de Deus está nela.
Mutiki oyenve ikatha sawe,
nto ekhalelo awe ti ya Muluku.
A cegonha é delgada de pernas,
mas a sua constituição é de Deus.
Osuwela murima wa mutiki
ti osuwela ekhaikhai ya Muluku.
Conhecer o coração da cegonha
é saber a verdade de Deus.
Mutiki empa awe onateka nihiku nimosá:
Muluku onampattuxa mutthu nihiku nimosá
ni onamwìtthana tho nihiku nimosá.
A cegonha constrói a sua casa num só
dia:
Deus cria a pessoa num só dia
e chama-lhe também num só dia.
Ekhaikhai ennarwela osulú pahi,
Ekhaikhai ya mutiki enolikana ni yele
ya Muluku,
niwoko mutiki empa awe ennakhala osulú
khweli mutiki onnakilathi musuluru.
A verdade vem do alto só:
a verdade da cegonha é como a de Deus,
porque a sua casa está lá no alto,
sim, a cegonha reside só no alto,
Mutiki murima wa Muluku:
niwoko onalamuliwa ni Muluku mwa
sothesene,
emp`awe khanateka mekhaiye ntoko
Muluku,
empa awe ti ya ixiri /mikho ntoko ya
Muluku.
khanalokotthiwa ntoko Muluku
khanapanka itthu sawe vanlakani ntoko
Muluku.
A cegonha é o coração de Deus
pois é mandada por Deus em tudo,
não constrói a casa sozinha como
Deus,
a sua casa é de segredos/tabus como a
de Deus,
não se pode enganar como Deus
não faz nada à vista como Deus.
Makholo annèra: mutiki muhinvehe
niwoko ti ekhaikhai ya Muluku.
vakhwiye mutiki,
yòmora`vo ekhaikhai ya Muluku.
Os antepassados afirmam: não abuses da
cegonha,
porque é a verdade de Deus.
onde ela morreu, lá caiu a verdade de
Deus.
Wammaná mutiki, ommanne Muluku.
Se bates na cegonha, bates em Deus.
Sothene sinùlummwa sa mutiki, siri sa
Muluku.
Mutiki ti mwapalame onùpuxera sa
Muluku.
Tudo o que se diz da cegonha, é fala
de Deus.
A cegonha é a ave que faz lembrar o
teológico.
Mutiki nitho na Muluku:
vanwehaiye Muluku, mutiki ori vavo.
A cegonha é o olho de Deus:
onde repara Deus, lá está a cegonha.
Mutiki wisumaliha ntoko Muluku:
orovahiwa ni Muluku.
A cegonha é pudica como Deus:
é uma atitude recebida por Deus.
Muluku khanakhulumuwa onalamulaiye
mutiki.
Winla wa mutiki Muluku wakuva wiwa.
Deus não se cansa por aquilo que manda
a cegonha,
escuta logo o choro dela.
Namwi mutiki oroyevaru, Muluku onvaha
omwene
niwoko na murim’awe worera.
Embora a cegonha seja delgada,
Deus lhe deu a chefia por ter um bom
coração.
Mutiki Muluku:
khanakhulumuwa wàtxiha axan`awe.
A cegonha é como Deus:
não se cansa de alimentar os seus
pintainhos.
Mutiki Muluku: khanàseriwa yotxa.
A cegonha é como Deus:
não se lhe procura comida.
Mutiki kaporo a Muluku,
niwoko àhàkhulela ohawa,
ti murumeyi a Muluku, ti nlaika na
Muluku.
A cegonha é escrava de Deus,
porque aceitou de sofrer,
é a serva e a mensageira de Deus.
Mutiki onapuheriwa
ntoko onerihiwaiye Muluku.
A cegonha é gozada, como acontece com
Deus.
Empa ya mutiki ni ya Muluku
khenaìseliwa moro.
Não se acende fogo
na casa da cegonha e naquela de Deus.
Apwiya yàkilela wera:
mutiki ti erimarima ya Muluku:
Muluku erimarim’awe eri ntoko empa ya
mutiki,
niwoko etthomela ya Muluku.
O avô disse- me que a cegonha é a
essência de Deus,
que é como a casa da cegonha,
porque é a fontanela de Deus.
Mutiki onnavaha exariya yothene ya
Muluku.
A cegonha dá toda a justiça de Deus.
Mutiki namalaka a ikano sa Muluku.
A cegonha é a educadora
que dá os conselhos de Deus.
Omuluku mutiki onophwanya nipuro
norera.
Em Deus a cegonha há-de encontrar um
bom lugar.
Murima wa mutiki onlikana ni yole wa
Muluku: olevelela.
O coração da cegonha é como o de
Deus: perdoa.
Mutiki Mulukú: kharino nthalu.
A cegonha é como o Deus: não tem
preferências.
Mutiki onnùnnuwa ni malaika a Muluku.
A cegonha cresce com os anjos de Deus.
3 Mutiki ni ekristu
A cegonha e a fé cristã
Entrando no âmbito
cristão, o axioma em estudo, encontra logo calorosa recepção. A
semântica metafórica da cegonha assume espontaneamente vestes
cristológicas, mariológicas e eclesiológicas.
3.1 Mutiki ni Yesu - A cegonha e
Jesus
Em primeiro lugar, salienta-se a
continuidade relacional entre a cegonha e Deus em Jesus. A
polaridade do aforismo torna-se uma tríade inseparável constituindo
uma única história em Jesus.
Mutiki, Muluku ni Yesu ari murima
mmosa.
Mutiki, Muluku ni Yesu ti makholo a
velaponi.
A cegonha, Deus e Jesus são do mesmo
coração.
A cegonha, Deus e Jesus são os grandes
do mundo.
Ekaikhai ya Yesu eri vamitikini ni
vamulukuni.
Yesu onnatthariha sa Muluku ni sa
mutiki.
A verdade de Jesus está na cegonha e
em Deus,
Jesus segue a teologia da cegonha.
Mutiki t’owìsumaliha, òttittimiha,
a mirirya,
ntoko Muluku ni Yesu.
A cegonha é pudica, respeitosa,
milagrosa
como Deus e Jesus.
Mutiki onnakhaviheriwa sopanaka sawe ni
ipalame
Muluku ànakhaviheriwa khalai ni
minepa
nto vanano vava vantxiplalexa ni
Mwan’awe Yesu,
nomalá Yesu onnakhaviheriwa ni
ohuser’awe.
A cegonha é ajudada nos seus trabalhos
pelas aves,
Deus era antigamente ajudado pelos
espíritos,
mas agora é ajudado especialmente pelo
seu Filho Jesus,
por fim, Jesus é ajudado pelos seus
discípulos..
Em segundo lugar, os
textos dos pesquisadores enfrentam a identidade entre a semântica da
cegonha e a vida de Jesus. Como o reino da cegonha, assim o reino de
Jesus não acaba; como a cegonha, assim Jesus sozinho no Jetzemani
foi socorrido pelo Pai do céu; como a cegonha, também Jesus reza,
implora com todo o respeito e humildade; como a cegonha, também
Jesus é paciente e se imola. A identificação é tal que permite a
alusão à Eucaristia. O cristão xirima chega por fim a fazê-lo
tanto xirima, de maneira que é também Jesus que louva a Mutiki por
seguir os seus mandamentos, por ser a sua apóstola.
Ekhaikhai ya mutiki enlikana ni yele ya
Yesu,
Omwene wa mutiki onlikana ni ole wa
Yesu,
niwoko khenamala.
A verdade da cegonha é como a de
Jesus,
O reino da cegonha é como o de Jesus.
porque nunca acaba.
Mutiki khanatthuna wattamana
èttaka ni ikuru sa Muluku,
ntoko Yesu avariwaiye mekhaiye
èttihiwaka ni ikuru sa Muluku.
A cegonha não precisa da vizinhança,
andando com a força de Deus:
é como Jesus que foi pegue sozinho
mas guiado pela força de Deus.
Yesu Kristu ti mutiki: onnavolowa ni
wova mmahini.
avekaka nlevelelo wa nikhupa.
Tthiri Yesu arene elapo ya vathi
anavekela ntoko mutiki.
Jesus é como a cegonha,
entra na água com medo/respeito
pedindo perdão ao peixe-pente,
Jesus quando estava na terra orava como
a cegonha.
Yesu Kristu okuxale enenero ya mutiki,
niwoko nopixa murima.
t’ovilela mahoxo ni orwenle
murettele.
Jesus Cristo assumiu o paradigma da
cegonha,
por ser ela bondosa. paciente: veio
para paz.
Omukhura mutiki, wakhurale Apwiya Yesu.
Erutthu ya mutiki enlikana ni yele ya
Yesu: khenùntta.
Ao comeres a cegonha, comeste o Senhor
Jesus.
O corpo da cegonha é como o de Jesus:
não apodrece.
Mukwaha wa mutiki khonakuxiwa poso,
onlikana ni yole wa Yesu: poso ti yowo
mwanene.
Para a viagem da cegonha não se leva a
ração,
é como a de Jesus: a ração é ele
mesmo.
Yesu onnamutthapela mutiki
niwoko notthara malamulo awe.
Mutiki murummwa a sothene sa Yesu.
Jesus louva a cegonha
por ela seguir os seus mandamentos.
é a mensageira de todas as coisas de
Jesus.
3.2 Mutiki ni Maria -- A cegonha
e Maria
Como a cegonha, assim
Maria é a verdade de Deus gerando o Filho de Deus, Jesus. Tal como a
cegonha, também Maria é matriarca respeitada e celebrada por todas
as mães. Maria é Mutiki sobretudo no momento da anunciação,
quando aceita o anúncio de Gabriel em submissão silenciosa e
obediente.
Mutiki ori ntoko Maria amay`awe Yesu.
Ekhaikhai ya mutiki ti ya Maria
amay`awe Yesu.
A cegonha é como Maria, a mãe de
Jesus.
A verdade da cegonha é a de Maria, mãe
de Jesus.
Opwiyamwene wa Maria onlikana ni yole
wa mutiki
Maria ti pwiyamwene a athiyana othene
othene aya annavuwiha ni
annattittimiha.
O matriarcado de Maria é como o da
cegonha.
Maria é a matriarca de todas as
mulheres,
todas as louvam e a respeitam.
Mutiki àhàkhulela ovara muteko wa
Muluku
ntoko Maria pwiyamwene.
Ehuhu yele munepa wa Muluku wùlumaya
ni Maria, Maria oromala ùrammene ntoko mutiki.
A cegonha aceitou de fazer a tarefa de
Deus
como Maria matriarca.
Na altura em que o anjo de Deus falava
com ela
ficou calada e de cabo reclinado como a
cegonha.
3.3 Mutiki ni ekereja
A cegonha e a casa da igreja
Os textos salientam
sobretudo a analogia entre a casa da cegonha e a construção da
igreja, abençoada, construída com a cooperação de todos os
cristãos da comunidade, orientada no caminho do sol e fortificada
pelo dízimo.
Empa ya mutiki khevirikanne ni yele ya
ekereja,
niwoko eri yorelihiwa ni mahala a
Muluku.
A casa da cegonha não difere daquela
da igreja,
porque é abençoada pela graça de
Deus.
Empa ya mutiki eri ntoko altari,
niwoko akristu annarukurera ni anakhala
eriyariru.
A casa da cegonha é como o altar,
os cristãos em redor, a altar no meio.
Empa ya mutiki mulako
onaweha nnakhuma nsuwa ntoko ekereja.
A porta da casa da cegonha
olha para onde sai o sol como a
igreja.
Empa ya mutiki ennatekiwa ni asipalame
antxipale,
ekereja tho ennatekiwa ni akristu
othene
enalipihiwa ni edizimu aya.
A casa da cegonha é construída por
muitas aves,
a igreja também é construída por
todos os cristãos,
é fortificada pelo dízimo deles.
Avaliação
O mundo metafórico e
simbólico, se por um lado apresenta aspectos visíveis e tangíveis,
limitados e parciais, por outro urge a alargar o horizonte visual
completando, insinuando o latente transcendental no patente
categorial. È o que se constatou ao analisar o axioma da Mutiki:
devagar e pacientemente desvendou toda a sua riqueza rencóndita a
nível biológico, etnográfico, etnológico, antropológico e
teológico.
Como cada metáfora que
seja tal, assim a Mutiki consegue visualizar toda a biosofia e
biosfera xirima, a sua religiosidade e teologia namúlica matriarcal,
nocturna e lunar, a sua antropologia e sua estrutura social de marca
e proeminência matriarcal.
A autenticidade inocente
e transparente do capital semântico da Mutiki explica a sua entrada
quase trionfal e exuberante no horizonte da fé cristã.
Sem comentários:
Enviar um comentário