Ano jubilar da
misericórdia
Ano de Lucas, o
evangelista da misericórdia
Ano da Ir. Irene
Stefani, Nyaatha e Pwiyamwene
Introdução
O ano litúrgico 2015-2016 assumiu uma
cor particular por ser para a Igreja universal o ano jubilar da
misericórdia, vivido com o evangelista Lucas, conhecido como
evangelista da misericórdia e por fim per ser pelas três famílias
consolatinas IMC, MC e LMC o ano vivido lembrando e meditando a vida
da Beata Irene Stefani, Nyaatha, a toda misericordiosa no Kenya,
Pwiyamwene, a matriarca providente e previdente em Nipepe.
Estamos para iniciar a nossa
Assembleia e, como Jesus fazia (Mc 6,30-33), também nós depois de
ter percorrido um outro ano nos nossos lugares, tivemos a coragem de
deixar todas as nossas actividades, estamos aqui retirados ou melhor
regressados num lugar deserto, só nós (o texto marciano repite duas
vezes estes dois pormenores) para descansar e ao mesmo tempo
contar-nos “tudo o que fizemos e ensinámos”. Todo este ano
estivemos na periferia de Ad Gentes, a periferia das periferias, a
periferia que hoje Papa Francisco dilui com as outras, mas para nós
é sempre periferia prioritária. Chegamos aqui com a nossa maxila
cheia das maravilhas que o Dono da messe operou connosco, como o fez
com Barnabé e Paulo que regressando a Antioquia da Síria não
acabavam de esgotar o relatório da sua primeira aventura
missionária.
Neste ano jubilar da misericórdia, no
ano do Evangelista da misericórdia, no ano da ir Irene Stefani,
neste ritiro que é em todo o sentido um regresso de uma viagem
missionária, o nosso dever primário é enumerar e cantar as
misericórdias de Deus registadas na periferia de ad Gentes.
Meditação sobre três textos
bíblicos:
Santidade, Perfeição e
Misericórdia de Deus
Encontrei três textos bíblicos com
estrutura literária e finalidade idêntica que nos podem ajudar a
entender e contemplar a misericórdia de Deus na nossa periferia ad
Gentes: trata-se de 3 adjectivos, de 3 atributos significativos que
especificam bem o nosso tema: Deus Santo, Deus Perfeito, Deus
Misericordioso.
Lv 11, 45: Sede santos porque eu
sou santo. Kadosh.
A santidade é o atributo de Deus mais
comum nas religiões, mas também mais enigmático e mais mistérico.
A santidade de Deus fascina e ao mesmo tempo afasta, consola e o
mesmo tempo amedronta, convida e ao mesmo tempo intimida. O santo é
uma categoria a priori com elementos numinosos, tremendos,
fascinantes, majestosos. Islam pode ser tomado como a religião da
santitade única, exclusiva e tremenda de Deus para qual se deve
combater guerra santa, imolando-se e ao mesmo tempo assustando um
mundo demasiado hominizado e secularizado. Agora, como atingir este
extremo, come varcar e abeirar-se ao limite do numinoso, do tremendo,
do fascinante, do transcendental? Sobretudo como entender e percerber
a misericórdia de Deus neste horizonte de fascinação, de medo e de
terror esmagante?
Mt 5,48: Portanto sede perfeitos
como é perfeito o vosso Pai celeste. Télos
Este texto de Mt introduz-nos no
horizonte da teologia nt. Deus Yahvéh torna-se agora Pai, o nome
comum e barato de Deus cede lugar ao título específico de Pai: Pai
nosso, Pai colectivo, solidário, Pai de tudo e de todos, adorado e
amado no horizonte metafórico da família, contudo sempre Pai
Celeste, transcendente, santo. Neste contexto doméstico, Deus Pai
recebe o atributo de telos no sentido de finito, definido, perfeito,
completo e exaustivo em todos as suas potencialidades, que ama em
conformidade com as suas leis e preceitos. Exige portanto que os seus
filhos sejam também perfeitos, completos, cumpram as normas. È
neste momento que o adjectivo télos assume outro sentido. Referido a
Deus, telos é sinónimo de plenitude, de ausência de negações e
de limites, Deus é infinito, o negativo do finito/limitado, vai além
dos limites e das metereologias humanas, enquanto que, se referido à
pessoa, télos é sinónimo muitas vezes de limites, de faltas, de
desobediência às normas de Deus, de ilegalidade, onde a
misericórdia de Deus fica ofuscada, porque substituída pela lei da
retalhação, das revendicações egoísticas ou identificada com um
estilo de normas rígidas, com o espírito leguleio.
Lc 6,36: Sede misericordiosos
como o vosso Pai é misericordioso. Oiktírmos
Lucas assume a sentência de Jesus
modificando-a significativamente. O “portanto” argomentativo de
Mt assim como o adjectivo celeste (ouránios) é eliminado, trata-se
de Deus Pai, menos celeste mas sobretudo terrestre, doméstico, mais
alla-mano, mais conforme ao nosso mundo, a nossa biosofia e biosfera.
Ma a novidade qualitativa do texto
modificado por Lc está na substituição do adjectivo telos com o
adjectivo oiktírmos. Por outras palavras, a sentência de Jesus, se
na versão mt era um imperativo categórico para sermos perfeitos,
agora na versão lc é um imperativo categórico para sermos
misericordiosos. A versão lc deixa o mundo da legalidade rígida
tipicamente farisaica, para entrar no mundo da elasticidade, da
dialéctica dos opostos, da flexibilidade do et-et. Lc convida-nos a
abandonar a linearidade rígida da matemática (aut-aut) para assumir
as curvas arquitectónicas da geometria, a fluididade da alteridade.
A categoria da misericórdia não elimina aquela da santidade e da
perfeição, mas convida sobretudo a sair da racionalidade fria e
férrea para declinar e conjugar a categoria dos paradoxos, das
aparentes incoerências e ao mesmo tempo conjugar a categoria da
beleza da vida vivida à luz da dinámica da misericórdia, do
claro-escuro.
Exemplificação
È neste contexto paradoxal e quase
assurdo que vive e prospera a misericórdia quer de Deus no seu Filho
Jesus quer aquela da pessoa. Tomamos dois exemplos a nós bem
conhecidos.
O Padre Fundador parece-me apresentar
a síntese equilibrada dos três textos mencionados: fala muito e até
demais da santidade e da perfeição adquirida com o exercício das
virtudes, mas ao fim e ao cabo a prerrogativa que prevalece na sua
espiritualidade é a misericórdia consolatina, a bondade
compreensiva, o silêncio bem oculado, o sorriso paterno e experto
que afugenta as dúvidas, os escrúpulos, lançando nos caminhos da
ousadia, da confiança extrema, por fim é um coração de projecção
global que quer abranger e enxertar todos os povos nas glórias da
Consolata.
Outro exemplo é a Beata Irene
Stefani que no-lo oferece. São conhecidos os seus gestos heróicos
que cumpriu assistindo nos hospitais da primeira guerra mundial em
Voi (Mombasa), Kilwa Kivinje, Lindi e Dar-es-Salam (Tanzánia),
sobretudo aquele gesto verdadeiramente trágico-heróico de recuperar
vivo o Athiambo, libertando-o do montão dos cadáveres à beira do
mar para o baptizar.
Ganhou justamente três atributos que
repisam a sua misericórdia caritativa: o título de mware Irene =
Filha Irene, o título de Nyaatha = a toda misericórdia no Kenya e o
título xirima de Pwiyamwene = a matriarca previdente e providente em
Nipepe.
Da sua biografia sabe-se que nos
últimos dias da sua vida fez oferta da sua existência, vivendo no
seu coração por um lado aqueles momentos dramáticos das duas
famílias consolatinas e por outro a crise da metodologia da missão
que se apresentava em moldes diferentes depois de 3o anos de
evangelização. È nesta altura que ir Irene, religiosa 100%
allamaniana, missionária 100% perliana, sai do horizonte da
misericórdia caritativa humana para entrar no horizonte da
misericórdia oblativa e auto-imolativa, típica e única de Deus,
bebendo ao cálice da ingratidão, da marginalização, da imolação,
amando a caridade mais do que si mesma.
Uma terceira exemplificação vou
atingir na biosofia e biosfera xirima, na periferia evangelizada
pelas duas famílias consolatinas desde 1926 A.D. Atingindo na
religiosidade e ética desta periferia ad Gentes, podemos regressar
com a nossa maxila cheia de maravilhas de Deus como a seguinte. Para
o Xirima, o santo, o perfeito, o místico é o pixa murima, quer
dizer, é o misericordioso, o bondoso, o pacífico que vence a
logística humana. Apresento uns textos muito significativos, são
metáforas fecundas.
Características do
misericordioso xirima
Pixa murima àttemula nvini.
Pixa murima àhòna murima wa enenele.
Pixa murima onnavira vamiwani.
O misericordioso furou o cabo da
enxada. (paciente, pacífico)
O misericordioso chegou a ver o coração
da formiga.
O misericordioso passa nos espinheiros.
Mulolo wireya murima vamuru,
pixa murima wireya muru vamurima.
O malandro carrega o coração na
cabeça,
enquanto que o misericordioso carrega a
cabeça no coração.
Pixa murima khanlipa mmatatani,
kahiyene namilili.
O misericordioso não é de mão
fechada, não é avarento.
Pixa murima nvini onlima olima wene
ohivithiwaka.
O misericordioso é como o cabo da
enxada:
capina intensamente sem merecer de ser
enterrada.
O misericordioso na sociedade
xirima
Pixa murima onnètta ni mwene, onatxa
ni mwene
àvariwa omwene ùluvanlene, àmuthela
pwiyamwene.
O misericordioso sempre anda com o
chefe, chega a comer com o chefe,
foi eleito chefe na velhice, casou a
matriarca.
Opixa murima wa opwiyamwene ni omwene
ti wisinnyerera , ti namahuwa àtthu
awe, ti muhamelo aya.
A misericoridia da matriarca e do chefe
(da autoridade)
implica autoimolação, é criadora da
sua gente, é o seu encoste.
Teologia xirima da misericordia
Pixa murima a vathivava àmòna Muluku
pixa murima a wirimu.
O miseridordioso desta terra viu Deus,
o Misericordioso do céu.
Muluku pixa murima wohilikaniwano
àhèra: pixani murima munimòna sa
muholo, miri sokhopela.
Deus, o misericordioso sem comparação,
disse: sejais misericordiosos e haveis
de ver o futuro, as árvores da outra margem.
Teologia cristã xirima da
misericórdia
Muluku, mwanene pixa murima,
t’opatxenre wàhuwa atthu,
Mwan’awe, Yesu Kristu, t’opwaherenre
àpenuxaka ni àvuluxaka yawo,
Munepa Wottela t’onapwahera wàhuwa
ni owìnnuwiha
È Deus, o misericordioso por
antonomásia, que começou por criar as pessoas;
o seu Filho, Jesus Cristo, continuou a
sê-lo curando-as e salvando-as
e o Espírito Santo continua a criá-las
e fazê-las crescer.
Definição do misericordioso xirima
Pixa murima eruku awe ti yowoneyaxa.
A sombra vidal /a irradiação/ a
auréola do misericordioso
é muito
visível/transparente/contagiosa.
Pixa murima àyara murima.
O misericordioso gerou o coração. (é
puérpera)
Conclusão
Por fim, visitando nestes dias uma
comunidade ví um rapaz com na camisola estas palavras: I love
myself. Depois de ter falado da misericórdia de Deus e dos nossos
Beatos, da misericórdia da periferia xirima, não vamos esquecer o
dever e o direito de ter também misericórdia/elasticidade para
conosco, para a nossa tríade constitutiva: o nosso corpo, a nossa
sombra e o nosso espírito como a biosofia xirima afirma (erutthu,
eruku ni munepa): ter misericórdia da nossa juventude demasiado
primaveril, ter elasticidade da nossa maturidade cheia de virus e ter
sorriso irónico e sereno da nossa velhice. Amen aleluia.
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