Identidade e Carisma IMC
do missionário da Consolata
Reflexão /Provocação
para o dia 05.07.2012 A.D.
Introdução
Este tempo é tempo de entrega de
missões, de paróquias à Igreja Local. A entrega aos herdeiros
legítimos é feita normalmente com satisfação mútua. No entanto,
passado um tempinho, acontece de ouvir comentários como os
seguintes: “Já não é a mesma coisa, já não é mesmo estilo e
ritmo de evangelizar, de visitar as comunidades como éramos
acostumados com os missionários e missionárias da Consolata”.
Nestes comentários, indirectamente ou
não, anuncia-se e proclama-se a identidade e o carisma IMC:
percebido e apreciado não teoricamente, mas na prática, como os
Missionários e as Missionárias da Consolata o viveram e o
transmitiram. Lembram-se os nomes deles e delas, a coragem e
aventuras sofridas e, cosa digna de relevo, nestes momentos de
memória retrospectiva nunca me aconteceu de ouvir falar dos limites
dos IMC ou das MC. P. ex. quando cheguei no 1975 a Moçambique, ouvi
falar do Pe Ferrero ou do Pe Filippi quase só ao negativo, enquanto
que os cristãos só ao positivo, até se admiravam que as irmãs MC
e os irmãos IMC sepultados em Mitúcue tivessem um sepulcro
monumental, enquanto que o “nosso Superior jaz lá no chão
esquecido”. O povo cristão olha menos aos defeitos individuais dos
missionários e das missionárias da Consolata, percebe mais a aurea
consolatina que os/as rodeia e transfigura: em outras palavras,
percebe sobretudo a identidade e o carisma consolatino/allamaniano
deles e delas.
Identidade
Acerca da Identidade, para a entender
bem, parece-me emblemático o provérbio xirima que diz: khapa
onnètta ni emp’awe, o cagado vai sempre com a própria casa, é si
mesmo sempre, nunca se desliga da sua casa, do seu ser-assim. Se
chover ou se rodeado duma queimada, encontra logo abrigo e defesa na
sua casa. Em suma, a identidade consolatina deveria ser mais ou menos
assim como a capa do cágado.
Carisma e suas atitudes constitutivas
Acerca do Carisma: o seu sentido
etimológico é óbvio: deriva da palavra grega karis graça,
portanto carisma significa um dom que vem de Deus, um dom vertical
descendente e por nenhum motivo prestígio pessoal ascendente. Paulo
nas suas cartas não se cansa de mencionar a graça, a sorte que lhe
foi dada, que improvisa e insperadamente a Damasco o apanhou. Os
Axirima afirmam o mesmo quando usam o passivo ovariwa: fui apanhado
para o reino, para o sacerdócio, em suma para uma tarefa do alto, é
como a fundação dos dois Istitutos para o B. J. Allamano: agarrado
pela graça de Deus, pela doença, pela ordem do seu bispo, funda o
IMC no 1901, dez anos mais tarde agarrado pela palavra do Papa Pio X,
funda o MC.
O carisma mostra dois versantes,
implica duas atitudes fondamentais: por um lado passividade receptiva
e, por outro, dinamismo expansivo, carismático. Em primeiro lugar
implica passividade receptiva, exige pôr-se em posição de escuta e
de recepção do dom que improvisamente investe, inspira e, se bem
recebido, transfigura: è o que experimentou cada um de nós ao
brotar no seu coração a vocação missionária, mas praticamente é
o que acontece ao levantarmo-nos cada dia, fieis no serviço e
ardentes no louvor. O carisma é chamamento categórico, é sedução
irresistível, diria o prof. Jeremias, nos torna discípulos de
Jesus, nos faz religiosos.
Em segundo lugar o carisma implica e
exige dinamismo expansivo, carismático: é o momento em que se
assume conscientemente o duplo título de Missionário/Missionária
da Consolata. Destes dois atributos primeiro a ser mencionado deveria
sempre ser a Consolata, como em inglês se costuma dizer. Pois a
Consolata é a mitente, é ela que envia enviados, missionários. Não
só, mas a Consolata do verbo consolar/confortar indica a tarefa
específica do enviado por Ela. Em síntese, é a Consolata que marca
o ponto de partida, a pedra miliar da identidade e do carisma
consolatino. Sem esquecer o Fundador evidentemente, mas também sem
esquecer que ele junto o Camisassa quis desaparece atrás da
Consolata, a mitente que nos consola e nos manda consolar com o
kerigma do seu Filho Jesus.
De maneira que o missionário da
Consolata, uma vez plenamente consolado, consola-se e consola de mão
cheia, pôe-se a caminho e anuncia o kerigma, chegando em toda a
parte como portador do virus da consolaçao de Deus.
Carisma e seus momentos sincrónicos
concomitantes
È oportuno não esquecer dois
factores históricos (as raízes) que caracterizam o início, a arke
do carisma consolatino. Em primeiro lugar não devemps esquecer que o
carisma consolatino tem historicamente como figuras paradigmáticas e
arquétipas o B. J. Allamano por um lado e, por outro, o binómio o
cônego Camisassa - Mons. F. Perlo: por um lado sobresae a
espiritualidade constitutiva allamaniana e por outro o dinamismo
expansivo carismático camisassiano/perliano: esta dualidade
arquétipa inicial não devia ser esquecida hoje na vivência do
carisma consolatino. A ven. Ir Irene Stefani como religiosa foi
allamaniana 100%, mas como missionária foi perliana 100% e quantos
IMC e MC poderíamos mencionar que olharam a estes modelos iniciais
não como um dualismo exclusivo, como um dilema crónico
inconciliável, mas como uma dualidade inclusiva e complementar,
digna de ser imitada. Vi e ouvi IMC e MC que veneravam o Fundador e
choravam a memória do Perlo.
Outro elemento histórico que não
devemos esquecer, porque caracteriza o carisma consolatino desde o
seu momento aural, é o facto que nascemos gémeos: somos
missionários e missionárias da Consolata, somos uma dualidade
doméstica/familiar com o mesmo denominador, com o mesmo espírito,
com a mesma espiral e código genético, numa palavra filhos e filhas
da mesma mãe e do mesmo pai, irmãos e irmãs da mesma família e do
mesmo lar. Se a casuística desta dualidade revelou momentos
cronológicos conflitivos antitéticos, isto porém nunca pús em
questão o kairos consolatino, o carisma consolatino, na verdade os
momentos de turbolência aprontaram momentos de exclarecimento e de
crescimento recíproco, até chegarmos ao último capítolo do ano
passado onde o IMC e MC coniam para o relacionamento das duas
famílias consolatinas a palavra-chave Comunhão, palavra-chave que
convida a ir além da sinergia operativa e da presença/contiguidade
locativa.
O carisma hoje, hic et nunc
Como ser consolado e consolar hoje,
hic et nunc? Como entender hoje o carisma consolatino? Como consolar
activo, consolar-se reflexivo e ser consolado passivo neste tempo em
que o último Capítolo nos convida a assumir a inversão de caminho
dos dois discípulos de Emaus (regressar a Jerusalém), nos convida a
deixar uma margem para passar à outra margem do mesmo lago? Como
consolar, consolar-se e ser consolado neste tempo em que a Igreja
universal convida ao diálogo todas as religiões (Assisi 2011),
planifica Cortili dei Gentili/Pátios dos Gentios em toda a parte, em
suma, nos convida a aceitar o desafio da continuidade na
descontinuidade, a enfrentar a utopia fecunda da interculturalidade,
a ir ao largo e navegar na alteridade teológica e cultural, na
dualidade minúscula e maiúscula da história?
Uma parábola significativa
Nestes dias um dos pesquisadores do
centro xirima entregou-me a seguinte parábola muito significativa
para o nosso assunto: Um homem de nome Bila temia tanto a Deus que
queria conhecer mais o Espírito Santo de Deus e fazê-lo conhecer
ainda mais. Um dia indo a uma aldeia, parando à margem de um rio,
encontrou lá uma carta que lhe dizia: “Bila, sou eu, Deus: se
quiseres conhecer o meu Espírito Santo e fazê-lo conhecer mais,
chega aqui amanhã, has-de ver a ele e a mim”. O dia seguinte, a
tardinha, Bila encaminhou-se para o rio, mas no caminho encontrou um
velho aleijado que o mandou parar, pedindo socorro para que o
carregasse. Sem demora Bila desculpou-se dizendo que devia ir ao rio
ver o Espírito Santo de Deus. Chegando ao rio, Bila lá ficou toda a
tarde à espera mas foi em vão. Triste regressou a casa. Perto da
porta encontrou outra carta que lhe notificava: “Bila, sou eu,
Deus, tinha-te enviado o meu Espírito Santo, mas tu o despercebeste,
pois tinhas pressa de chegar ao rio, assim não viste a ele nem a
mim”.
Nesta parábola pode-se entrever onde
e como hoje nós podemos consolar assim também onde e como podemos
serem consolados e consolar-nos. O comportamento à la Bila entre nós
missionários não é tão raro e desconhecido como podemos imaginar.
Seguros do nosso mundo e mandato teológico, podemos condividir a
certeza de que sabemos donde saímos e aonde vamos e assim corremos o
risco de perder o comboio, de esquecer que o ponto de partida e de
chegada de Deus, o Deus semper maior pode ser encontrado já no meio
do caminho, antes ou além ou aquém dos esquemas e dogmas nossos: é
parar e carregar Bila, todo o seu capital teológico.
Para não correr o risco de Bila, o
nosso consolar deve ser ou tornar-se bipolar, bidimensional,
bifronte, jánico: deve ser um dar e ao mesmo tempo um receber, deve
ser um consolar activo que ao mesmo tempo implica um prévio ser
consolato passivo, um consolar-se reflexivo. Em outras palavras, como
evangelizadores ad Gentes, podemos e devemos semear o Kerigma, mas ao
mesmo tempo ou previamente ceifar o pre-kerigma que encontramos já
semeado e em estado de maturidade, assumir em cheio como ponto prévio
de partida aquele caminho feito pela paciência de Deus e ao mesmo
tempo pela ignorância antropológica, mas sempre caminho de Deus e
portanto preparatio evangelica que acaba por nos evangelizar mais e
nos consolar mais plenamente a nós mesmos.
Um exemplo concreto:
a proposta paradigmática do pátio
gentílico macua xirima
Tomamos um exemplo concreto tirado da
mundo-visão macua xirima, do pátio dos gentios macua xirima, com o
qual o IMC e o MC começou a dialogar desde o 1926: toda a
religiosidade e teologia macua xirima usa uma nomenclatura e
semântica feminina, materna, matriarcal, lunar e nocturna. Se trata
o teológico ao feminino, se reza a Deus num horizonte materno, não
é devido a moda moderna e a agressividade e rivendicação do genro,
mas a uma enucleação teológica e cultural amadurecida espontánea
e linearmente na história deste pátio gentílico. Porque devia ser
exclusivamente o paradigma bíblico, masculino, paterno, solar o
único e o exaustivo para o teológico e o religioso? Com o tempo não
terá esgotado todo o seu potencial inspirador e revelador,
tornando-se teologia árida, pensamento filosófico agnóstico,
débil, flúido, gregário? A crise religiosa e teológica que
alastra a globalidade actual, não exigerá como pátio gentílico
por antonomasia o assumir sério do outro paradigma antropológico
complementar para uma recuperação ou um renovamento teológico,
como o pátio gentílico macua xirima o sugere com extrema
simplicidade e inocência disarmante e como a dualidade consolatina
IMC e MC o pregoa?
Esta hipótese, este frontal
interrogativo e desafio formulado pelo patio gentílico macua xirima
já o mencionei uma vez na anterior Conf. Reg. e lembro ainda a forte
e imediata reação emotiva e agressiva que provocou. Se hoje
regresso a mencionar este assunto e repropô-lo, não é por ir
contra, mas por ir alem. Convidado pelo Regional a fazer uma
reflexão/provocação sobre a identidade e carisma IMC, nunca me
apercebi tanto como nestes dias do seguinte: é a teologia cristã ao
feminino do pátio gentílico xirima que me torna mais evidente e
transparente a identidade e o carisma do missionário da Consolata.
Na verdade, toda a nossa identidade consolatina, todo o nosso carisma
consolatino o pai Fundador o formulou e o apresentou ao feminino, ao
materno, à luz de Maria Consolata, é Ela a Fundadora e a
mitente/mandante, é ela a sugerir a pedagogia e a metodologia da
interculturalidade missionária. S. Lucas afirma por duas vezes que
ela parcial e incoativamente entendia e não entendia o que lhe
acontecia em redor, por isso fazia dançar /fermenar no seu coração
toda a Alteridade maiúscola e minúscula que a rodeava até
entendê-la e proclamá-la plenamente, resumindo tudo no poderoso e
revolucionário Magnificat, onde ela consolada se consola a si mesma
e consola todas as gerações que acabaram por proclamar a ela
bem-adventurada.
Proposta aplicativa/resposta do pátio
gentílico cristão
À luz deste nosso carisma consolatino
ao feminino e materno que resposta deram os cristãos do pátio
gentílico macua xirima? Que hospedagem ofereceram ao kerigma cristão
apresentado pelos missionarios e missionárias da Consolata em
horizonte consolatino mariano?
Aos cristãos xirima evangeizados pelos
missionários e missionárias da Consolata è-lhes espontáneo rezar
a Deus Consolata (Muluku òhakalala, Muluku ònihakalaliha, Muluku
ohakalalihiwa wahu). Como avaliar esta profissão de fé, esta oração
dos cristãos xirima? Será um fruto híbrido ou autêntico, será
promiscuidade, sincretismo heterogéneo ou indício de uma síntese
teológica mais madura onde o feminino/materno, o lunar /nocturno tem
direito de citadania e de inspiração como o masculino/paterno, o
solar/diurno? Não serão os cristãos xirima consolatinos como nós
ou até mais do que nós? A fé deste pátio gentílico em Deus
Consolata nos irrita ou nos consola? Contudo, em ambas as reacções,
embora opostas, percebe-se que Consolata já não é só um título
marginal mariano, um santuário geográfica e culturalmene localizado
lá na Itália, lá no Piemone, lá na cidade de Turim: na
expressão/oração gentílica Deus Consolata, o atributo Consolata
muda dilatando o seu sentido, superando a sua significação
regional. Mudando e dilatando o seu sentido, assume mais sentido, um
novo sentido e de titúlo mariano local torna-se atributo teológico
global que resume num único denominador toda a história da salvação
vt e nt, anunciando-a como história de consolação de Deus Uno e
Trino que consola activa, passiva e reflexivamente: por um lado, Deus
consola o seu povo, por outro o povo é consolado, se consola e vai
consolando. Este esboço, esta síntese histórico-salvífica que a
evangelização dos missionários e missionárias da Consolata
provocou no pátio gentílico dos macua xirima, parece-me digno de
consideração. O carisma consolatino descorrega do nosso coração
para assumir timbros e ritmos novos no coraçãos dos pátios
gentílicos por nos evangelizados.
Se o pátio gentílico xirima à luz da
evangelização consolatina, produziu esta extraordinaria síntese
histórico salvífica até introduzir o título de Consolata no
coração de Deus, se este patio deu hóspitalidade e continua dar
maior hospitalidade ao carisma consolatino, agora por sua vez nós
portadores do carisma cansolatino que hospitalidade oferecemos ao
pátio gentílico macua xirima, ao seu mundo religioso, a sua
teologia ao feminino e materno, ao lunar e nocturno? Continuaremos a
oferecer uma hospitalidade difidente, reticente, condicionante?
Continuaremos na nossa atitude dicotónica: mania em dar e alergia em
receber, mania em falar e alergia em ouvir, mania em ensinar e
alergia em aprender,?
O que é o carisma? Imangens
significativas
Apesar de ser único e inconfundível
e históricamente circumscrito, o carisma nunca é um espelho onde me
autocontemplo narcisísticamente, nunca é entrar num vículo
particularístico, num gueto sem saída e projecção. O carisma
autêntico e vivido autenticamente é sempre uma alavanca de
Aquímedes que consegue levantar o globo terrestre, é um raccordo
anular aberto à todas as direcções, é subir uma altalena que
incessantemente nos baloiça, lançando-nos do particular ao
universal, do regional ao global, do teológico bem conhecido ao
teológico ainda não bem conhecido, de Emaus rural a Jerusalém
universal, da Consolata de Turim ao IMC e MC do mundo, da Maria
Consolata matriarca a Deus Uno e Trino Consolata, matriarca e
patriarca de consolação universal.
Amen aleluia!
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